Macroeconomia

25 anos do Plano Real

23 jul 2019

A inflação alta foi um grave problema no Brasil durante vários anos, com diversos planos tentados (e fracassados). De acordo com Giambiagi (2011),[1] antes do Plano Real, houve cinco planos (frustrados) de estabilização: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). O congelamento dos preços foi uma medida comum em alguns desses planos, o que não se mostrou eficiente no combate à inflação.

As causas da hiperinflação no país costumam ser relacionadas ao aumento dos gastos públicos durante o governo militar, elevação do endividamento externo, crise mundial (aumento dos preços do petróleo), queda nas taxas de crescimento do PIB, entre outras. O Gráfico 1 mostra a inflação em 12 meses (IGP-DI, calculado pela FGV) desde os anos 40, mostrando os picos de quase 7000% de inflação no final da década de 1980 e 5000% nos anos 1990.

De acordo com Míriam Leitão, “quando eu quis dimensionar no livro ‘Saga Brasileira’ o tamanho do tormento vivido pelo país, escolhi a conta da inflação acumulada entre dezembro de 1979 e dezembro de 1994. Incluí os primeiros seis meses do plano porque, como não houve congelamento, a taxa ficou ainda alta, apesar de declinante. Naqueles tumultuados 15 anos, o Brasil teve 13 trilhões e 342 bilhões por cento de inflação”.

Segundo o site do Banco Central, “o Plano Real foi um processo de estabilização econômica iniciado em 1993 e o seu sucesso representou a quebra da espinha dorsal da inflação no Brasil”. O Gráfico 2 mostra a taxa de variação em 12 meses do IPCA, a inflação oficial do Brasil, calculada pelo IBGE. Em junho de 1994, mês anterior do lançamento do Plano Real, a inflação em 12 meses foi de quase 5000%, sendo reduzida para cerca de 30% um ano depois, tendo encerrado o ano (1995) em 22,4%. E o Gráfico 3 mostra as taxas anuais de inflação desde 1996, sendo a menor (nesse período) em 1998 (1,7%), e a maior (12,5%) em 2002. A média de inflação entre 1996 e 2018 foi de 6,4%, mostrando o quanto o Plano Real foi bem-sucedido no combate à inflação.

Segundo definição no site do Banco Central sobre o Plano Real, “a Unidade Real de Valor foi a 'quase' moeda utilizada exclusivamente como padrão de valor monetário (unidade de conta). A URV foi utilizada por quatro meses até o início da vigência do Real, em 1º de julho de 1994. Para facilitar a adoção do futuro padrão monetário, vários preços e valores contratuais foram gradualmente convertidos de Cruzeiros Reais para URVs, cuja cotação era atualizada por meio de comunicado diário do BC. Os primeiros preços a serem convertidos em URV foram os salários, os benefícios da seguridade social e os contratos do setor público. Em 1º de março de 1994, a primeira cotação da URV era CR$647,50. Com a atualização diária, eram necessários cada vez mais Cruzeiros Reais para converter em uma URV. Os preços das mercadorias e serviços eram denominados em URV e pagos em cruzeiros reais. As correções diárias da URV terminaram em 30 de junho de 1994, quando o BC estabeleceu que CR$2.750 equivaliam a uma URV. No dia 1º. de julho de 1994, uma URV foi convertida em R$1,00 (um Real) e deixou de existir, ou seja, C$2.750 passaram a valer R$1,00 e todos os preços da economia passaram a ser denominados exclusivamente em reais. O novo dinheiro brasileiro já tinha sido emitido e distribuído pelo BC e podia atuar plenamente como moeda.? Os preços, uma vez convertidos em URV, pouco se elevaram, enquanto o correspondente em cruzeiros reais elevava-se todos os dias.  Esperava-se que os agentes economicos aprendesse a não ajustar os preços com base na inflação passada. Assim, a URV serviu para travar a chamada inflação inercial. Em julho de 1994, todos os preços em URV foram convertidos na nova moeda, o real. Uma URV valia um real, e a URV foi extinta”.

