Política e Governo
Fiscal

Por que a herança de Bolsonaro na economia não é tão ruim assim

19 dez 2022

Muitos aspectos negativos do governo Bolsonaro tornam difícil uma avaliação desapaixonada. Mas o legado econômico do quadriênio de Bolsonaro parece melhor do que imaginávamos há pouco tempo, e o orçamento de 2023 é exequível.

Não se discute que o governo Bolsonaro teve um desempenho muito ruim em inúmeras áreas, como, por exemplo: educação, meio ambiente, relações internacionais, saúde, política de segurança pública, direitos humanos em geral e dos povos originários em especial etc.

Adicionalmente, é verdade que o governo federal tencionou as instituições democráticas e que a pessoa do presidente tem opiniões horríveis sobre tortura e morte. Assim, é muito difícil uma avaliação desapaixonada do legado do governo.

No entanto, na economia e na política fiscal a discussão é mais complexa. Há uma clara melhora cíclica na economia. O crescimento de 2022 deve fechar próximo de 3%. Adicionalmente, recente revisão do IBGE da série das Contas Nacionais elevou em muito o crescimento de 2021. O legado de crescimento do quadriênio de Bolsonaro parece melhor do que imaginávamos há pouco tempo.

A taxa de desemprego fechou outubro em 8,3%, o menor valor desde maio de 2015. Os salários crescem acima da inflação desde julho e encontravam-se, em outubro de 2022, 5% acima do valor do mesmo mês de 2021. A massa salarial real em outubro de 2022 foi 11,6% superior à do mesmo mês de 2021.

A inflação está em queda e, mesmo com a reversão das desonerações em 2023, se houver, nada impede que o Banco Central (BC) atinja a meta em 2024, antes, provavelmente, das demais economias emergentes. A pronta resposta do BC, que recentemente adquiriu a sua independência operacional, tem ajudado em muito a moderação dos preços e a reancoragem das expectativas inflacionárias para 2023 e 2024.

Além da independência do Banco Central, a reforma da Previdência e a Lei do Saneamento são legados institucionais importantes do quadriênio terminado em 2022.

Na área fiscal há, como já apontado pela coluna, melhora incremental desde 2015. Em 2021, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), o superávit primário estrutural da União foi próximo de zero. Somente teremos os números para 2022 no próximo ano, mas, se houver reversão das desonerações do PIS e da Cofins, o número para 2022 não deverá ser muito diferente do de 2021. A razão é que, caso seja revertida, a desoneração torna-se uma perda de receita não recorrente, que não afeta o resultado estrutural – não afeta, portanto, o resultado de 2022.

Para termos uma ideia da melhora que tem ocorrido na área fiscal, basta lembrar que a União apresentou em 2014 um déficit primário estrutural de 2,4% do PIB, e, em 2018, déficit de 1,6% do PIB. Aos trancos e barrancos, com muitas idas e vindas, desde 2015 temos arrumado a política fiscal. Muito há ainda por fazer.

Nesse contexto, há um acalorado debate sobre a natureza da herança do atual governo na área fiscal, bem como a exequibilidade do orçamento em discussão no Congresso a partir do Projeto de Lei Orçamentaria Anual (PLOA) para 2023, que o ministro Paulo Guedes enviou.

A coluna considera que o PLOA é exequível com pequenas adições – já retorno a esse ponto – e também que a herança fiscal de Paulo Guedes é positiva.

Há inúmeras críticas ao ajuste fiscal de Paulo Guedes e ao PLOA. Vale a pena revermos essas críticas.

Uma primeira crítica é que o ajuste fiscal foi obtido por meio de compressão excessiva de despesas de primeira necessidade e, portanto, não é sustentável. Dois primeiros exemplos são o congelamento do valor real do salário mínimo (SM) e redução do valor real dos salários dos servidores federais. No entanto, essas duas políticas foram acertadas.

Tivemos ao longo do período de 1995 até 2017 forte política de recuperação do SM. Como apontado pelo meu colega do FGV IBRE, Manoel Pires,[1] nesse período o valor real do SM cresceu 167%. Esse crescimento foi muito além do aumento da produtividade do trabalho, que, segundo o Observatório da Produtividade do FGV IBRE, cresceu 25,5% no mesmo período. A política de recuperação do SM foi de, de fato, uma recuperação.

A questão: vale a pena continuar com a política? Ela tem custos fiscais importantes. Um caminho para avaliarmos se a política atingiu um limite é comparar o SM com o salário médio e mediano da economia. O SM de R$1212 é 44% do salário médio brasileiro de R$2732, e 76% do salário mediano brasileiro de R$1600. O SM está elevado, para a realidade do país, ou está baixo? Uma forma de responder à indagação é olharmos padrões internacionais. As mesmas estatísticas para a média dos países da OCDE são de 43% e 55%. Nosso SM, dada a realidade de nosso mercado de trabalho, não é baixo em termos internacionais. Em particular, em função de nossa elevada desigualdade, já foi feito um esforço considerável de elevar o SM para valores bastante próximos do salário mediano. Assim, a manutenção do valor real me parece correta. Se a situação orçamentária fosse mais folgada, entendo uma decisão política de retomar as elevações, mesmo com o nível elevado. Mas não com o atual rombo no orçamento que ainda temos.

