À espera das eleições
2022 pode marcar superação da pandemia, mas Brasil enfrentará processo doloroso de desinflação com crescimento muito baixo, em delicado ano eleitoral. No mundo, policymakers terão que se equilibrar entre desinflação e desaceleração, em ano de transição para economia global.
Este promete ser um ano diferente dos dois anteriores, com novos temas passando a dominar o debate econômico. O primeiro é a perspectiva de finalmente se controlar a pandemia, mesmo que a Covid-19 não desapareça por completo. O segundo é a ênfase a ser dada ao controle da inflação, com o início do desmonte dos fortes estímulos monetários dados no auge da pandemia. Por fim, no caso brasileiro, teremos as eleições, que podem resultar em grandes mudanças na política econômica nacional e que, consequentemente, aumentarão o nível de incerteza, com impactos relevantes sobre a atividade e o preço de ativos.
O ano de 2022 deve ser marcado pela superação da pandemia, ainda que permaneçam incertezas relativas ao surgimento de novas cepas. A onda de Covid-19 que está sendo causada pela variante Ômicron do coronavírus tem se manifestado de forma muito intensa, mas de curta duração, como mostram os dados da África do Sul e do Reino Unido, os primeiros países que foram atingidos por ela. Em torno de um mês, após o número de casos começar a subir, o pico da transmissão é atingido. A partir desse período, a onda perde força, com uma rápida redução no número de casos.
Soma-se a isso o avanço da vacinação, com a aplicação de doses de reforço, o que deve evitar um aumento expressivo no número de mortes causadas pela Ômicron, variante que se expandiu rapidamente entre nós nas últimas semanas, devido à sua alta transmissibilidade. Consequentemente, o recuo relativamente forte nos indicadores de mobilidade observado em janeiro deve ser breve e não será necessário adotar medidas restritivas severas, em que pesem o avanço muito rápido da contaminação e o aumento expressivo no número de casos leves, que podem ter efeitos econômicos no curto prazo.
Com isso, avaliamos que haverá um retorno perene na mobilidade este ano, permitindo a normalização das atividades que foram mais prejudicadas pela pandemia. Ou seja, a Ômicron pode atrasar por algumas semanas esse processo, mas a reabertura da economia deve se consolidar nos próximos meses.
De fato, os dados divulgados referentes ao quarto trimestre corroboram essa nossa avaliação. À medida em que houve aumento da mobilidade, foi observada uma retomada forte da demanda por serviços, com destaque para aqueles prestados às famílias, que cresceram mais de 60%, entre abril e novembro de 2021, quando houve o arrefecimento da segunda onda da pandemia. Entretanto, esta atividade ainda se encontra 11,9% abaixo do patamar pré-pandemia (fevereiro de 2020), de acordo com a última divulgação disponível, referente a novembro de 2021. Como ocorreu no terceiro trimestre, os serviços prestados às famílias serão um dos grandes destaques do último trimestre de 2021, contribuindo para o crescimento estimado de 1,3% do setor agregado de serviços, em relação ao terceiro trimestre.
Com isso, mantemos nossa previsão de crescimento do PIB de 0,6% no quarto trimestre (TsT) e de 4,6% em 2021. Para 2022, reduzimos a previsão de crescimento, de 0,7% para 0,6%, devido à revisão do PIB agro. As últimas informações mostram um cenário mais negativo para o setor, embora a previsões contemplem um aumento da produção de grãos no Brasil. Porém, a despeito disso, e dos contratempos neste começo de ano, avaliamos que a reabertura da economia, a retomada dos serviços públicos e uma perspectiva ainda favorável para o setor agropecuário devem evitar uma recessão.
O ano também será desafiador para a economia mundial. O PIB mundial deve desacelerar seu crescimento, que, porém, deve seguir acima do potencial, fruto dos estímulos monetários e fiscais adotados nos últimos dois anos e da volta de um ambiente próximo ao do período pré-pandemia. Nas economias avançadas, o consumo das famílias continua muito robusto, devido à poupança acumulada no auge da pandemia e pela recuperação da renda do trabalho. Mesmo que alguns países tenham adotado novas restrições à mobilidade, o que interromperia no curto prazo esse cenário mais otimista, avaliamos que os efeitos mais adversos sobre a economia serão temporários. Até na China há a preocupação em evitar desaceleração mais intensa da atividade, e com isso, políticas de estímulos serão adotadas, ainda que com parcimônia.
Nesse contexto, o grande desafio em 2022 para as economias avançadas será como administrar as pressões inflacionárias que emergiram em 2021 e como desmontar os fortes estímulos monetários adotados em reação à pandemia, aí incluída a questão de reduzir os balanços dos bancos centrais. O processo inflacionário mundial tem sido mais persistente e intenso e, consequentemente, a necessidade de normalização da política monetária não será interrompida, sendo um dos principais fatores a movimentar mercados e expectativas este ano.
Em suma, podemos caracterizar 2022 como um ano de transição para a economia mundial. Após um período de inflação muito estável e baixa, a inflação atingiu um patamar historicamente elevado em 2020, e se prevê agora um período de desaceleração inflacionária. Adicionalmente, questões associadas ao processo de normalização das cadeias produtivas continuam no radar este ano, mas ainda não está claro qual será a intensidade necessária de desaceleração econômica para acomodar a inflação em um patamar ainda alto, porém mais aceitável do ponto de vista dos bancos centrais. De qualquer forma, temos que dosar o otimismo em relação ao cenário mundial.
E, nesse cenário, avaliamos que haverá um arrefecimento nos preços de commodities, mas choques climáticos e o processo de transição energética limitam a desaceleração desses preços.
Para o Brasil, o processo de desaceleração inflacionária deve ser mais doloroso do que em outros países emergentes. A deterioração do arcabouço fiscal e os riscos políticos tornam o custo da desinflação mais custoso para a sociedade. E, por fim, a nova onda de contaminação, ainda que breve, em um ambiente eleitoral, com desaceleração das atividades cíclicas, pode incentivar reações de política fiscal na direção de mais ampliação de gastos, o que poderia afetar ainda mais negativamente as perspectivas de crescimento. Não há saída fácil.
Isso ilustra como, sem dúvida, no Brasil, este ano deverá ser desafiador e marcado pelo impacto das incertezas eleitorais sobre a economia. Junto ao cenário externo menos favorável, a queda da renda real e os juros elevados, o aumento da incerteza econômica e o recuo da confiança de empresários e consumidores vão comprometer o crescimento brasileiro em 2022, especialmente as atividades mais cíclicas – as mais afetadas pelo aperto monetário e pela piora nas condições financeiras, conforme já destacamos em edições anteriores do Boletim Macro.
Leia aqui o sumário completo do Boletim Macro Ibre de janeiro de 2022 na sua versão digital.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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