Cenários

À espera do resultado das eleições

20 out 2022

Há expectativa de forte desaceleração e reversão parcial dos ganhos no mercado de trabalho em função de três fatores: deterioração externa, efeito defasado do aperto monetário BC e necessidade de colocar freio no gasto público.

Após um primeiro turno em que o destaque foi uma votação no presidente Jair Bolsonaro bem mais favorável que a sinalizada pelas pesquisas, o país agora se prepara para o segundo turno, a ocorrer em 30 de outubro. A surpresa do primeiro turno adiciona um componente a mais de incerteza em uma eleição que, de outra forma, pareceria bem definida. Assim, se terá de aguardar mais um pouco para saber quem presidirá o país no próximo quadriênio e, em especial, que política econômica será por ele adotada, já que pouco ou nada se falou sobre isso no debate eleitoral.

Esse é um complicador a mais em um quadro que, depois das boas surpresas deste ano, promete ser bastante desafiador. Em especial, há a expectativa de forte desaceleração do crescimento econômico, com reversão parcial dos ganhos também inesperados que se observaram no mercado de trabalho. Três elementos principais vão contribuir para essa queda no ritmo de atividade.

O primeiro é a deterioração do cenário externo, com menos crescimento, dólar forte, menor liquidez e preços de commodities mais baixos. Mundo afora, e nas economias desenvolvidas em especial, a inflação continua persistentemente alta. A despeito da desaceleração na demanda global por bens, os núcleos de inflação seguem em patamares muito elevados. Isso tem levado os bancos centrais, com destaque para o Fed, a insistirem na promessa de perseguir uma política de aperto monetário, o que tende a gerar uma recessão em 2023, além de razoável volatilidade nos mercados financeiros.

Na China, as perspectivas também não são nada favoráveis. O setor de serviços mostra contração, de acordo com o índice de gerentes de compras (PMI) Caixin, que marcou um resultado de 49,3 em setembro, contra 55,0 em agosto. Essa queda encerrou três meses de expansão na atividade, com o índice caindo abaixo de 50, valor que separa expansão de contração. E medidas adotadas recentemente para conter novos surtos de Covid-19 devem prejudicar ainda mais o setor. A expectativa é que a China cresça apenas 3,2% neste ano, de acordo com as previsões do pesquisador Lívio Ribeiro.

Além disso, a Opep+ anunciou recentemente um corte agressivo na produção, o que deve contribuir para manter os preços do petróleo em patamar elevado, a despeito da desaceleração da economia mundial. E, por fim, a guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase, bem mais preocupante. Após a anexação de territórios da Ucrânia pela Rússia, desde 10 de outubro Moscou tem disparado mísseis em Kiev e em outras cidades, no maior ataque aéreo desde início da guerra. A guerra continua sendo um fator de grande preocupação em termos globais.

Nesse contexto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) atualizou suas projeções de inflação e crescimento, com revisão para cima na primeira e viés negativo no segundo. Apesar de manter a previsão de crescimento mundial em 3,2% para 2022, reduziu em 0,2 ponto percentual (p.p.) a de 2023, para 2,7%. Esta será a taxa mais fraca desde 2001, excluindo o auge da Crise Financeira Global, em 2009, e a fase aguda da Covid-19, em 2020. O relatório também alerta sobre a possibilidade de um terço dos países que o FMI acompanha entrarem em recessão em 2023. Entre os destaques negativos está a previsão de contração na Alemanha e na Itália, com o Reino Unido crescendo muito pouco e os EUA desacelerando para 1%, após expectativa de crescimento de 1,6% este ano.

De acordo com o relatório: “A saúde futura da economia global depende criticamente da calibragem bem-sucedida da política monetária, do curso da guerra na Ucrânia e da possibilidade de mais interrupções do lado da oferta relacionadas à pandemia, por exemplo, na China”.

Para o Brasil, a previsão de crescimento subiu para 2,8% este ano, com ligeira redução, para 1,0%, para o ano que vem. Essa alteração está em linha com as revisões feitas para a região da América Latina e Caribe, cuja estimativa de crescimento em 2022 melhorou em 0,5 p. p., para 3,5%. No entanto, para o ano que vem, a estimativa é de expansão de 1,7%, 0,3 p. p. a menos do que no relatório anterior. Conforme temos destacado neste Boletim, a atividade melhor do que o esperado no primeiro semestre para a região deve-se a “preços favoráveis de commodities, condições de financiamento externo ainda favoráveis e a normalização das atividades em setores dependentes de contato”. O Fundo alertou que o crescimento na região deve desacelerar neste e no próximo ano, diante de enfraquecimento de parceiros comerciais, aperto das condições financeiras e redução nos preços de commodities.

Um segundo elemento que vai contribuir para desacelerar nosso crescimento é o efeito defasado do aperto monetário realizado pelo Banco Central do Brasil. Isso tende a se dar especialmente por meio da perda de dinamismo do crédito às famílias, que se mostrou mais forte do que o esperado este ano, ajudando a alavancar o desempenho positivo da economia brasileira em 2022.

