Por que não assinei o manifesto “Democracia Sim”
Este texto é a minha resposta, que quero tornar pública, a um convite para assinar o manifesto “Democracia sim”, que conclama os cidadãos brasileiros a não elegerem Jair Bolsonaro.
Quando recebi o e-mail, minha reação imediata foi a de querer assinar. Li rapidamente o texto e observei a lista de signatários. Conheço algumas pessoas naquela lista. Sinto-me muito à vontade de estar junto delas.
No entanto, alguma coisa me incomodava. Decidi não assinar. Acho que vale a pena compartilhar o motivo.
Nós vivemos um momento difícil. O manifesto tenta traçar uma linha entre o campo democrático e o campo autoritário. A linha deixa Jair Bolsonaro no campo autoritário. Entendo e concordo.
No entanto, achei que a redação do texto não foi suficientemente balanceada. Ela não abarca todos os riscos de deterioração da democracia na atual conjuntura. O PT representa hoje um claro risco à democracia. É da mesma qualidade e da mesma intensidade do risco Jair Bolsonaro? Certamente não. Se for confirmado o segundo turno Haddad versus Bolsonaro, como indicam as atuais pesquisas, vou de Haddad ou votarei nulo.
Mas desconhecer que muita gente boa acha que o PT representa risco real à democracia faz com que o texto seja parcial.
Porém, como abordar essa questão, se é verdade que o PT, nos seus 13 anos de liderança à frente do Executivo nacional, não infringiu a democracia?
Havia uma maneira simples de fazê-lo na passagem do manifesto que se segue: “Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários”. Nesse trecho, deveria haver menção explícita ao caso venezuelano.
Ora, se é chocante o capitão brasileiro (ou o general) negar os crimes da ditadura militar – regime vigente por aqui em outro tempo –, é igualmente chocante as forças petistas negarem a natureza e os crimes da chavismo – regime que vigora atualmente em outro lugar bem próximo e que já nos afeta diretamente. Ou seja, a Venezuela é aqui e agora. Não é o nazismo nem o fascismo, nem mesmo o stalinismo. Mas é algo que está na porta de entrada de nossa casa.
Nos seu período de governo, o PT não tentou, nem de longe, transformar o Brasil numa Venezuela. No entanto, para além do apoio entusiástico do partido brasileiro ao bolivarianismo, a recusa mais recente em aceitar os resultados de processos político-jurídicos ou mesmo puramente jurídicos, como, respectivamente, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, dão substância aos temores de que um governo petista possa cair na tentação de minar a democracia por dentro – não se trata de uma certeza, nem remotamente, mas tampouco é delírio.
Num momento como o atual, a exclusão do caso venezuelano de um documento sobre os riscos à democracia no Brasil não pode ser encarada como um mero lapso. É uma realidade que está muito perto, muito presente, para não constar explicitamente do texto do manifesto.
Minha percepção é de que o grupo que redigiu o texto desejou reduzir o campo das discórdias para aumentar o grau de ecumenismo do manifesto. Ao fazê-lo, deixou a porta aberta para que pessoas que não professam os ideais defendidos no documento a ele façam adesão, impondo custos ao adversário político sem arcar com o custo correspondente.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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