Política e Governo

O desempenho da frente democrática de Lula III

27 fev 2023

No rastro da devastação causada por golpistas, Lula obteve um grande arco do apoios, que fortaleceu caráter de frente democrática do governo. Mas duras críticas a Roberto Campos Neto, presidente do BC, são erro desnecessário.

Lula tomou posse no dia 1º de janeiro de 2023, numa bela e tocante cerimônia que procurou representar a diversidade do Brasil. Uma semana depois, houve a abjeta e torpe “intentona bolsonaresca”, para usar a expressão cunhada por Cláudio Couto[1], um assalto à sede dos três Poderes da República, algo sem precedente em nossa história.

Passadas seis semanas desde a posse, como tem se saído o novo governo?

Em primeiro lugar, há que registrar que Lula mudou consideravelmente a maneira de lidar com a questão militar. Em dezembro de 2022, esta coluna afirmou que “A nomeação de José Múcio para o MD [Ministério de Defesa] e a decisão do presidente entrante de indicar os oficiais mais antigos das três Forças como seus novos comandantes [...] sinalizam, enfaticamente, a disposição de Lula de estabelecer relações harmônicas com os fardados. [...] Lula optou por uma ‘estratégia de baixo custo’ no manejo das relações civis-militares”.[2] Depois de verificar conivência de setores do Exército durante a tentativa de golpe, Lula demitiu o comandante da Força Terrestre, o General Júlio Cesar de Arruda, sabidamente bolsonarista. A demissão do General e a sábia decisão de não requisitar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem no dia 8 de janeiro, o que poria algum outro general no comando de Brasília, sugerem que Lula passou a adotar uma estratégia de custo médio no trato com as Forças Armadas. Novas mudanças nas relações civis-militares deverão ocorrer no sentido de despolitizar a caserna e fortalecer o controle civil sobre a ela. Ponto para Lula.

No rastro da devastação causada pelos golpistas, Lula obteve o apoio dos líderes dos Poderes Judiciário e Legislativo, da quase totalidade da classe política (com a óbvia exceção do bolsonarismo), de amplos setores da sociedade civil e de inúmeros países de todas as regiões do mundo – inclusive de Rússia e China – para defender a ordem política do país. Tal apoio fortaleceu o caráter de frente democrática do governo.

No primeiro dia de fevereiro, com a posse de novos deputados e senadores e a reeleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado, respectivamente, ficou claro que Lula tem maioria nas duas Casas Legislativas. Isso não é pouco para um presidente que vem do campo da esquerda, mas enfrenta o Congresso mais direitista desde a transição para a democracia em 1985.

Além disso, o novo governo foi rápido no enfrentamento do massacre dos yanomamis e da tragédia ambiental na Amazônia. E, no que toca à política externa, Lula III foi também célere na reinserção internacional do país, já tendo visitado a Argentina e o Uruguai, recebido o chanceler alemão Olaf Scholz, entre vários outros dignatários estrangeiros, e coroado o esforço com o bem-sucedido encontro entre os presidentes brasileiro e americano na Casa Branca, no dia 10 de fevereiro.

No lado negativo, o principal problema tem sido as duras críticas de Lula contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e as altas taxas de juro que o BC tem praticado. Como mostrou Daniela Campello, ainda que debater o nível dos juros seja legítimo e algo corriqueiro em todas democracias, inclusive as dotadas de um banco central independente, como é agora o brasileiro, o fato de o presidente ser o principal porta-voz das críticas e o modo como as tem vocalizado não são recomendáveis[3]. Trata-se, portanto, de um erro desnecessário, o qual pode afetar as perspectivas econômicas do país, além de chocar-se com a promessa de pacificação política feita, reiteradamente, por Lula.

Todavia, Fernando Haddad, o ministro da Fazenda, tem operado de modo distinto, ao valer-se de uma abordagem conciliatória com Roberto Campos Neto e procurar reassegurar os agentes econômicos de estar comprometido com a responsabilidade fiscal e monetária.

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de fevereiro/2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Cláudio Gonçalves Couto, “Qual o Preço do Estresse Institucional”, Valor Econômico, 12/01/2023, disponível em https://valor.globo.com/politica/coluna/qual-o-preco-do-estresse-institucional.ghtml.

[2] Octavio Amorim Neto, “A Transição Militar de Lula III”, Boletim Macro, Nº 138, dezembro 2022, pp. 26-27, disponível em https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2022-12/2022-12-boletim-macro.pdf.

[3] Daniela Campello, “Lula e o Banco Central”, entrevista dada a Fora da Política Não Há Salvação, canal do Youtube ancorado por Cláudio Couto, 11/02/2023, episódio #164, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Xs-4X44e66I&t=1272s.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.