É inoportuno reduzir a meta de inflação no contexto atual
Consideramos inoportuno reduzir a meta de inflação no contexto atual. Em 2018, nós escrevemos um post neste blog argumentando porque achávamos que já era um erro diminuir mais a meta de inflação naquela ocasião. O artigo foi publicado em meio a um debate acadêmico sobre a conveniência de redução da meta de inflação em um momento de deterioração das contas públicas, contexto semelhante ao que acontece agora. Para amparar nosso argumento, fizemos uma pesquisa que culminou no artigo “Inflation Targeting under Fiscal Fragility”, em que concluímos que uma meta mais alta i) reduz a probabilidade de a autoridade monetária cair em dominância fiscal e ii) ajuda a coordenar expectativas de inflação, reduzindo os juros reais de equilíbrio.
Desde 1998, o regime de metas de inflação apoia o Banco Central do Brasil em sua tarefa de coordenar as expectativas do mercado em direção à estabilidade de preços. No entanto, ocasionalmente, as expectativas de inflação perdem sua âncora e divergem da meta anunciada. Em 2002, isso aconteceu quando ficou claro que o ex-presidente Lula ganharia a eleição com uma plataforma de esquerda. Baseado nesse episódio, nós modelamos a perda de credibilidade da política monetária em momento de fragilidade fiscal. No nosso modelo, a decisão da autoridade pública de desviar da meta é o resultado do trade-off entre os benefícios do uso da inflação para permitir maior gasto público e os custos econômicos associados ao desvio inflacionário. Em momentos em que a dívida é alta e há pouco espaço fiscal, aumentam os incentivos para a autoridade pública usar inflação como forma de atingir o nível de gasto almejado no curto prazo.
Com a dívida caminhando para níveis recordes, deteriora-se o suporte fiscal da política monetária. Algumas casas já preveem níveis de dívida excedendo 100% do PIB. Existe, portanto, a possibilidade de um choque de expectativa adverso acontecer, o que se traduz em um aumento do custo da dívida e em uma redução do gasto com bens públicos. Essa conclusão faz parte do nosso modelo, em que um aumento da dívida é associado a um risco maior de sofrer um choque adverso que retira a credibilidade da política monetária. Nessa hora, uma meta mais alta faz diferença.
O aumento da meta da inflação como mecanismo de coordenar expectativas foi usado no Brasil em 2002 e 2003. Junto com a redução da dívida/PIB e mudança no mix da dívida, o aumento da meta ajudou a ancorar as expectativas de inflação. Também no exterior, uma meta mais alta é associada a uma redução da probabilidade de estourá-la e a um desvio menor do seu centro. Essas duas observações vêm de um painel de dados, composto por 21 países com pelo menos 15 anos de regime de metas de inflação e dão suporte empírico ao nosso modelo.
Não podemos analisar política monetária no Brasil sem levar em conta a situação fiscal ruim do país. A política monetária não é uma bala de prata e tem que ser acompanhada de um esforço fiscal que sustente a credibilidade do regime de metas. Em tempo de crescimento acelerado do endividamento público, agravado pela crise associada ao covid-19, é aconselhável a manutenção da meta em 3.5%. Como argumentamos, metas de inflação mais altas ajudam a reduzir o risco de sofrer crises de confiança quando a situação fiscal está ruim.
As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV ou de qualquer outra instituição à qual os autores estão afiliados.
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