Comparações internacionais: queda da incerteza vinha relativamente bem no Brasil, mas cenário ainda requer cautela
Em abril de 2020, o Indicador de Incerteza do Brasil (IIE-Br) da FGV IBRE chegou a níveis estratosféricos, ao superar os 200 pontos. Naquele momento, o nível de incerteza brasileiro foi considerado como o maior do mundo numa comparação com 21 países da base do Economic Policy Uncertainty Project[1], apresentada neste artigo.[2]
Daquele ponto em diante, a incerteza brasileira veio recuando relativamente bem em comparação a outros países do mundo, mas o país ainda estava em terceiro lugar no ranking mundial até agosto. A aceleração da queda no bimestre setembro-outubro levou o indicador brasileiro à décima posição do ranking mundial: um bom resultado, apesar dos níveis de incerteza ainda se encontrarem em patamares elevados na maioria dos países.
Gráfico 1
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora
O artigo procurará mostrar como evoluiu a incerteza no Brasil e no mundo ao longo de 2020 e mostrar que o resultado de outubro deve ser analisado com cautela, devido principalmente a três motivos: o primeiro é que, apesar dos recuos, o nível médio de incerteza da economia medido pelo componente de Mídia no período da pandemia é de 148,5 pontos, o quarto maior entre os países, atrás apenas de China, Cingapura e Rússia.
Gráfico 2
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora
O segundo motivo tem relação com o repique de incerteza do indicador de Incerteza na Mídia da FGV em novembro, quando passou de 126,0 para 129,6 pontos. Ao que parece, o Brasil estaria captando com alguma defasagem os efeitos da percepção de riscos com uma segunda onda da pandemia na Europa e nos Estados Unidos, além dos desdobramentos que isso teria nas contas públicas nacionais caso a pandemia recrudescesse por aqui. Tal aumento da incerteza em novembro, faria o Brasil saltar do décimo para o sétimo lugar no ranking das maiores incertezas do mundo. O terceiro motivo tem relação com nível do outro componente do IIE-Br, aquele que mede a dispersão das previsões de especialistas para variáveis macroeconômicas. O Indicador de Incerteza nas Expectativas permanece acima de 190 pontos, reafirmando o elevado grau de incerteza ainda existente em relação aos rumos da economia brasileira. Mais à frente, comparo este resultado a de um indicador similar produzido pelo Economic Policy Uncertainty Project para os Estados Unidos.
Evolução da incerteza no Mundo desde o pico de abril
Após passarmos pelos piores momentos da primeira onda da pandemia de covid-19, que para a maioria dos países ocorreu entre março ou abril, a incerteza no mundo cedeu. O Brasil, que estava no topo do ranking em abril, foi o país em que a incerteza mais recuou desde então. Junto ao Japão, o país foi o único a registrar queda contínua de incerteza de maio a outubro. A incerteza na Bélgica, outro país fortemente afetado pela covid-19, também vinha recuando consecutivamente desde maio, mas lá houve alta da incerteza em outubro. Os demais países têm vivenciado flutuações no nível de incerteza ao longo dos meses.
Gráfico 3
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora
Rússia e Estados Unidos aparecem em segundo e terceiro lugar, respectivamente, no ranking de magnitude da queda de incerteza desde abril. Ambos apresentam grande volatilidade ao longo de 2020, em linha com a evolução da pandemia e com as eleições presidenciais para o país norte-americano. Por isso, ambos vêm variando de posição ao longo dos meses.
Na tentativa de se realizar uma análise mais justa entre os países, é preciso verificar o quanto já foi devolvido das altas da incerteza no pior momento. Devido aos diferentes ciclos da pandemia nos países, o gráfico abaixo foi construído considerando os diferentes períodos em que a incerteza acumulou altas e posteriormente começou a ceder em cada país.
Na Coréia do Sul e na Grécia, a incerteza atingiu, nos últimos meses, os maiores níveis desde o início da pandemia. Por isso, não têm informação suficiente para esta análise e não estão contidos no gráfico abaixo. Na França, o indicador havia piorado em setembro, com a perspectiva de uma segunda onda da pandemia, mas recuou em outubro, recuperando modestos 7,0% entre abril e outubro, da alta da incerteza ocorrida em março. Devido à deterioração da crise sanitária e às novas medidas de restrição, a Alemanha, acumulou alta de 37,0 pontos em setembro e outubro, devolvendo menos de 20% das altas da incerteza ocorridas em fevereiro e março.
Gráfico 4
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora
A China é o único país que devolveu as altas do pior momento da pandemia. Devido à excelente abordagem para conter o espalhamento do vírus, a incerteza não chegou ao seu maior nível no início de 2020. Foi entre março e maio, que o EPU Index do gigante asiático cresceu quase 40 pontos em três meses e ultrapassou os 200 pontos. Nesse período, o país dimensionou o tombo da atividade econômica, uma contração trimestral de 6,8%, a maior desde 1992. O período de devolução dessa incerteza segue posterior a maio, indo até outubro, com algumas oscilações no meio do caminho. Os rígidos protocolos de retomada seguraram uma segunda onda catastrófica e, os diversos estímulos fiscais injetados na economia chinesa vêm ajudando a economia a apresentar notável recuperação. Ainda assim, o país tem a maior incerteza entre os 21 países em outubro, o que possivelmente reflete as dúvidas quanto ao possível retorno do país, após crise, às taxas de crescimento observadas nas últimas décadas.
