Cenários
Fiscal

A tensão entre o Executivo e o Legislativo e suas consequências

13 set 2023

Congresso apoiará em sua maioria aumentos de despesas propostos, porém relutará em conceder elevações de arrecadação em caráter permanente que acomodem este novo equilíbrio mais expansionista. Já vimos isto em várias ocasiões.

Recentemente, Marcus André Melo, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, escreveu dois artigos interessantes na sua coluna na Folha de São Paulo: “Todos os poderes do presidente” (14/5/2023) e “Parlamentarismo sem primeiro-ministro?” (27/8/2023).  O autor mostra claramente que o presidente no Brasil continua com muito mais poderes que seus pares em países democráticos, a despeito do orçamento impositivo e das dificuldades cada vez maiores de edição de medidas provisórias, a propósito, um instrumento para lá de autoritário.   

Ocorre que o presidente Lula está tendo uma dificuldade imensa de entender que: (1) não tem poder de convencimento para impor as ideias retrógradas do PT e dos partidos de esquerda; (2) seu poder de fato é imenso, comparado aos pares, como Marcus Melo nos lembra, mas é muito menor que quando ele governou o país.  A prova mais cabal de tal fato é a incrível e muito custosa demora em efetivar mudanças ministeriais para acomodar, tardiamente, partidos de centro-direita e direita em sua base de governo.  Em si isto não representaria maiores problemas, se Lula compreendesse que aliança com outros partidos significa que a pauta a ser aprovada terá também que ter um mínimo de consenso na base como um todo, e não apenas na esquerda. Já vimos aqui em meus artigos as inúmeras instâncias microeconômicas em que o executivo tem sido levado a voltar atrás em ações que tomou, pois afrontam a maioria do congresso.  De um modo mais geral, o ponto de vista da esquerda é que o equilíbrio do país dá-se com muito mais intervenção estatal, e as ações tomadas pelo governo Lula têm sido nesta direção.  Em particular um gasto muito maior, a despeito do óbvio risco fiscal que isto causa – a velha ideia, já muitas vezes provada errada, que o crescimento do PIB vai criar arrecadação suficiente para equilibrar as contas.  Despesas primeiro, crescimento depois com equilíbrio da equação fiscal.  O orçamento que foi enviado ao Congresso vai nesta linha: são necessários R$ 168 bilhões para que a meta de déficit zero no ano que vem seja cumprida.  E mais recentemente, temos visto o PIB surpreender para cima e a receita não acompanhando.  Provavelmente isto ocorre por conta da incidência desigual da carga tributária nos diversos setores da economia.  Com efeito, a agropecuária e os serviços não financeiros pagam muito menos impostos que a indústria e os serviços financeiros.

A base governista de centro-direita e de direita, assim como a oposição de extrema direita muitas vezes não obstam o crescimento de despesas, pois levam em consideração seu ganho de curto prazo (no caso do orçamento de 2024 claramente temos a motivação adicional das eleições municipais).  Mas dificilmente vão aprovar aumentos de receitas permanentes que financiem esta expansão orçamentária extraordinária de modo permanente.  Assim, medidas como o PL do Carf (após mudanças que atenuaram seus efeitos mais devastadores para os cidadãos), ou como incentivos para taxar mais eficientemente investimentos no exterior ou fundos exclusivos, provavelmente serão aprovadas, embora não na potência que o executivo espera.  Estas medidas têm impacto apenas transitório, em 2024 e 2025.  A questão que se põe é a seguinte: o que acontecerá daí para a frente?  Observe que o arcabouço e as metas de superávit do governo exigem crescimento da arrecadação em termos reais.  Ou seja, não basta que consigam-se os 168 bilhões de reais para o ano que vem, mas também recursos adicionais em 2025.  Ou seja, se boa parte dos 168 bi são transitórios, serão necessárias receitas para compensar a queda eventual destes efeitos “de uma vez por todas” e mais receitas ainda para os anos vindouros.  Como o congresso não compartilha desta ideia de que a economia brasileira tem que ter muito mais gastos do governo e mais receitas em equilíbrio (como mencionei, um mantra da esquerda retrógrada que temos, ainda atrelada à década de 70/80 do século passado), segue-se que as pessoas não acreditam que haverá controle fiscal de médio e longo prazo.  Como consequência, já pode ser visto que as NTN-B’s longas (de 2050), cujas taxas caíram de seu pico por volta de 6,5% ao ano para 5,34%, voltaram a subir novamente para 5,70% após o desastrado e gastador orçamento de 2024 ter sido discutido mais abertamente em agosto e finalmente apresentado em 31/8. 

No combate à inflação de curto prazo isto não deverá representar efeito relevante: provavelmente o Bacen continuará cortando a taxa Selic, e possivelmente até num ritmo acima de 0,5% mais adiante.  No entanto, o equilíbrio da relação dívida-PIB e os juros reais de médio e longo prazo ficarão pressionados.  A meta para a inflação de 3% ao ano provavelmente não será cumprida, e, se o executivo insistir em orçamentos cada vez mais expansionistas (como o arcabouço fiscal faz-nos crer que vá), podemos ter a inflação futura aparecendo de forma muito presente, impedindo os juros pré-fixados de reduzirem-se mais rapidamente.  Em suma, vamos ter uma dicotomia entre ações do executivo e políticas adotadas pelo congresso.  O congresso vai apoiar em sua maioria os aumentos de despesas propostos, porém relutará em conceder elevações de arrecadação em caráter permanente que acomodem este novo equilíbrio mais expansionista.  Já vimos isto em várias ocasiões.  Agora apenas ficou mais claro do que nunca com muita antecedência (ainda na metade do primeiro ano do mandato presidencial), pela ânsia com que o governo lançou suas políticas gastadoras.  Temos que mudar esta toada.  Se não o fizermos, é muito provável que esta história não tenha um final feliz.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/09/2023, terça-feira.

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