A urgência do saneamento: Bill e Melinda Gates Foundation e Prêmio Nobel de Economia 2019
Em documentário recente, Bill Gates reporta seus esforços a frente da Bill and Melinda Gates Foundation para atacar um tema antigo e de grande impacto sobre saúde: a falta de saneamento. O primeiro episódio apresenta Bill e Melinda Gates inconformados com os dados relativos à falta de saneamento e mortalidade infantil. Conforme mostra a série, na primeira década do século XXI metade da população mundial ainda não tinha acesso a banheiro e 12% das crianças no mundo morriam antes de completar cinco anos de idade devido a doenças como diarreia. A causa apontada é a falta de coleta e tratamento adequado de esgoto. Dispostos a mudar esta realidade, o casal decide focar esforços nesta nova missão[1]. Resta evidente o senso de urgência na busca de uma solução para a falta de saneamento.
Relacionado com essa temática e em momento oportuno, foram divulgados na segunda-feira (14/10) os laureados com o Prêmio Nobel de Economia 2019[2]. Os economistas Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer receberam o prêmio devido a um trabalho de investigação empírica com foco nos determinantes da pobreza e em como combatê-la. Os autores desenvolveram linha de pesquisa específica no qual experimentos de campo são utilizados para mensurar o efeito de políticas educacionais e de saúde, incluindo o impacto da melhor condição de acesso a serviços de saneamento sobre indicadores de saúde[3]. Dessa forma, em linha com a atuação da Fundação Gates, a literatura dos campos da Economia da Saúde e Experimental identificam a relação direta entre melhor condição de acesso aos serviços de saneamento e níveis menores de mortalidade infantil.
Assim, o tema saneamento não poderia ser mais atual para a realidade brasileira. No país, 100 milhões de pessoas ainda não têm acesso à coleta adequada de esgoto. E menos de metade do esgoto coletado é de fato tratado antes de ser lançado no meio ambiente. O histórico de investimentos no setor não alcança a necessidade de recursos previstos no Plano Nacional de Saneamento Básico, que tem como meta a universalização do acesso a serviços de saneamento em 2033. Neste ritmo, estima-se que será necessário pelo menos mais duas décadas para que essa meta seja atendida. Diante disso, senso de urgência parece não ser um ponto forte do país.
Desde 2016, sucessivas tentativas de reforma do marco legal buscam reverter esse quadro no Brasil. Depois de vencido o prazo para aprovação de duas Medidas Provisórias, a reforma é veiculada hoje pelo Projeto de Lei (PL) 3.261/19. Referido PL representa uma oportunidade de promover isonomia competitiva entre prestadores públicos e privados. O instrumento é uma seleção do prestador mais eficiente na expansão do acesso aos serviços e melhoria da sua qualidade.
Atualmente cerca de 70% dos municípios são atendidos por prestadores públicos, em especial através de Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs). Nestes casos é necessário que seja firmado contrato de programa entre o município – titular do serviço – e a CESB. No entanto, os dados mostram que 27% dos municípios não possuem contrato firmado com a CESB que presta o serviço, ou seja, estão em situação irregular.
A existência de contratos válidos tampouco é garantia de incentivos à adequada prestação dos serviços. Muitos desses contratos carecem de metas bem definidas. A título ilustrativo, apenas um dos 60 contratos firmados entre a CEDAE e municípios nos quais a companhia presta serviço estabelece claramente meta de expansão do serviço. No caso, a evolução é medida por um indicador de atendimento do serviço. E esse caso está longe de ser exceção, como atestam as pesquisas do FGV CERI.
Especificamente com relação às situações irregulares de prestação do serviço, o PL, que está atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, parece avançar no quesito senso de urgência. No parecer do relator apresentado na última quarta-feira, é proposto que essas situações devam ser regularizadas em no máximo dois anos, contados a partir da publicação da lei. Após este prazo, o município deverá realizar processo competitivo (licitação) para selecionar o melhor prestador de serviço, que poderá ser público ou privado.
Espera-se, assim, que o status quo seja alterado. Vale lembrar, no entanto, que para isso são necessários avanços nos processos licitatórios e nos contratos que serão firmados de modo a haver uma regulação que promova expansão/melhoria do serviço, com redução de custos através de ganhos de eficiência. Isso é necessário para quaisquer que sejam os prestadores de serviço – públicos ou privados.
O saneamento é um tema de preocupação mundial dado os impactos comprovados em saúde pública e mortalidade infantil, como ilustrado a partir das iniciativas da Fundação Gates e de importante linha de pesquisa dos laureados com o Prêmio Nobel de Economia de 2019. Assim, a proposta em apreciação no Congresso Nacional para a reforma do marco legal do saneamento constitui oportunidade única ao tentar reverter a lentidão no avanço e a precariedade do setor no Brasil. Está para ser votada legislação que desafia o quadro atual no qual predominam prestadores públicos com regulação escassamente capaz de incentivar eficiência. Urge aproveitar esta oportunidade e desenvolver mecanismos para fazer mais com os recursos disponíveis, acelerando o alcance do objetivo de assegurar acesso universal à distribuição de água e esgotamento sanitário.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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