Macroeconomia

Um novo arcabouço fiscal para o Brasil

12 ago 2019

Com a aprovação da reforma da previdência na Câmara, e a perspectiva de uma tramitação rápida no Senado, um passo muito importante será dado para a superação da crise fiscal que levou o país a uma recessão profunda, seguida de uma retomada extremamente lenta da atividade econômica.

No entanto, ainda resta muito a fazer para assegurar a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. Em particular, uma questão que merece um debate aprofundado é o fato de que, a despeito de múltiplas regras fiscais, os resultados nos últimos anos foram desastrosos. Desde 2014 são registrados déficits primários, com previsão de déficits sucessivos pelo menos até 2022, e a dívida pública elevou-se em mais de 25 pontos percentuais (p.p.) do PIB nos últimos cinco anos.

Um texto para discussão de autoria de técnicos do Tesouro Nacional (“Regras Fiscais: uma proposta de arcabouço sistêmico para o caso brasileiro”), divulgado esta semana, oferece importante contribuição para este debate.

Atualmente, estão vigentes no Brasil regras de resultado primário, de teto de gastos e a regra de ouro. Existe ainda uma previsão legal para implementação de uma regra de endividamento do setor público, mas que não foi regulamentada.

Segundo os autores, essas regras foram estabelecidas em momentos distintos, de modo a atingir objetivos específicos. Em razão disso, o arcabouço fiscal brasileiro é composto por regras que não estão coordenadas, e que podem ser conflitantes em determinadas circunstâncias.

Outro problema é que essas regras não foram desenhadas de modo a cumprir um determinado objetivo de equilíbrio fiscal de longo prazo, sendo restritas ao curto e médio prazo.

Por exemplo, as metas de resultado primário são estabelecidas por um período de apenas três anos, sendo que somente o primeiro ano tem cumprimento mandatório. Embora o teto de gastos tenha sido criado para um período de vinte anos, ele pode ser revisado depois de dez anos, e frequentemente surgem propostas para modificá-lo antes desse prazo.

Outras dificuldades do arcabouço atual apontadas pelos autores são a pouca flexibilidade, o alto grau de discricionariedade, e a responsabilização focada no gestor e não na correção dos desequilíbrios fiscais.

Diante disso, avaliam que as regras atuais são pouco eficazes no sentido de promover a sustentabilidade fiscal. Para resolver essas deficiências, propõem um novo arcabouço, de modo a estabelecer uma relação consistente entre as regras atuais. Ou seja, ao invés de proporem uma nova regra, a ideia é combinar as já existentes de forma mais eficiente, de maneira a assegurar que atuem de forma coordenada para atingir o equilíbrio fiscal de longo prazo.

A âncora fiscal da proposta é o estabelecimento de um limite para a razão dívida/PIB. As metas de resultado primário e teto de gastos, por sua vez, devem ser compatíveis com o objetivo de levar a dívida pública ao patamar desejado.

De acordo com a proposta, essa sistemática deve ser adaptada para duas circunstâncias da situação fiscal do país. A primeira é que a dívida pública continuará a crescer nos próximos anos, mesmo com a adoção de medidas de ajuste, como a reforma da previdência. A segunda é que a razão dívida/PIB do Brasil é muito superior ao grau de endividamento que seria adequado para uma economia emergente.

Nesse sentido, os autores propõem que a implementação do novo arcabouço fiscal ocorra em três fases. A primeira seria um período de carência, com vigência até 2026, correspondendo ao primeiro decênio do atual teto de gastos. Nessa fase não seria estipulada uma meta explícita de dívida, mas haveria uma meta de melhoria anual do resultado primário em 0,5 p.p. do PIB.

O segundo período seria de transição a partir de 2026, durante o qual seria estipulada uma meta de redução anual da dívida de 1,5 p.p. do PIB, até que fosse atingido o limite de 60% do PIB. As metas de resultado primário e teto de gastos seriam ajustadas de forma a gerar a redução almejada da dívida.

Quando a dívida tiver convergido para baixo do limite de 60% do PIB, teria início o período permanente, com metas de resultado primário e teto de despesas compatíveis com a manutenção desse nível de endividamento.

Em todos esses períodos, eventuais descumprimentos de metas acionariam mecanismos de correção do desequilíbrio fiscal, como suspensão de reajustes salariais do funcionalismo e cancelamento de concursos públicos, dentre outros.

Também são previstas algumas cláusulas de escape, em caso de descumprimento da meta em função de circunstâncias fora do controle dos gestores, como calamidades naturais.

Diversos pontos da proposta devem ser discutidos em mais detalhe. Por exemplo, embora os próprios autores reconheçam que a criação de um limite para a dívida possa criar dificuldades para sua gestão por parte do Tesouro, e para a execução da política monetária, não está claro de que forma isso seria feito.

Também cabe uma discussão técnica sobre as metas estabelecidas, suas cláusulas de escape e mecanismos de correção. Outro ponto relevante é avaliar se a regra de ouro poderia ser revogada caso este arcabouço fosse implantado, como argumentam os autores.

A despeito desses e outros questionamentos que possam surgir, a proposta dos técnicos do Tesouro representa uma contribuição importante para o debate sobre a sustentabilidade fiscal da economia brasileira.

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/07/2019

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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