Um balanço da evolução da produtividade durante a pandemia
A evolução da produtividade durante a pandemia refletiu o profundo impacto no mercado de trabalho e na composição setorial da economia. Em 2022 a produtividade do Brasil retornou à trajetória de queda do período pré-pandemia.
Desde 2020 tenho discutido neste espaço a evolução da produtividade ao longo da pandemia. Com base em diversos estudos e indicadores divulgados ao longo deste período, já é possível fazer um balanço do comportamento da produtividade durante a crise sanitária.
Começando pelos países desenvolvidos, um artigo recente de pesquisadores da OCDE (“Aggregate Labour Productivity Growth During the Pandemic: The Role of Industry Reallocations”) analisa os indicadores da edição de 2023 do OECD Compendium of Productivity Indicators. Embora as informações disponíveis se estendam somente até 2021, os dados permitem uma análise detalhada da evolução da produtividade em diversos setores e dos efeitos das mudanças na estrutura setorial do emprego sobre a produtividade.
Os autores mostram que a forte queda das horas trabalhadas nos setores de transporte, hospedagem e serviços prestados às famílias foi um dos principais determinantes da elevação da produtividade média em 2020, já que essas atividades se incluem entre as de menor produtividade da economia. No entanto, este efeito revelou-se temporário, já que com a retomada dos serviços presenciais em 2021 grande parte dos ganhos de produtividade foi revertida.
Nos Estados Unidos, dados do Bureau of Labor Statistics (BLS) mostram que, após elevações de 4,5% em 2020 e 2,2% em 2021, a produtividade por hora trabalhada teve queda de 1,7% em 2022. Em consequência, a produtividade do trabalho americana retornou, ao final de 2022, à trajetória observada entre 2017 e 2019.
Os dados divulgados pelo FED de São Francisco mostram que também houve queda da produtividade total dos fatores (PTF) nos Estados Unidos em 2022, tanto na medida que incorpora um ajuste pelo grau de utilização dos fatores de produção (-0,1%) como na métrica que não faz esse ajuste (-0,7%). Com isso, as duas medidas encontravam-se no final do ano passado abaixo da trajetória observada entre 2017 e 2019.
Um padrão semelhante pode ser observado com base nos dados do Office for National Statistics (ONS) para o Reino Unido. Após fortes variações em 2020 e 2021, no final de 2022 os dois indicadores de produtividade do trabalho divulgados pelo ONS (produtividade por hora trabalhada e produtividade por pessoal ocupado) tinham voltado para a tendência pré-pandemia.
Esses dados são de certa forma surpreendentes, já que havia a expectativa de que a adoção mais intensiva de tecnologias para superar os desafios impostos pela pandemia poderia ter um efeito positivo na produtividade agregada. No entanto, as evidências para os países desenvolvidos indicam que até o momento isso não aconteceu. Embora alguns setores, como tecnologia da informação, tenham experimentado ganhos de produtividade, as atividades de serviços presenciais em geral tiveram perdas de eficiência, resultando em impacto modesto na produtividade agregada.
Para o Brasil, os dados divulgados esta semana pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE também mostram que o efeito da pandemia sobre a produtividade foi temporário. Enquanto em 2020 a produtividade por hora efetivamente trabalhada deu um salto de 12,7%, em 2021 houve queda de 7,9%, seguida de nova redução de 4,5% em 2022.
No quarto trimestre de 2022 a produtividade por hora efetiva encontrava-se 0,9% abaixo do nível pré-pandemia. Assim como nos Estados Unidos, no final do ano passado a produtividade por hora trabalhada no Brasil retornou à trajetória observada entre 2017 e 2019. A diferença é que, enquanto a tendência americana antes da pandemia era de crescimento, a brasileira era de queda da produtividade.
O mesmo padrão pode ser observado quando analisamos o indicador de PTF. Após um salto de 6,7% em 2020 na medida que considera as horas efetivas, houve queda de 6,7% em 2021, seguida de redução de 2,9% em 2022. No quarto trimestre de 2022 o indicador de PTF que usa as horas efetivas estava 3,2% abaixo do nível pré-pandemia e também abaixo da trajetória de crescimento negativo observada entre 2017 e 2019.
Em resumo, o comportamento da produtividade durante a pandemia refletiu o profundo impacto no mercado de trabalho durante o período. Em particular, os mais afetados em 2020 foram os trabalhadores de baixa produtividade, especialmente os informais e os de baixa escolaridade, ao passo que em 2021 e 2022 esses impactos foram sendo revertidos.
Além disso, a pandemia afetou fortemente a composição setorial da economia. Em 2020, os setores menos produtivos da economia, como transporte e serviços prestados às famílias, tiveram maior queda de valor adicionado e emprego em comparação com setores de maior produtividade, como intermediação financeira e serviços de informação. No entanto, em 2021 e 2022 houve crescimento expressivo do valor adicionado e emprego nos setores menos produtivos, revertendo os ganhos de produtividade de 2020.
Embora esse padrão tenha ocorrido em muitos países, a magnitude do impacto foi maior em economias emergentes como o Brasil, que se caracterizam por maior heterogeneidade de produtividade entre trabalhadores e setores econômicos. Após a disrupção provocada pela pandemia, a produtividade brasileira retornou à sua trajetória de queda.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 17/03/2023.
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