A política de contenção dos salários do serviço público federal também parece acertada devido aos elevados prêmios de salários que eram pagos aos servidores, de 67%, antes da epidemia, quando se faz a comparação com ocupações equivalente no setor privado.[2] Evidentemente, o governo que termina não fez uma reforma administrativa que repensasse a carreira e contribuísse para ganhos de eficiência no serviço público. Pena a oportunidade perdida. Essa será uma tarefa para o novo presidente.

Outra crítica ao PLOA 2023 é que ele não tem previsão para a manutenção do benefício básico do programa Auxílio Brasil – que retornará ao seu nome original de Bolsa Família – em R$600. O custo dessa política de R$50 bilhões seria uma herança maldita fiscal de Bolsonaro. Aí me parece haver uma confusão: promessa de campanha não é política pública. Lula, bem como Bolsonaro, prometeu manter os atuais R$600. Mas nenhum deles negociou com a sociedade as medidas de financiamento do novo Bolsa Família. A herança maldita é da campanha eleitoral e não de Paulo Guedes. É importante separar o joio do trigo aqui.

São necessários R$8,5 bilhões para zerar a fila do SUS. Também é necessário recompor o orçamento de diversos programas: programa Farmácia Popular, R$1,2 bilhão; merenda escolar, R$1,5 bilhão; Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, R$6 bilhões; e Lei Aldir Blanc, R$3 bilhões. Somando todos os itens, chega-se a R$20 bilhões. A previsão no PLOA 2023 para gastos com o orçamento secreto, cujos pagamentos de final de ano Bolsonaro cancelou, é da ordem de R$19 bilhões.

Lula foi eleito para fazer política. Um dos elementos importantes da política é o relacionamento do Executivo com o Congresso Nacional. O item inicial de relevo é a construção da base de sustentação do governo no Congresso Nacional. Essa construção precisa ser feita a partir de um programa comum de governo e de uma eficaz política de compartilhamento de poder. De preferência que a coalização seja a mais homogênea possível do ponto de vista ideológico e que a distribuição de poder entre os partidos guarde proporcionalidade com o peso de cada partido na coalizão. É perfeitamente possível, no bojo de uma negociação da construção de uma nova coalizão, redirecionar os gastos do orçamento secreto para atividades fins do Estado brasileiro ou para políticas de governo vistas como altamente meritórias.

A avaliação da coluna é que há nessas alegações de herança maldita ou de orçamento inexequível uma certa negação da política.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de dezembro de 2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[2] Ver relatório “Um ajuste justo” do Banco Mundial, página 46, parágrafo 41 (https://documents1.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/12148...).

