Macroeconomia

Terreno fértil para propostas ruins

9 ago 2021

As circunstâncias atuais de fragilidade do governo e motivações eleitorais têm favorecido o surgimento de propostas que agravam a situação fiscal e pioram o ambiente de negócios. Ao contrário do que disse Paulo Guedes alguns meses atrás, o momento é de jogar na defesa. 

Desde o início do governo Bolsonaro, sua capacidade de aprovar reformas tem sido limitada pela falta de coordenação com o Congresso e a ausência de disposição do próprio presidente de implementar uma agenda modernizadora.

Quando o governo consolidou sua aliança com o Centrão a partir da eleição do presidente da Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano, gerou-se a expectativa de que essa agenda pudesse avançar. De fato, alguns projetos importantes foram aprovados, como a autonomia do Banco Central e a modernização do marco regulatório do setor de gás natural.

No entanto, a discussão do orçamento de 2021 e da PEC Emergencial em março deixaram claros os limites colocados por essa coalizão. Além da captura do orçamento por emendas parlamentares de elevado volume e baixa transparência, ocorreram tentativas de contornar as restrições fiscais, como a ideia de excluir o Bolsa Família do teto de gastos.

Em seguida, veio a deliberação sobre a privatização da Eletrobras, que tinha como objetivo capitalizar a empresa e aumentar sua eficiência. No entanto, o projeto que foi aprovado acabou introduzindo distorções à competição no sistema energético, por meio de estímulos à produção de termelétricas localizadas no interior do país e incentivos para a instalação de gasodutos para conectá-las com os mercados consumidores.

Com a queda de Bolsonaro nas pesquisas e a aproximação das eleições, esse quadro tem piorado. Enquanto as propostas de unificação de impostos sobre o consumo não avançaram, o projeto de reforma do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas (PL 2337/2021) enviado recentemente ao Congresso tem inúmeros problemas, que parecem aumentar a cada dia.

Idealmente, esta reforma deveria ter como objetivo corrigir distorções que reduzem o investimento das empresas e tornam o sistema tributário regressivo. Neste sentido, o desenho correto da reforma deveria envolver uma redução do imposto de renda das pessoas jurídicas combinada com a tributação dos dividendos distribuídos para as pessoas físicas, de modo a manter neutra a carga tributária sobre as empresas.

Outro componente importante seria tributar os dividendos de forma progressiva, integrando sua tributação com a declaração de renda da pessoa física e compensando os impostos pagos na empresa. Além disso, ao invés de aumentar a faixa de isenção do IR da pessoa física, deveriam ser criadas alíquotas de tributação mais elevadas para os níveis superiores de renda. Além de conferir maior progressividade ao sistema, a receita propiciada por essas mudanças seria importante para financiar a queda do IR da pessoa jurídica.

Finalmente, todas essas modificações deveriam ser feitas de modo a evitar uma queda da receita. Apesar da melhoria recente das contas públicas, ela está associada à recuperação cíclica da economia e a situação fiscal permanecerá delicada nos próximos anos.

Este desenho é bastante diferente tanto da proposta original do governo como das sucessivas versões do substitutivo que têm sido apresentadas pelo relator. Enquanto a versão inicial mantinha neutra ou elevava a carga tributária, dependendo das estimativas, o relator aumentou a redução do IRPJ de 5% para 12,5%, gerando uma previsão de queda da arrecadação de cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Em relação à tributação dos dividendos, um problema do substitutivo é fazer a tributação de forma exclusiva na fonte e não de acordo com a tabela do IR de pessoa física, o que é regressivo sob o ponto de vista distributivo. A forma pela qual o governo procurou conferir progressividade ao sistema, por meio da isenção dos acionistas de empresas do Simples até o limite de R$ 20.000 por mês, privilegia profissionais liberais de alta renda e estimula a pejotização. Na última versão do substitutivo, o relator agravou essa distorção, ao estender essa faixa de isenção para as empresas do lucro presumido.

Esta semana a discussão de propostas ruins atingiu outro patamar com a PEC que parcela de forma compulsória o pagamento dos precatórios do governo federal e cria um fundo para fazer o pagamento fora do teto de gastos. O fundo, por sua vez, seria constituído por receitas de privatização, venda de imóveis e dividendos de empresas estatais. Também tem sido aventada a possibilidade de utilizar recursos do fundo para elevar o valor do benefício do Bolsa Família ou do novo programa social a ser criado.

Além de representar um calote e consequentemente aumentar a insegurança jurídica, esta proposta fragiliza a sustentabilidade fiscal, ao excluir as despesas do teto de gastos. Também não faz sentido utilizar recursos de privatizações e venda de ativos para financiar despesas correntes.

Alguns meses atrás o ministro Paulo Guedes disse que, com a proximidade das eleições, agora seria o momento de jogar no ataque. Nas circunstâncias atuais de fragilidade do governo e pressões políticas favorecendo o populismo com motivações eleitorais, o momento na verdade é de jogar na defesa.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 06/08/2021.

 

Comentários

Marcos Venícius...
fernando.dantas

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.