Em um contexto de alta expressiva da taxa de juros reais, as famílias têm menor capacidade de rolarem suas dívidas, com aumento da inadimplência, e consequentemente, o encarecimento do crédito à frente. Adicionalmente, os dados divulgados pelo Bacen mostram que o custo de captação tem aumentado e que as modalidades que mais crescem são as mais caras, denominadas emergenciais, como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial, que são mais acessadas em momentos de dificuldades. E, não menos importante, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro fechou julho em 53,1% da renda (último dado disponível), novo recorde da série histórica. Em junho, era de 52,9%. Se forem descontadas as dívidas imobiliárias, o endividamento ficou em 33,6% da renda, também recorde na série. O comprometimento de renda das famílias com dívidas bancárias (juros e amortizações) terminou julho em 28,6%, um aumento em relação ao mês anterior e um novo recorde histórico. [1]

E, é sempre bom lembrar, na teoria macro o efeito tradicional da política monetária sobre a demanda agregada opera, em princípio, através da demanda por crédito, pela mudança de preços relativos que ocorre após uma alteração da taxa real de juros. Os estudos mostram que a política monetária tem impacto não apenas na demanda como também na oferta de crédito. Ou seja, esses são os efeitos esperados de uma política monetária contracionista voltada para o controle da inflação. Sem surpresas aqui.

Por fim, mas não menos importante, tem-se a necessidade de colocar um freio no aumento dos gastos públicos primários, que este ano devem ficar cerca de R$ 200 bilhões acima do previsto pela regra do teto de gastos na sua versão original. O que se vê, porém, é forte pressão por novo aumento de gastos em 2023. O discurso eleitoral de ambos os candidatos vai na direção da aprovação de um waiver fiscal (suspensão temporária das regras fiscais) para viabilizar gastos públicos supostamente indispensáveis, mas não incluídos no PLOA referente a 2023. O que se teme é a possibilidade de um exagero em eventual aprovação do waiver, especialmente se essa ocorrer sem qualquer contrapartida em termos de fortalecimento de nossas regras fiscais.

É verdade que, enquanto a definição para presidente segue aberta, a composição do Congresso já foi definida: nos próximos quatro anos, Senado e a Câmara terão um perfil muito mais de centro-direita.  Para alguns analistas, apesar das incertezas sobre a política econômica do próximo governo, das dificuldades enfrentadas no front fiscal, bem como do cenário externo bem mais desafiador, um Congresso com esse perfil dificultaria a adoção de políticas econômicas fiscalmente muito inconsistentes. Mas essa é apenas uma hipótese. De fato, levantamento elaborado por Marcos Mendes e Marcos Lisboa mostrou que, nos últimos dois anos, foram aprovadas leis, emendas constitucionais e normas infraconstitucionais que, no todo ou em parte, vão na contramão da responsabilidade fiscal. E muitas dessas medidas contaram com apoio de expressiva maioria da direita e do centro.[2]

A opção por nova expansão real dos gastos primários em 2023 complicaria ainda mais o cenário aqui traçado. De um lado, pois dificultaria o trabalho do Bacen, possivelmente exigindo novas altas da Selic para trazer a inflação para a meta. De outro, pois aumentaria o risco de insolvência pública. Ambos os efeitos levariam a um aumento da despesa com juros sobre a dívida pública, piorando o quadro fiscal, que também deve ser impactado pela desaceleração do crescimento e os preços mais baixos das commodities.

Não há saída fácil, independente de quem vencer as eleições. A questão da responsabilidade fiscal é o grande desafio e não há garantia que uma solução para ela esteja assegurada. A ver.

A curto prazo, porém, ainda que as eleições não estejam definidas, as incertezas eleitorais estão mais contidas, o que contribui para manter as perspectivas menos desfavoráveis para a atividade. De fato, após um semestre muito positivo em termos de crescimento, o ritmo de desaceleração neste segundo semestre tem sido bem moderado. Ele tem sido liderado pelo setor serviços, ainda que o efeito da reabertura deva ser cada vez menor nesse setor conforme o ano caminha para o final. Outros países da região também têm crescido acima das expectativas, como Colômbia, México e até Argentina. A disparada dos preços de commodities, o uso da poupança acumulada no período da pandemia, o processo de reabertura pujante em serviços, além dos estímulos adotados em alguns países como o Brasil explicam, em grande medida, esse quadro.

De fato, os dados já divulgados para agosto indicam um terceiro trimestre mais positivo do que antes esperado. Assim, elevamos a previsão de crescimento do PIB do terceiro trimestre, em relação segundo (TsT), de 0,4% para 0,6%. Quedas da produção industrial e das vendas do comércio, apesar da surpresa bem positiva em serviços, reforçam o quadro de desaceleração do ritmo de atividade neste trimestre em relação ao registrado no segundo (1,2%, TsT), ainda que menos intensa que a prevista anteriormente.

Porém, esperamos contração do PIB no quarto trimestre, quando avaliamos que as famílias deverão honrar mais suas dívidas e ter condições bem menos favoráveis para contrair novos empréstimos, contribuindo para uma contração do consumo privado. Lembrando que o consumo das famílias responde por mais de 60% no PIB. Para o ano, elevamos a nossa previsão de crescimento, de 2,5% para 2,7%.

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de outubro/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Descontados os empréstimos imobiliários, o comprometimento da renda ficou em 26,6% no sétimo mês do ano, ante 26,0% em junho, também recorde histórico.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.