Segundo Castro (2011, p. 159-60),[2] “as condições extremas para a estabilização eram muito melhores em 1994 do que nos anos de 1980. Havia abundancia de liquidez internacional e um elevado patamar de reservas (US$ 40 bilhões). Além disso, na década de 1990 a economia brasileira se tornou mais aberta”. Além disso, “a estratégia da URV provou ser muito superior à de desindexação via congelamento de preços. Enquanto o último provocava uma série de desajustes nos preços relativos, a URV previa um período para o alinhamento destes preços”, e o “governo contava com o apoio político do Congresso e uma perspectiva de continuidade com o presidente FHC”.

Para Giambiagi (2011, p. 168), “o Plano Real foi muito bem-sucedido no controle da inflação: contrariamente ao que tinha acontecido previamente, quando após alguns meses a inflação voltava mais forte, as taxas de variação anual dos preços caíram continuamente entre 1995 e 1998. O problema é que, paralelamente a esse êxito, a gestão macroeconômica deixava dois flancos expostos, que estavam se agravando a olho nu: um desequilíbrio externo crescente e uma série crise fiscal”. Ainda para o autor, “entre o final de 1994 e o ano de 1998, o mercado financeiro internacional foi sacudido por três crises importantes”: México (1994), Ásia (1997) e Rússia (1998), sendo que “em todas elas, o Brasil foi seriamente afetado pelo ‘efeito contágio’ associado à redução dos empréstimos aos países ditos ‘emergentes’, que sobreveio a cada crise” (GIAMBIAGI, 2011, p. 175). 

Segundo Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e integrante da equipe responsável pela criação e implementação do Plano Real, “como se sabe, o superávit primário só apareceu para ajudar em 1998, quando o trabalho já estava praticamente completo, de modo que, depois de julho de 1994, a autoridade monetária teve de utilizar as políticas monetária e cambial em gradações elevadas, conforme necessário, para completar sua missão, pois não se abandona o crack parcialmente. Esta segunda fase levou vários anos. A inflação caiu abaixo de 20% anuais apenas em abril de 1996, 22º mês da nova moeda; abaixo de 10% só em dezembro, 30º mês; e abaixo de 5% em janeiro de 1998, o 43º mês. Em 1998, a inflação foi a menor desde a criação do BCB: 1,6% anual. Foi quando a estabilização se completou”.

Sobre o setor externo, houve um déficit em conta corrente médio de 3,0% do PIB entre 1994 e 2002, com quatro anos de superávit (2003-2006), e depois volta de déficit nos últimos onze anos. Porém, o déficit que foi de 4,1% em 2014, foi de 0,8% ano passado (Gráfico 4). Sobre as reservas internacionais (Gráfico 5), passaram de US$ 39 bilhões em 1994 para quase US$ 400 bilhões atualmente. Ou seja, a vulnerabilidade externa que o país tinha no passado, e prejudicou a economia nos anos iniciais do Plano Real, com as três crises internacionais (1994, 1997 e 1998), já mudou e o Brasil está numa situação bem melhor, principalmente devido à grande quantidade de reservas internacionais, o que é bastante positivo para a economia.     

Se o desequilíbrio externo já foi superado, o desequilíbrio fiscal ainda não, e por isso que a reforma da previdência é tão importante e discutida no momento, sendo essencial para o futuro do país resolver esse grave problema fiscal, com cinco anos consecutivos de déficit primário (2014-2018) e a dívida bruta tendo crescido de 50% do PIB no final de 2013 para quase 80% atualmente.[3]

O Gráfico 6 mostra a evolução das receitas e despesas do Governo Central. Os benefícios previdenciários do RGPS, por exemplo, passaram de menos de 5% do PIB em 1997 para quase 9% atualmente, o que correspondia a 35% das despesas primárias em 1997 e equivale a quase 45% hoje em dia. Por isso a importância e urgência da reforma da previdência.

