Cenário de consolidação fiscal também deve olhar para as receitas
Waiver negociado por equipe de transição com Congresso deverá ser permanente, já que governo eleito intenciona rever o sistema fiscal em 2023 e algumas despesas criadas possuem natureza obrigatória e serão duradouras.
Não há na história recente uma transição de governo que tenha conseguido destravar pautas relevantes. O novo governo não possui instrumentos de barganha e negociação adequados, pois ainda não tomou posse. O Congresso Nacional também está em um processo de transição, pois muitos parlamentares perderão seus mandatos. O calendário com a Copa do Mundo e de festas de fim de ano torna, somado os demais fatores, qualquer negociação extremamente complexa. Dessa forma, é preciso ter clareza que a aprovação do waiver é difícil e que, se ocorrer, terá sido um importante avanço do próximo governo que entra com o orçamento do ano resolvido. Será mérito dos operadores políticos.
A definição do valor do waiver é algo que tem preocupado os analistas. Por um lado, pode acarretar uma expansão fiscal causando uma pressão inflacionária e revisão do cenário de queda das taxas de juros, por outro lado, cria dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública. Na proposta apresentada, o waiver deverá girar em torno de R$ 197 bilhões.
O texto da PEC retira de forma permanente os gastos do Auxílio Brasil, os programas relativos às mudanças climáticas, as despesas custeadas com recursos próprios das instituições federais de ensino e investimentos públicos em um montante proporcional ao excesso de arrecadação.
A adoção de medidas de caráter permanente durante essa fase da transição reduz o incentivo para uma revisão mais geral do sistema fiscal como se esperava. Mas é importante deixar claro que sem a revisão do teto, o espaço aberto com a PEC tenderá a se reduzir ao longo dos próximos anos. É possível, no entanto, que a proposta reflita uma estratégia de negociação política tendo em vista a tendência de redução da PEC ao longo da sua tramitação.
Pelo lado da expansão fiscal, a relação entre despesas primárias e o PIB se elevará. Os cálculos de analistas de mercado sugerem que para atingir um impulso fiscal neutro, o waiver deve se situar próximo de R$ 120 bilhões. Mas há que se considerar, nesse cálculo, a provável contração fiscal que ocorrerá nos Estados depois das perdas de arrecadação com as desonerações de ICMS e IPI sobre vários produtos, sobretudo, energia e combustíveis. É possível encontrar neutralidade do impulso fiscal mesmo com um waiver mais elevado do que os R$ 120 bilhões. Ainda sim a diferença ficou grande.
A PLOA 2023 prevê um déficit primário de R$ 63,7 bilhões (0,6% do PIB). Mas o waiver a ser aprovado não resultará em uma deterioração fiscal adicional na mesma magnitude. O orçamento projeta que a receita líquida do governo federal será de 17% do PIB no próximo ano vindo de uma previsão de 19% do PIB em 2022, uma queda bastante expressiva.
A média de arrecadação desde 2017 é de 17,8% do PIB com uma pandemia no período. Apesar de ser sensato o conservadorismo na projeção de arrecadação, quando se considera os números, é mais provável que a arrecadação surpreenda para cima e tenhamos um resultado primário bem superior ao projetado. Esse resultado neutralizará uma parte do waiver. Mesmo assim, o tema é delicado porque na ausência de algum planejamento fiscal de longo prazo, a dívida se tornará insustentável.
Há uma proliferação de propostas de regras fiscais. Entende-se que serão essenciais nesse processo de reconstrução fiscal estrutural durante o novo governo. Mas tratar de temas estruturais durante a transição cria confusão acerca do seu papel. De todo o modo, o fato é que as coisas estão se sobrepondo em função do cenário de incerteza fiscal.
Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de novembro/2022.
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