Macroeconomia

Um cardápio de medidas de ajuste fiscal

28 ago 2018

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 24/8/18.

O próximo presidente terá de enfrentar um quadro fiscal muito grave, cuja resolução envolverá um ajuste da ordem de pelo menos 5 pontos percentuais (p.p.) do PIB. Ainda não está claro como os candidatos pretendem enfrentar esse problema.

O teto de gastos foi uma tentativa de fazer o ajuste de forma gradual, com redução esperada da despesa primária de 5 p.p. do PIB em 10 anos. Mesmo assim, corre sério risco de não ser cumprido ou de ser modificado, a julgar pelas promessas de alguns candidatos de mudar a emenda constitucional.

Outros candidatos têm prometido zerar o déficit primário em um ou dois anos, mas não detalharam suficientemente suas propostas de modo a tornar crível esta promessa. Em particular, o debate não tem ido muito além do reconhecimento da necessidade de uma reforma da previdência. Pouco tem sido explicitado sobre seu formato e quais mudanças seriam feitas nas demais despesas obrigatórias.

Em 2015, o então Ministro da Fazenda Joaquim Levy solicitou ao Banco Mundial um estudo sobre as despesas governamentais, com o objetivo de avaliar sua efetividade e orientar um redesenho dos programas ineficientes. Os resultados foram divulgados ano passado no relatório “Um Ajuste Justo: Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil”.

Este é um bom momento para revisitar as recomendações do Banco Mundial. Em conjunto, elas envolvem uma combinação de redução de gastos e aumento de receitas que representariam uma economia potencial de pouco mais de 7% do PIB até 2026 no nível federal. Incluindo os estados e municípios, a economia seria da ordem de 8,4% do PIB.

A medida mais importante seria a aprovação de uma reforma da previdência. As projeções do Banco Mundial indicam que a reforma negociada no Congresso em maio de 2017 reduziria a despesa em 1,8% do PIB em 2026.

Mesmo com a reforma, estima-se que grandes déficits previdenciários continuarão a existir. Sua eliminação exigiria medidas adicionais, como a desvinculação do valor mínimo de aposentadoria do salário mínimo e um aumento da contribuição dos servidores que ingressaram no setor público antes de 2003, quando vigoravam regras mais generosas de aposentadoria.

Embora o funcionalismo público brasileiro não seja grande para padrões internacionais, o nível dos salários dos servidores públicos federais é, em média, 67% superior aos do setor privado, mesmo após levar em consideração o nível de educação e outras características dos trabalhadores, como idade e experiência. Esse prêmio salarial do setor público é atípico em relação ao padrão observado em outros países.

As estimativas sugerem que a redução pela metade do prêmio salarial em relação ao setor privado geraria uma economia equivalente a 0,9% do PIB. No curto prazo, isso poderia ser feito por meio da suspensão dos reajustes salariais dos servidores. A médio prazo, a carreira do funcionalismo deveria ser reestruturada, com salário inicial mais baixo e promoções condicionadas a avaliações por mérito.

Outra recomendação é promover a fusão dos diversos programas de assistência social (Benefício de Prestação Continuada, aposentadoria rural, salário-família e Bolsa Família), com economia estimada de 0,7% do PIB. Segundo o Banco Mundial, 70% dos beneficiários do BPC e 76% dos beneficiários das aposentadorias rurais não pertencem ao grupo dos 40% mais pobres da população. Uma melhor focalização desses programas permitiria eliminar situações em que alguns indivíduos recebem vários benefícios, em detrimento de grupos mais vulneráveis.

As despesas com políticas de apoio às empresas cresceram de 3,0% do PIB em 2006 para 4,5% do PIB em 2015. Cerca de 60% desse total corresponde a renúncias tributárias (gastos tributários), como Simples e Zona Franca de Manaus. Porém, não há evidências de que os programas existentes tenham sido eficazes em seu objetivo de aumentar a produtividade e a geração de empregos. A reformulação desses programas poderia gerar uma economia de até 2% do PIB.

Segundo o Banco Mundial, esse ajuste fiscal poderia ser realizado de forma a proteger os mais pobres e minimizar os impactos negativos sobre os empregos e a prestação de serviços públicos.

No entanto, não é difícil perceber que essas recomendações afetam vários grupos de interesse, desde servidores com altos salários e aposentadorias generosas a empresários que se beneficiam de desonerações tributárias.

A tentativa recente de adiar o aumento do funcionalismo foi inviabilizada pelo Supremo, que acaba de propor um aumento dos próprios vencimentos em mais de 16%. De outro lado, o governo ainda não conseguiu extinguir integralmente a renúncia referente à desoneração da folha, e já surgem questionamentos jurídicos que podem adiar o início da reoneração parcial para janeiro de 2019.

Em resumo, existe um amplo cardápio de medidas de ajuste fiscal. Difícil será negociá-las com o Congresso e a sociedade. Isso dá uma dimensão do enorme desafio que o próximo presidente encontrará para equilibrar as contas públicas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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