Macroeconomia

Desigualdade de renda no Brasil sob uma perspectiva estadual e regional

19 set 2019

O Brasil atravessa seu mais longo processo de alta da desigualdade de renda até aqui. Desde 2015, o Índice de Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita tem demonstrado contínua trajetória de aumento, muito explicada pela recessão e ascendente desemprego que atingiram o país desde então. O Gráfico 1 demonstra a evolução do mesmo indicador, desde o primeiro trimestre de 2012 até o segundo de 2019.

Gráfico 1

Fonte: Microdados da PNAD Contínua

Como se vê, o Índice de Gini partiu, do quarto trimestre de 2014, de 0.602 para o patamar de 0.629 neste último trimestre. Com exceção ao primeiro trimestre de 2019, este representa o maior valor do índice desde o início da série histórica da PNAD Contínua. O indicador mede a desigualdade numa perspectiva distributiva dos rendimentos, de modo que quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade, ao passo que, de forma inversa, o valor 0 indica a igualdade perfeita na distribuição da renda. 

Entretanto, embora ainda muito alta neste último trimestre, a desigualdade de renda no Brasil parece rumar a uma estabilização, inclusive com a possibilidade de uma eventual reversão em sua trajetória de alta nos próximos trimestres. Tal análise é possibilitada por meio de uma base interanual de comparação do Índice de Gini, através da qual se compara o indicador no trimestre de um ano com relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Dessa forma, torna-se possível retirar o peso dos componentes de sazonalidade sobre determinantes da desigualdade, como os padrões anuais de contratação e demissão do mercado de trabalho, por exemplo. O Gráfico 2 retrata o exposto:


Fonte: Microdados da PNAD Contínua

Como se pode ver, por mais que ainda cresça em relação ao mesmo período do ano anterior, o Índice de Gini tem crescido a taxas cada vez menores nos últimos trimestres. Quando - e se - vier a cruzar o eixo horizontal, poderá ser observada uma reversão da tendência recente da desigualdade no país.

No entanto, a análise até aqui limitou-se à dinâmica da desigualdade de renda sob uma ótica nacional, levando-se em consideração todas as diversidades internas do Brasil. Nesse sentido, no diagnóstico da desigualdade brasileira, um questionamento faz-se relevante: de que maneira esta dinâmica das disparidades de renda tem se comportado sob uma perspectiva estadual e, de forma mais agregada, regional? Os Gráficos 3 e 4 demonstram a trajetória do Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita por Estados e Regiões, respectivamente.

Gráfico 3:

Gráfico 4:


Fonte: Microdados da PNAD Contínua

Conforme os gráficos demonstram, os Estados brasileiros distribuem renda de forma muito desigual entre si. Ao passo que as Regiões Sul e Centro-Oeste são as mais igualitárias na ótica da distribuição de renda, as regiões Norte e Nordeste são muito desiguais, sobretudo essa última. Não surpreendentemente, as três Unidades da Federação que sustentam os fardos de Estados mais desiguais no segundo trimestre de 2019 são todas daquela região - Alagoas, Piauí e Paraíba, respectivamente. 

Contudo, da mesma maneira que se fez para o Índice de Gini de todo o Brasil, para a análise regional deve-se levar em conta a base de comparação interanual – isto é, comparar um determinado período com igual período do ano anterior -, tendo em vista os componentes sazonais da economia. Nesse sentido, o Gráfico 5 demonstra a variação interanual do mesmo índice, porém sob uma perspectiva regional:

Gráfico 5:

Fonte: Microdados da PNAD Contínua

Tomando como base de análise o segundo trimestre de 2019, último ponto representado no gráfico, observa-se que a maior parte das linhas cruzou o eixo horizontal. Isto é, com exceção das Regiões Centro-Oeste e Nordeste, todas as demais regiões têm observado, na média, um decrescimento de sua desigualdade de renda em relação ao mesmo período de 2018. Aquelas duas primeiras, no entanto, demonstram dinâmicas díspares: ao passo que o Centro-Oeste parece rumar a uma trajetória de taxa de crescimento menor de seu Gini, a região Nordeste tem, alternativamente, demonstrado uma elevação cada mais vez mais acentuada de sua disparidade de renda. Com efeito, analisando-se, no Gráfico 3, os mapas do Gini referentes aos anos de 2018 e 2019 mais detalhadamente, pode-se notar o escurecimento de um Estado nordestino específico: Alagoas - justamente o mais desigual do país no segundo trimestre deste ano, com um Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita de 0.711.

Diante disso, pode-se apontar, conforme exposto, que o Brasil parece caminhar rumo à estabilização de seu mais longo processo de alta da desigualdade, com duração de 17 trimestres consecutivos até aqui. Contudo, como visto, os diferentes Estados brasileiros parecem possuir dinâmicas próprias de desigualdade, que, por vezes, acabam por demonstrar comportamentos muito distintos ao resto do país. Cabe, portanto, não só se ter um olhar atento sobre a desigualdade de renda no Brasil como um todo, mas também se levar em consideração as diferentes dinâmicas estaduais existentes dentro dele.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Luiz Rezende
Ranny
Evander Ferreira
Alfonso Fontenl...
Brasil teve em uma epóca os piroes indices de indice de gini, a preocupante alta do Índice de Gini no Brasil, um reflexo direto da crescente desigualdade de renda e social no Brasil. Para se ter uma ideia, uma tributação justa sobre grandes fortunas poderia gerar uma arrecadação adicional de até mais de R$ 80 bilhões por ano. Esses recursos poderiam ser usados para criar milhões de empregos e melhorar a infraestrutura pública, impulsionando a economia. Esse montante, direcionado para programas sociais e serviços públicos, não só reduziria a desigualdade, mas também estimularia o consumo interno. Com ingressos adicionais assim anuais e o que se precisa para gerar 4 milhões de empregos diretos. Além disso, investidos no consumo interno e nos pobres e classe media fortaleceriam ainda mais o crescimento econômico. Já que no Brasil temos um consumo interno com muito potencial e cultura consumista, por isso no Brasil se compra um tenis em 12x e temos esse cultura de parcelamento. Economistas como Joseph Stiglitz defendem que o gasto social e a redistribuição de renda são cruciais para o crescimento sustentável. Stiglitz argumenta que uma economia saudável depende de um consumo interno robusto, alcançado através de uma distribuição mais equitativa de renda. A tributação justa dos mais ricos financia programas essenciais e estimula o consumo, um dos motores do crescimento econômico. Outros intelectuais e economistas também apoiam essa visão. Políticas fiscais progressivas e investimentos sociais, como vistos em países escandinavos, resultam em economias estáveis e prósperas com baixos índices de desigualdade e altos IDH. Aplicar essas políticas no Brasil poderia transformar a economia e a sociedade, promovendo um desenvolvimento mais justo e inclusivo. Uma economia socialmente justa não é apenas um dever moral, mas também um bom negócio. A redistribuição de renda resulta em um ciclo virtuoso de crescimento econômico e desenvolvimento social. Isso não é "tirar dinheiro dos ricos", mas sim uma estratégia macroeconômica eficaz. Gerenciar a economia de um país é diferente de gerenciar a economia doméstica; são mundos distintos. A implementação de uma tributação justa no Brasil, alinhada com políticas de redistribuição de renda, poderia reduzir significativamente o Índice de Gini. Por exemplo, países como Dinamarca têm um Índice de Gini em torno de 0.25, demonstrando que uma sociedade mais equitativa é possível e benéfica para todos não só pra uma pequena elite podre apátrida historicamente alineada com interesses estrangeiros, que não gostam muito deste tipo de politicas que vai em contra do seus interesses.

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