Novos cenários para a evolução da atividade econômica brasileira em 2020
Na seção Em Foco do Boletim Macro Ibre do mês passado, realizamos uma análise preliminar do impacto da chegada do coronavírus ao Brasil sobre a atividade econômica doméstica. Ressaltamos, contudo, que naquela ocasião os únicos indicadores brasileiros que já captavam o impacto do vírus e o tamanho da incerteza adiante eram as variáveis financeiras de alta frequência. Por esse motivo, o exercício se baseou exclusivamente na evolução condições financeiras domésticas.
Como a crise atual não tem origem no sistema financeiro, nosso exercício preliminar captava apenas uma parte do choque, subestimando seu impacto total sobre o PIB. Neste novo estudo, buscamos aprimorar o exercício anterior ao incorporar na análise a dinâmica bastante peculiar do mercado de trabalho ao longo do ano e ao trazer à luz a dimensão setorial da crise.
A estratégia empírica do estudo envolveu utilizar as respostas das empresas aos tópicos especiais nas sondagens da FGV IBRE sobre a COVID-19 para distribuir a queda esperada das horas trabalhadas entre os setores. Desse modo, o setor que possui maior percentual de empresas dizendo que serão (ou continuarão sendo) afetadas pela crise, terá maior queda de horas trabalhadas em relação aos demais.
Partindo do arcabouço teórico da economia neoclássica, suponha que a estrutura econômica de cada um dos 68 setores que compõem o PIB possa ser representada pela função de produção Cobb-Douglas:
onde Yi,t representa o produto do setor i, Yi,t representa o estoque de capital do setor i, Li,t é o insumo trabalho utilizado no setor i e Ai,t é a produtividade total dos fatores no setor i. O parâmetro , que representa a participação da renda do trabalho na renda do setor i, foi estimado de acordo com o método proposto em Considera e Pessoa (2013). Adotando a hipótese simplificadora de que, no curto prazo, A e K não se alteram, toda a queda acumulada de produto este ano, em decorrência da crise, seria proveniente da redução das horas trabalhadas.
Com base nas respostas das empresas nas sondagens da FGV IBRE sobre a Covid-19 e nas estimativas dos parâmetros (que nos permitem identificar os setores da economia mais intensivos em mão de obra), estimamos o impacto setorial da crise tanto no PIB quanto nas principais variáveis do mercado de trabalho.
No Cenário 1, supomos que as empresas que responderam que serão (ou continuarão sendo) afetadas pela crise, reduzam suas horas trabalhadas neste ano em cerca de 25%, o que equivale a queda de 6,7% das horas trabalhadas no agregado da economia. Nesse cenário, haveria uma redução de 12,2% das horas trabalhadas na indústria e de 6% nos serviços. Utilizando a variação das horas trabalhadas como proxy para a variação da população ocupada (PO), e supondo que a População Economicamente Ativa (PEA) não se altere, a taxa de desemprego da economia encerraria o ano próxima de 18% e o PIB registraria queda de 3,4%. Os resultados estão exibidos na Tabela 1.
Tabela 1: Cenário para PIB e emprego em 2020
O Gráfico 1 exibe as trajetórias para taxa de crescimento anual da PO e das horas trabalhadas totais da economia. Nota-se que, mesmo em um cenário de queda do PIB da mesma ordem de magnitude do observado na última recessão, em termos de emprego registraremos este ano o pior resultado de toda a série histórica iniciada na década de 80. Ou seja, em nenhuma outra recessão brasileira houve uma destruição de emprego como vamos observar este ano.
Na Tabela 2, exibimos o cenário de PIB, pela ótica da oferta, por setor. Esperamos crescimento de 2,9% da produção agropecuária e queda de 5,5% na indústria, influenciada principalmente pelas retrações na indústria de transformação e na construção civil.
Tabela 2: Cenário para o crescimento do PIB em 2020 por setor
Nesse cenário, o impacto sobre a massa efetiva de rendimento é expressivo, mas será mitigado pelas políticas de transferências de renda do governo. Para dimensionar esse impacto, analisamos a Massa Ampliada de Rendimentos considerando os dois casos, com e sem transferências propostas pelo governo.
A massa ampliada de rendimentos considera, como fonte de renda, não só os ganhos provenientes da atividade econômica, mas também todos os benefícios de proteção social e benefícios previdenciários. Essa medida reflete melhor as mudanças ocorridas nas últimas décadas, marcadas por ampliação da concessão de benefícios sociais e de sua participação nos rendimentos médios das famílias. O total de rendimentos salariais com a inclusão dos benefícios assistenciais e previdenciários é denominado massa salarial ampliada.
O Gráfico 2 apresenta a Massa Ampliada de Rendimentos e indica queda da ordem de 10% em 2020 caso não houvesse uma política de compensação de renda. Incluindo as transferências (R$ 98 bilhões de auxílio emergencial para informais e beneficiários do Bolsa-Família e de R$ 51 bilhões de auxilio antidesemprego para trabalhadores formais) a queda seria reduzida para 5,2%.
Vale notar, contudo, que a coleta das sondagens foi realizada entre os dias 01 e 25 de março, incorporando apenas parcialmente o período de lockdown iniciado no dia 15. Por esse motivo, é possível que as empresas do setor de serviços não percebessem, no início do período, como a política de isolamento afetaria seus negócios. Se a coleta fosse realizada hoje, muito provavelmente as respostas no setor seriam mais pessimistas. Isto posto, construímos um cenário alternativo em que as empresas do setor de serviços que responderam que serão (ou continuarão sendo) afetadas pela crise reduzam suas horas trabalhadas este ano pela metade, o que é compatível com uma queda de 13,5% das horas trabalhadas totais da economia. Nesse cenário, a queda da população ocupada estaria concentrada principalmente no setor de serviços e não na indústria, levando a uma queda de 7% do PIB e impulsionando a taxa de desemprego para próximo dos 24%, caso a PEA se mantivesse constante. Nesse cenário, a Massa Ampliada de Rendimentos se contrairia em 19% sem intervenção do governo, e, considerando as transferências, a queda seria reduzida para 13,8%.
Mas, de qualquer forma, ambos cenários mostram que as medidas adotadas pelo governo para compensar a perda de renda apenas atenuam o choque, mas são insuficientes para evitar a queda de renda das famílias brasileiras.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Referências:
Considera, C. M., & Pessoa, S. D. A. (2013). A distribuição funcional da renda no Brasil no período 1959-2009.
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