Comentários

nome
muito bom
fernando
Eppur si muove!
Renan
Texto típico de um bolsominon frustrado
Clayton André
A verdade é que diante de um panorama internacional de retração e alta inflacionária em função da pandemia, Paulo Guedes e sua equipe vinha segurando bem a peteca no Brasil. Os esforços contínuos do Presidente Bolsonaro para aliviar a carga tributária e manter o orçamento em dia, fazendo muito com pouco (respeitando o teto de gastos) se refletiam tanto na manutenção dos auxílios como na queda dos preços das mercadorias nas gôndolas. Enfim, pode-se criticar o Presidente por suas falas inapropriadas, mas não por incompetência ou corrupção, a economia estava indo bem, diante das conjunturas desfavoráveis, com Bolsonaro.
flaviano
Qual era o Crescimento antes da pandemia? Bom que para defender o Bolsonaro o mundo tem culpa, governos de esquerda os presidentes têm culpa...fácil discutir assim,depois chamam de gado ficam brabos
Cristian Freire
Bolsonaro foi um pesadelo para o Brasil. Foi um governo de extrema direita que perseguia quem era contra ou quem apenas estava fazendo seu papel de trabalho como o Diretor do INPE. Nossa economia estava ótima para quem é rico, mas para a nação foi uma catástrofe, principalmente nas gôndolas de supermercado. Esse fato mais o negacionismo do Presidente com relação a vacina o tiraram da presidência. Ele perdeu pra ele mesmo.
Adelice
Parabéns, cada dia que passa, mais percebemos o quanto o governo bolsonaro foi destrutivo, na questão de corrupção as águas estão baixando e mostrando que neste sentido as joias, às vendas das refinarias não deixa ele de fora
Carlos Masson
Bolsonaro, melhor Presidente do Brasil. O colunista claramente esquerdista tenta queimar o governo Bolsonaro falando de assuntos que não entende: educação melhorou com escolas cívico militar, por exemplo. Segurança: caíram índices de roubos, feminicídio e tudo que há de bandidagem. Obras pelo Brasil inteiro. Renda para os pobres com auxílio Brasil a R$ 600. Mas esse colunista teve que ser realista ao falar de assunto que ele entende, citando os ótimos números na economia e ajuste fiscal da era Mito.
Carlos
Pois é... É difícil uma avaliação desapaixonada mesmo. O autor emocionado e eufórico defende o indefensável do governo Bolsonaro, um governo extremamente corrupto.
Emanuelle Rayza...
Mas infelizmente, é impossível abrir os olhos de quem quer se fazer de cego. vamos claramente um governo que sofreu pela a pandemia, pela maior seca do rio grande do sul, onde afetou diretamente o agronegócio um dos principais responsável pelo nosso PIB e a guerra entre Rússia e ucrânia. No entanto, apesar disso tudo vemos um dos principais feitos do governo de Bolsonaro que foi a transposição do rio São Francisco, iniciando em 2007, foi terminado em 2022 pelo presidente e o Tarcísio, que em três anos fizeram o que o Pt não fez durante 14 anos.
Denise Marina
Concluiu quantos por cento da obra, mesmo?
Márcia
A questão não é quanto % mas sim , os infindáveis anos de promessas de conclusão da obra. PT não tinha nenhuma intenção em acabar aquela obra. Se não fosse Bolsonaro concluir essa obra, ela jamais existiria. A não conclusão dessa obra além de ser uma roubalheira, se estendia como promessas de campanha política, de que um dia o Nordeste iria ter água potável em suas casas. Conclusão: não tinham nenhum interesse em finalizar a obra. Quantos anos mesmo construindo essa transposição?????
joaquim althehoffen
A questão não é quantos por cento? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
vingador sincero
A vida do pobre, o poder de compra e a fome, dívidas indivíduais falam por si só. Sem firula ou traquinagem de gente picareta e sem vergonha na cara. O governo Bolsonaro foi um ataque a tudo que se tinha melhorado para os mais pobres, um ataque da classe média alta e alta. Pronto e tenho dito...sem mais
André Dias
A pessoa que tem um pouquinho de discernimento sabe que foi o pior presidente que o Brasil teve depois da redemocratização de 1988, a economia ano passado só melhorou porque ele liberou verba social em época de eleição que e proibido , a não vem com desculpa da pandemia, o mundo todo ficou fechado com isolamento social não foi só o Brasil que na cabeça do presidente e do seus seguidores era pra larga tudo aberto com uma doença contagiosa e desconhecida ,e ainda na época quem aprovou o auxílio emergencial de 600 reais foi o congresso nacional que o Guedes queria da 200 reais , fora o ataque as instituições públicas querendo da golpe de estado e discurso de ódio contra as minorias , esse presidente foi fascista o quanto pode , graças a Deus nos livramos disso .
ZAELI
Por tudo que já se que sabe, seria um milagre o país dar certo com um ser humano com a falta de compostura, de despreso e desrespeito pelas instituições, sobretudo, vestindo um traje de religioso para atrair votos mas desrespeitando as mulheres, idosos, as maiores vítimas da covid Que em.nome de não ser corrupto foge paravo exterior com jóias valiosas que pertencem á Nação, como costumam fazer os corruptos notáveis
Carlos
Vocês são ridículos! Dizer que o Bolsonaro acabou com a Lava Jato? Mentira! Ela queria acabar com a Corrupção que vocês apoiam por motivos financeiros! A Direita vai acabar com esse sistema e vamos extinguir a esquerda no Brasil...
Gloriosa
Pergunto a todos os autores desses comentarios: o que o Bonzo trouxe para o Brasil no período de seu governo? Os que ficaram bem foi a sua “Prole”
joaquim althehoffen
O autor "esqueceu" do rombo de 100 bilhões de reais em precatórios e da diminuição em 65 bilhões de dólares nas reservas internacionais, o equivalente a mais de 300 bilhões de reis, em quatro anos de desgoverno dele.
Luis
.....ele esqueceu isso e não só. Fico decepcionado quando vejo uma instituição como essa, permitir tal publicação. -Um executivo o de pais, tem como proposta mestra a bôa e correta manutenção da vida de seu povo e ao meu, TODAS AS QUESTÕES SOCIAIS FORAM TOTALMENTE RELEGADAS ....
Amaro
Como sempre muito sensato o articulista. Certamente não agradará os mais extremados.
Adelino
Quem fala mal de Bolsonaro na economia ou é um idiota ou desinformado. simples assim,
flaviano
Não pagaram precatórios, o crescimento antes da pandemia pífio, relações internacionais e negócios zero, o dinheiro para as pessoas não passarem fome foi o congresso, Bolsonaro foi beneficiado por medidas do Temer que fez uma reforma trabalhista ótima, no mais o que Bolsonaro fez foi falar muita besteira nada mais, alguém me diga 3 atos relevantes para a economia? Dizer que não teve corrupção? O PP maior envolvido na lava jato MAIS que o PT era o chefe de gabinete do Bolsonaro (Ciro Nogueira) será que esse pessoal virou santo com o Bolsonaro? Além de espalhar bosta pela boca, só ferrou o país

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.