Banco Central inicia mudanças – muitas outras precisam vir

São precisos passos adicionais como colocar todas as instituições no âmbito regulatório do BC, inclusive “exchanges” de criptoativos, e obrigar que processo de KYC (conheça seu cliente) seja estendido a todas estas instituições.
Há algum tempo, em abril, escrevi no Broadcast sobre as necessidades de alterações de normas e procedimentos do Banco Central em relação à regulamentação e supervisão prudencial e à prevenção à lavagem de dinheiro - PLD (“Aperfeiçoamentos Regulatórios e de Supervisão do Bacen”). Na ocasião, mencionei problemas existentes na regulação prudencial e sobre alterações necessárias no funcionamento do Fundo Garantidor de Crédito – FGC, sobretudo devido ao aúncio da intenção do BRB de comprar parte do Banco Master. Também chamei à atenção para alterações requeridas nas regras de PLD, estas motivadas pelas ocorrências policiais que envolveram algumas “fintechs”. Este último ponto foi reforçado pelas operações que foram efetuadas recentemente contra o PCC e sua rede de atividades já entranhadas no setor formal da economia, inclusive o financeiro. Adicionalmente, em julho e início deste mês, “hackers” atacaram o sistema PIX. Isto reforça uma das conclusões de meu artigo: a de que o Bacen precisa controlar e monitorar efetivamente toda a cadeia de instituições e empresas que prestam serviços financeiros ou auxiliares neste novo ecossistema de pagamentos e transações financeiras. A urgência da necessidade de mudanças está bem clara.
Houve uma primeira alteração promovida pela Autoridade Monetária em relação ao FGC em 1º de agosto deste ano. Esta foi a Resolução do CMN 5238/2025, que torna mais rígidos os critérios para que o FGC possa garantir depósitos. Uma decisão positiva, mas ainda tímida frente ao que é necessário. Em sequência, na semana passada houve duas ações importantes do Banco Central. Primeiro, houve a decisão de não autorizar a compra do Master pelo BRB. Segundo, houve uma série de Resoluções do BCB dia 5 de setembro que têm relação ao maior controle sobre as empresas fora da supervisão do Bacen que lidam com o sistema de pagamentos, as Resoluções BCB 494, 495, 496, 497 e 498 de 5/9/2025. O objetivo principal destas últimas medidas é um começo da reinserção de todas as empresas e instituições que fazem parte do novo sistema financeiro expandido do Brasil, no âmbito regulatório e de supervisão da Autoridade Monetária. De efeito mais imediato, evitam que transações acima de R$15.000,00 possam ser executadas por prestadoras de serviços de tecnologia da informação (PSTI’s) ainda fora do perímetro regulatório do Bacen.
Estas mudanças são um passo na direção certa, mas muito mais tem que ser feito. Especificamente, é preciso: (1) colocar todas as instituições no âmbito regulatório do Bacen, inclusive “exchanges” de criptoativos; (2) obrigar que o processo de KYC (conheça seu cliente), essencial para a PLD, seja estendido a todas estas instituições; (3) tornar mais robustas as regras de Basileia III, introduzindo uma versão mais restrita de conglomerado financeiro para cálculo de suficiência de capital (o Conef, conglomerado econômico-financeiro, que foi deixado de lado pelo Bacen em 2013); (4) tornar obrigatória a divulgação de índices de liquidez (há dois em Basileia II – LCR e NSFR) para qualquer instituição que possa ser garantida pelo FGC; (5) tornar obrigatório que as plataformas de distribuição divulguem o custo da distribuição de produtos de renda fixa; (6) estender para o “open finance” e todas as instituições que dele participem também os conceitos dos itens (1) e (2); (7) fazer com que o FGC possa limitar o fornecimento de garantias, a depender do risco de uma instituição e (8) dar acesso ao Bacen a todos os ativos e passivos gerados pelas “fintechs” não bancárias. Há várias outras medidas, mas estas são as mais essenciais.
A tarefa à frente do Banco Central será muito árdua. Será necessário fazer uma grande rearrumação do sistema, que já se iniciou. Haverá obstáculos, mas o Congresso deve ajudar a Autoridade Monetária. Reportagem da Folha de São Paulo neste domingo, dia 7 de setembro, afirma que o Bacen tem 9 funcionários cuidando da segurança do PIX! Já no meu artigo para Broadcast de junho de 2025, “A Autonomia Administrativa e Financeira do Banco Central”, argumento que a solução para os problemas de lacunas regulatórias e de supervisão passa pela aprovação da PEC 65/2023, que trata da autonomia administrativa da Autoridade Monetária. Lembro aqui que o Bacen não conseguiu autorização para contratar 300 funcionários no ano passado, enquanto os Correios, estatal que mostra prejuízos cada vez maiores, foram autorizados a contratar 3.511 funcionários! Obviamente, uma completa inversão de prioridades. O funcionamento de um Banco Central que cuida de toda a regulação financeira, inclusive de formas de pagamento, é extremamente complexo. Não se circunscreve somente ao controle da inflação (tarefa por si só imensa), mas passa por assegurar a solidez do sistema e a capacidade de evitar a lavagem de dinheiro, fonte de toda a atividade criminosa. Entender as necessidades de recursos humanos e de infraestrutura de tal entidade requer muita expertise, e é crucial demais para ficar esperando sua vez na fila dos diversos órgãos públicos que demandam atenção do governo. Em muitas jurisdições do mundo o Banco Central tem autonomia administrativa. Precisamos entender o quão fundamental é para o nosso dia a dia um Bacen ágil, qualificado e com possibilidade de cumprir tudo o que a sociedade espera dele.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 9/9/2025, terça-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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