Uma nova rodada de incerteza – Boletim Macro Ibre-Fevereiro 2020
Após um início de ano um pouco mais promissor, novos desafios para a economia mundial emergiram. Depois de meses de desaceleração na atividade global, em especial na indústria de transformação, surgiram sinais mais nítidos de estabilização da atividade econômica mundial, reduzindo-se o risco de uma recessão global em 2020. Adicionalmente, a assinatura da Fase 1 do Acordo entre EUA e China foi um passo importante para reduzir o risco global.
Porém, quando as coisas prometiam melhorar, a epidemia do coronavírus em Hubei, na China, adicionou uma nova fonte de incerteza para a atividade econômica global. O número de casos tem aumentado significativamente desde o início da epidemia e ainda não está claro até quando ela perdurará. Já há registros desse vírus em pelo menos 25 outros países, em todas as regiões do mundo, com exceção da América Latina, segundo Organização Mundial de Saúde (OMS).
Para conter a epidemia, a China adotou medidas drásticas, o que deve reduzir bastante a atividade econômica neste primeiro trimestre. Na província de Hubei muitas cidades estão em quarentena. Segundo as autoridades, as restrições só serão flexibilizadas se a epidemia diminuir. Caso a epidemia persista, a economia será muito mais prejudicada e dificilmente as perdas serão recuperadas. Nesse contexto, as projeções de crescimento da China têm sido reduzidas por todas as instituições; estamos projetando uma alta de, no máximo, 5,5% no PIB para 2020. A desaceleração na China impactou os preços das principais commodities, como petróleo e cobre, o que deve reduzir o crescimento dos países exportadores destes bens, entre eles os da América Latina.
O choque do coronavírus ocorreu em um contexto de frustação com o desempenho da atividade econômica nessa região. Os últimos dados já mostraram uma desaceleração do PIB latino-americano, em parte por conta das manifestações populares ocorridas em diversos países. Além disso, os impactos do surto de coronavirus sobre os preços e a demanda por commodities apontam um cenário ainda mais desafiador para a região neste início de ano. Os ciclos de corte de juros parecem estar próximo do fim na grande maioria dos países, o que limita uma recuperação mais rápida.
Porém, para o Brasil, as dificuldades podem ser um pouco mais severas, pois a Argentina deve continuar em recessão em 2020. Sem dúvida, as perspectivas para o país vizinho são bem nebulosas, e as primeiras medidas tomadas pelo novo governo têm priorizado uma retomada cíclica da atividade, em detrimento da realização de ajustes estruturais mais profundos. Estimamos que a fraqueza da economia argentina deve continuar afetando o desempenho da indústria no Brasil este ano, potencialmente subtraindo 0.36 p.p. ou mais do PIB brasileiro em 2020.[1]
No Brasil, também se observa uma frustação do mercado financeiro com o desempenho recente da economia, o que tem trazido para baixo as previsões de crescimento das instituições mais otimistas com nosso crescimento em 2020.
De fato, na edição de janeiro do Boletim Macro, o IBRE já reduzira sua estimativa de crescimento para o último trimestre de 2019, assim como sinalizara um início de ano em ritmo lento. O principal destaque negativo é o investimento, que deve mostrar forte recuo na margem no quarto trimestre, com perspectivas ainda nebulosas para este ano, a despeito da recuperação consistente da construção civil.
A absorção de máquinas e equipamentos é o componente mais volátil do investimento e depende de previsibilidade no horizonte. Neste quesito, não começamos muito bem o ano de 2020, pois o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) do FGV IBRE voltou a subir, tanto no indicador relacionado à política fiscal como no item relacionado à incerteza política. E os estudos mostram que, em contexto de elevada incerteza, os agentes econômicos se tornam menos sensíveis a estímulos externos, como mudanças na taxa de juros, sendo o investimento o componente mais prejudicado.[2] Além disso, a desvalorização cambial onera as importações de máquinas e equipamentos, também desta forma desestimulando os investimentos nesses itens.
Infelizmente, não há soluções rápidas e simples para acelerar o crescimento econômico, sem gerar efeitos deletérios sobre a economia. De fato, a prioridade agora é assegurar o controle dos gastos obrigatórios. A manutenção de taxas de juros estruturalmente baixas não depende apenas do Banco Central, mas também do controle dos gastos públicos. A expectativa é de que o teto de gastos será cumprido. Sabemos que isso só será possível com a aprovação de medidas que reduzam de forma permanente os gastos obrigatórios. Ao mesmo tempo, temos de avançar na agenda de reformas microeconômicas, que vão tornar o ambiente de negócios mais favorável ao investimento, reduzindo o risco regulatório e aumentando a eficiência econômica. Ainda há muito a ser feito.
Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de fevereiro de 2020. Para ler o boletim inteiro clique aqui.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver texto do Blog do IBRE “Análise do impacto da recessão argentina sobre o crescimento brasileiro”, de Luana Miranda, publicado no dia 14 de fevereiro de 2020.
[2] Ver Barboza, Ricardo (2017). “Os Efeitos da Incerteza sobre Atividade e Política Monetária no Brasil” . Dissertação de Mestrado PUC-Rio
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