Macroeconomia

Surpresas no início do ano

3 mar 2022

Valorização de ativos brasileiros no início do ano surpreende, ante fundamentos econômicos e políticos. Algumas possíveis causas podem ser o nível barato dos ativos, uma percepção menos negativa de investidores estrangeiros e a redução do espaço de alta da bolsa americana.

O ano começou com notável valorização dos ativos brasileiros. O real, por exemplo, subiu 8,7% ante o dólar até 18/2. Frente a uma cesta de moedas de parceiros comerciais, a alta foi de 8,4%, indicando que não foi o dólar que caiu, mas o real que subiu. Da mesma forma, o Ibovespa subiu 7,7% nesse período. Em dólar, portanto, um ganho de 17,1%.

Os fundamentos econômicos e políticos apontavam, porém, na direção contrária, para a desvalorização desses ativos, por diferentes fatores. Um, a alta nos juros. A inflação tem surpreendido para cima e há a expectativa de mais aumentos dos combustíveis, com a subida do preço do petróleo em dólar, e dos preços de alimentos, devido a condições climáticas adversas. O único alívio parece vir de um volume acima do esperado de chuvas, facilitando a retirada da bandeira vermelha nas tarifas de eletricidade. Hoje, espera-se que o BC eleve a taxa Selic mais do que se previa na virada do ano e que a mantenha alta por mais tempo. O mercado precifica uma Selic média de 12,5% nos próximos 12 meses e 11,3% nos 12 meses seguintes. Essas taxas deveriam ter penalizado a Bolsa, como ocorreu em 2021.

Outro fator é a proximidade das eleições e a percepção de que, com reais chances de não ser reeleito, o presidente Jair Bolsonaro adote novas iniciativas de relaxamento fiscal, na linha do enfraquecimento do Teto de Gastos e da PEC dos Precatórios. Não há também visibilidade sobre que política econômica será adotada a partir de 2023. Tudo isso eleva o risco e pressiona os juros longos.

É fato que juros mais altos, em geral, atraem investidores externos para a renda fixa. Mas isso não ocorreu no ano passado e, com os BCs dos países ricos sinalizando apertos da política monetária, já refletido em taxas mais altas de mercado, o diferencial de juros ficou um pouco menos relevante. De fato, na década passada, quando o BC americano começou a reduzir seu balanço e a subir juros, como promete fazer agora, o resultado foi uma significativa desvalorização do real.

Também surpreende que essa valorização ocorra em um quadro de aumento das tensões geopolíticas, com a piora da relação entre a Rússia e os países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em torno da Ucrânia. O padrão histórico é que situações como essa provoquem maior aversão ao risco e fuga de investidores para o dólar, enfraquecendo as moedas das economias emergentes. Em que pese esse impacto ser em geral concentrado no tempo. Dado esse quadro, como explicar a alta da Bolsa e a valorização do real? Aqui entramos no campo das especulações, entre as quais eu sublinharia três.

A primeira e mais óbvia é que os ativos brasileiros estavam — e ainda estão — baratos para o padrão histórico, não tendo se recuperado da queda causada pela pandemia, ao contrário de vários outros emergentes. Em dezembro passado, o real estava 21% abaixo do patamar atingido dois anos antes e 25% abaixo da média dos 22 anos anteriores. O Ibovespa também seguia abaixo do patamar pré-pandemia, sendo negociado a um múltiplo preço/lucro bastante baixo, próximo ao observado no pior momento da grande crise financeira de 2008/2009. Claro, essa constatação não é nova, não explicando porque a alta se deu agora.

Uma segunda possibilidade é que os investidores, especialmente os estrangeiros, tenham uma percepção menos negativa da situação econômica do país. O ajuste fiscal em 2021 foi notável, com o setor público consolidado registrando superavit primário pela primeira vez desde 2013. A dívida pública segue alta, mas caiu bastante em 2021. A economia, apesar de tudo, deve crescer este ano. E, se não há confiança de grandes reformas, também não parece haver receio de grandes desvios na política econômica do próximo governo.

Uma terceira possível explicação é que, com a alta dos juros, o espaço para a Bolsa americana continuar subindo tenha se estreitado bastante, considerando que as ações já estão sendo negociadas a preços elevados. Os títulos públicos e corporativos também estão caros para o padrão histórico. Assim, com os preços de commodities em alta, nossas ações podem ter se tornado mais atraentes em termos comparativos. Claro, nada disso significa um interesse duradouro nos ativos brasileiros. É, porém, um processo bem-vindo, que pode nos ajudar a navegar este difícil ano de 2022.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em 23/02/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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