Macroeconomia

A tragédia do populismo

21 fev 2022

Desde meados do ano passado o governo federal e o Congresso se renderam de vez ao populismo. Neste início de ano, o populismo tem se manifestado em várias proposições legislativas que têm como objetivo reduzir ou controlar de forma artificial o preço dos combustíveis. 

Depois de várias idas e vindas, desde meados do ano passado o governo federal e o Congresso se renderam de vez ao populismo. Ao longo deste processo o teto de gastos foi desmoralizado, perdendo seu papel de única âncora fiscal remanescente. A segurança jurídica também foi comprometida com o calote da PEC dos Precatórios. Tudo isso para financiar emendas parlamentares, o fundo eleitoral e um novo programa social caro e pouco eficaz.

Neste início de ano, o populismo tem se manifestado em várias proposições legislativas que têm como objetivo reduzir ou controlar de forma artificial o preço dos combustíveis.

Duas PECs, uma na Câmara e outra no Senado, tendo sido esta última merecidamente apelidada de “PEC Kamikaze”, envolvem uma perda de receitas que pode ultrapassar R$ 100 bilhões. Não deveria haver dúvida de que um custo fiscal desta magnitude é inviável no contexto atual e em qualquer horizonte próximo.

Apesar da queda de 8,3 pontos percentuais (p.p.) da relação dívida-PIB em 2021, este resultado decorreu em grande medida de fatores transitórios, especialmente a grande elevação do deflator implícito do PIB. Segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI) divulgadas esta semana, a relação dívida/PIB deverá crescer 4,5 p.p. em 2022 e continuar aumentando até 2024, quando alcançaria 87,4%.

Mais dois projetos encontram-se em tramitação no Senado. O PLP 11/2020, já aprovado na Câmara, altera a metodologia de cobrança do ICMS sobre combustíveis. A principal mudança consiste em alterar a forma de cobrança do ICMS sobre combustíveis de um percentual sobre o preço final (ad valorem) para uma alíquota fixa por litro (ad rem). O objetivo neste caso não é necessariamente reduzir o preço dos combustíveis, mas sua volatilidade.

No entanto, o relator no Senado apresentou esta semana um parecer que faz várias modificações no projeto original. Em particular, amplia o programa Vale-Gás aprovado ano passado, elevando para 11 milhões o número de famílias atendidas, o que representa um gasto adicional de R$ 1,9 bilhão.

Já o PL 1472/2021 altera a política de preços de combustíveis. O substitutivo aprovado no final do ano passado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado apresenta três componentes. O primeiro estabelece uma nova política de preços para os derivados do petróleo, determinando que os preços internos tenham como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação. O segundo é a criação de um fundo de estabilização para amortecer a volatilidade temporária dos preços desses derivados. Finalmente, são apresentadas as fontes de recursos para subsidiar os preços de combustíveis em momentos de elevação, das quais uma das principais seria a tributação das exportações de petróleo bruto, com alíquotas crescentes em função do preço do petróleo no mercado internacional.

Não cabe aqui uma análise detalhada deste projeto, mas cada um dos seus componentes é problemático. Em particular, a tributação das exportações de petróleo desestimula potenciais investidores a aportarem recursos no setor e traz insegurança jurídica ao reduzir a rentabilidade de investimentos já realizados. O PL também distorce os preços domésticos dos combustíveis, na medida em que reduz sua correlação com os preços internacionais. Além disso, a tentativa de conter o aumento dos preços dos combustíveis por meio de um fundo de estabilização envolveria recursos elevados e seria ineficaz diante da magnitude das flutuações do preço internacional e da taxa de câmbio.

Como discuti na última coluna, as recorrentes políticas populistas em nossa história deixaram um legado de destruição econômica, com duas décadas perdidas nos últimos 40 anos. Essas crises, por sua vez, tiveram graves consequências sociais, como a hiperinflação dos anos 1980 e primeira metade da década de 1990 e, mais recentemente, a recessão devastadora de 2014-2016, que se refletiu em aumento da pobreza, da desigualdade e da informalidade.

Como argumentou Roberto Castello Branco em artigo sobre a tragédia de Petrópolis publicado no Valor Econômico, a pobreza e a falta de oportunidades que resultaram do populismo econômico da última década levaram as pessoas a morar em áreas mais baratas, porém de alto risco. O quadro foi agravado pelo populismo das autoridades locais, que fecharam os olhos para esta situação e descumpriram as promessas de construção de casas em locais mais seguros.

O populismo é trágico.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 18/02/2022.

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