O Brasil se encontra em quinto lugar neste ranking, devolvendo, em outubro, 83% das altas de abril e maio. Isso mostra que, mesmo se mantendo em nível elevadíssimo, a incerteza brasileira, registrou o maior recuo desde seu máximo e devolveu as altas relativamente bem se comparado aos demais 21 países. A curva de infectados e de óbitos no Brasil vinha recuando de forma lenta e a possibilidade de novas ondas também têm participação importante para manter o nível de incerteza elevado. Por outro lado, a reabertura das atividades, mesmo seguindo diversos protocolos e com diversas limitações, têm contribuído para a tentativa de uma volta à normalidade. Os estímulos fiscais, como o Auxílio Emergencial, ajudaram a aquecer o consumo, diminuindo o tamanho do tombo e impulsionando a recuperação da economia. Um ponto em que gostaria de destacar aqui, é o fato que de a incerteza no Brasil pré-pandemia já estava em nível considerado alto. Então, mesmo que o Brasil recuperasse 100% das perdas o indicador ainda estaria na média tão conhecida de 115 pontos.
Dessa forma, até aqui os resultados mostram que, em comparação a 21 países o Brasil, apesar de manter nível elevado de incerteza, tem se recuperado relativamente bem até outubro, após chegar aos piores resultados em abril: cedeu do primeiro lugar ao décimo, foi o país que mais recuou após chegar ao nível máximo, um dos únicos que recuou consecutivamente desde então e, recuperou 83% das perdas, conquistando o quinto lugar neste ranking.
A enorme dispersão das expectativas: difícil de se prever o futuro
Tal melhora, como mencionada, vem sendo medida pelo componente de mídia que reflete a incidência de termos de incerteza nos principais veículos de notícias. No entanto, um outro componente do IIE-Br, mesmo tendo um peso menor no cálculo final do indicador, tem chamado atenção: o componente de Expectativas, construído a partir dos coeficientes de variação do IPCA, Selic e taxa de Câmbio.
O único país em que é produzido pelo Economic Policy Uncertainty Project um indicador similar ao nosso componente de Expectativa é os Estados Unidos. Ele é construído a partir das dispersões de projeções de três variáveis quatro trimestres à frente: Índice de Preços do Consumidor, compras de bens e serviços pelos governos estaduais e municipais e compras de bens e serviços pelo governo federal.
Gráfico 5
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora
Dessa forma, como fonte alternativa às menções de notícias de incerteza na mídia, ambos os componentes visam mensurar a incerteza na atividade econômica um ano à frente, por variáveis diretamente influenciadas pelas ações de política monetária e fiscal. Como podemos notar no gráfico, o componente de Expectativa do Brasil cresceu 113 pontos a partir de março, chegou a 230 pontos em abril, e está acima dos 190 pontos em outubro, devolvendo apenas 32% das altas. O componente de Expectativa dos Estados Unidos cresceu 47 pontos, chegou a 156 pontos em abril e está próximo dos 130 pontos em outubro, recuperando 53% das altas. Ou seja, em outubro o componente de Expectativa do Brasil, que mede a dificuldade em se fazer cenários para os próximos 12 meses tem um desvio em relação ao nível neutro (100 pontos) 3 vezes superior ao dos Estados Unidos. Em novembro o componente de expectativa do Brasil recuou 2,0 pontos, mas permanece acima dos 190 pontos.
Ambos os países negligenciaram a pandemia num primeiro momento e tiveram um tratamento qualitativamente inferior a outros países em questão de protocolos de abertura. No Brasil, o espaço fiscal é pior do que no vizinho norte-americano, porém para este último a recuperação da pandemia vem sendo uma limitação para o retorno mais sustentável da normalidade.
Dessa forma, concluindo a análise, podemos constatar que o Brasil vem apresentando uma recuperação relativamente boa este ano, se comparado aos demais países, quando se mede o nível de incerteza por meio da incidência de termos associados à incerteza nas notícias dos principais veículos de informação e considerando que o nível de incerteza brasileira já partiu de um ponto relativamente elevado antes mesmo da crise sanitária. No entanto, a média da incerteza desse período pandêmico no Brasil ainda é extremamente elevado, a quarta maior no mundo. Além disso, em novembro, o cenário se reverteu e se tornou ainda mais incerto. O sinal amarelo está aceso, principalmente devido a possibilidade do recrudescimento da pandemia no Brasil e das consequências que isso terá na economia e nas contas públicas. Finalmente, o componente de expectativa, nos mostra que a capacidade de se prever cenários para o futuro da economia brasileira tem sido um desafio enorme e, se comparado aos Estados Unidos esse desafio é maior ainda.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Projeto criado pelos professores Nicholas Bloom (Stanford), Scott Baker (Northwestern) e Steven Davis (Chicago), respectivamente, para estudar a incerteza econômica.
[2] Para tornar possível a comparação, todos os EPUI foram padronizados para refletirem média 100 e desvio padrão 10 entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015, assim como ocorre no cálculo do IIE-Br. Ressalvo que existem diferentes metodologias para a construção dos indicadores de incerteza entre os países e diferenças também em termos de qualidade do dado. Apesar disso, no agregado é possível ter uma ideia razoável da evolução da incerteza no mundo.
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