Macroeconomia

O cartão de débito no pagamento do transporte público

9 abr 2018

No dia 16 de março deste ano, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, vetou o projeto de lei 478 aprovado na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) que previa a possibilidade do pagamento de tarifas de transportes públicos com cartão de débito. A justificativa apresentada se ampara no argumento de que o projeto dispõe sobre meios de pagamento, interferindo, assim, na competência privativa da União de legislar sobre a questão de Direito Civil. Por outro lado, no dia 22 do mesmo mês, o governo do Distrito Federal anunciou que pretende iniciar em abril testes para aceitar cartão de débito no pagamento das passagens. A flexibilização dos meios de pagamento do transporte público é um movimento observado em nível mundial; no entanto, devido à arquitetura institucional brasileira, discute-se a possibilidade da sua implementação de forma efetiva.

O sistema de utilização de cartão de débito, semelhante ao utilizado em Londres, consiste no pagamento da passagem apenas aproximando o cartão do validador e sem necessidade de inserção de senha (contactless payment). Outras tecnologias de pagamento também estão sendo desenvolvidas, como o sistema criado pela empresa israelense HopOn que permite a validação do bilhete à distância através de ondas ultrassônicas enviadas pelo celular do viajante. Além destes sistemas e do convencional smartcard, pode-se citar o leitor de QR Code e o NFC (near field communication), que permite que dois dispositivos (celular e validador) se comuniquem quando estão próximos.

Vários são os benefícios que a flexibilidade de pagamento pode oferecer ao transporte público. Para os usuários, representa uma opção adicional de pagamento, o que proporciona maior conforto e diminui custos de transação, potencialmente aumentando a demanda pelo serviço. Para os operadores, além do potencial aumento da demanda, a utilização dests método de pagamento permite maior controle do caixa e diminui os custos de transação associados à necessidade de papel-moeda.

Além dos ganhos diretos para usuários e operadores, listados anteriormente, outros benefícios podem ser destacados. Nesse momento em que se discute segurança pública no estado do Rio de Janeiro, a diminuição de circulação de dinheiro nos ônibus pode gerar redução na quantidade de assaltos. Ademais, sob o ponto de vista do planejamento, a utilização do cartão de débito para pagamento das tarifas pode fornecer informações valiosas para o desenvolvimento de políticas públicas de transporte urbano. Para o órgão gestor, reduzir a proporção de transações em dinheiro pode contribuir bastante para a fiscalização e transparência financeira do negócio.

Apesar dos ganhos indiretos destacados para todo o sistema - segurança pública, planejamento do sistema e transparência -, o operador apenas investirá em novas tecnologias de pagamento, ou qualquer outra melhoria, se entender que vai obter ganho econômico. A regulação tarifária do setor estabelece que as empresas apenas podem repassar os custos de implementação de novos sistemas, caso estes estejam estabelecidos em contrato ou sob permissão do órgão gestão do transporte. Como os potenciais ganhos para o sistema são provavelmente maiores do que o ganho percebido pelo operador, a teoria econômica da regulação sugere que o órgão gestor deve autorizar o repasse para a tarifa de parte dos custos de investimento. Assim, esse repasse deve ser suficiente para gerar incentivo para que o operador realize o investimento, mas menor do que o total dos benefícios indiretos gerados para o sistema.

A medida que previa a melhoria na tecnologia de pagamento, se implantada de forma tecnicamente correta, pode apresentar avanço relevante para o transporte coletivo do Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, sob a ótica da regulação, o veto do governador Pezão foi acertado na medida em que deliberar sobre investimentos em melhorias em serviço público concedido não deveria ser atribuição do Poder Legislativo, mas sim do órgão gestor de transportes.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[i] Doutorando em Economia pela EPGE/FGV

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