Nesses 25 anos do Plano Real (1994-2018), o PIB brasileiro cresceu, em média, 2,5% ao ano (Gráfico 7). Já o PIB per capita, 1,2% ao ano, em média (Gráfico 8), com uma taxa média de investimentos de 18,4%. Atualmente, os números são piores do que a média, já que o PIB cresceu ano passado 1,1% (0,4% foi o crescimento do PIB per capita), e as expectativas de crescimento do PIB para esse ano, segundo as expectativas de mercado do Boletim Focus, estão inferiores à 1,0%. A taxa de investimentos no 1T19 foi de 15,5%, também abaixo da média desse período, e no menor nível dos últimos 50 anos. A taxa de desemprego média no período 1996-2018 foi próxima de 9%,[4] abaixo do desemprego atual (12,3%).

A introdução do Regime de Metas de Inflação em 1999 também foi um marco importante na história economica brasileira. Segundo Giambiagi (2011, p. 187), após o binomio privatização/abertura no início da década de 19990, bem como a estabilização da inflação com o Plano Real, houve dois grandes desequilíbrios (externo e fiscal) que “gerava a impressão de que uma crise estava à espera do país – o que de fato ocorreu – funcionando como um entrave às decisões de investimentos”. Portanto, no segundo mandato do Governo FHC (1999-2002), houve uma tríplice mudança de regime (cambial –  introdução do câmbio flutuante, Gráfico 9  -,[5] monetário e fiscal). De acordo com Giambiagi (2011, p. 188), “até 1998, sempre que o Brasil viveu alguma grande crise, esteve presente pelo menos um dos três seguintes elementos: alta inflação, crise externa e/ou descontrole fiscal. (...) Com as medidas de 1999, o país passou a ter condições de enfrenrtar cada um desses problemas: se a inflação preocupa, o BC atua através do instrumento da taxa de juros; se há uma crise de BP, o câmbio se ajusta e melhora a conta corrente; e se a dívida cresce, há que se ‘calibrar’ o superávit primário. Com isso, tem-se os elementos para atacar os principais desequilíbrios macroeconômicos de forma integrada. Até então, os governos tinham muitas vezes gerado diversos desequilíbrios, enquanto que o balanceamento entre os novos instrumentos a partir de 1999 permite dar conta do conjunto dos desafios e aspirar a ter inflação baixa, equilíbrio externo e controle fiscal”. Nos vinte anos de metas de inflação (1999-2018), a taxa básica de juros (Selic) recuou de 17% na média da primeira década para 10% na média da segunda década. Desde março de 2018, está no nível mínimo histórico (6,5%).  

Portanto, segundo o Banco Central, “inflação baixa, estável e previsível traz vários benefícios para a sociedade. A economia pode crescer mais, pois a incerteza na economia é menor, as pessoas podem planejar melhor seu futuro e as famílias não têm sua renda real corroída”, o que só ocorreu graças ao Plano Real, há 25 anos atrás!! E, com essa estabilidade da inflação, houve as políticas sociais dos anos seguintes e as melhoras dos indicadores sociais. Segundo Giambiagi (2011, p. 229),[6] “a partir da estabilização da economia, em 1994, houve no Brasil uma melhora importante em diversos indicadores sociais e de equidade. Esses resultados se intensificaram ao longo da década de 2000”, como a diminuição da distancia entre os mais ricos e os mais pobres; melhoria do índice de Gini e do IDH; entre outros.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Assista também o Bate-Papo FGV l Os 25 anos do Plano Real, com Marcel Balassiano.

 


[1] Giambiagi, F. (2011). “Estabilização, Reformas e Desequilíbrios Macroeconômicos: Os Anos FHC”. In.: Giambiagi, F.; Villela, A.; Castro, L. B.; Hermann, J. (orgs), Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010).   

[2] Castro, L. (2011). “Privatização, Abertura e Desindexação: a Primeira Metade dos Anos 90 (1990-1994)”. In.: Giambiagi, F.; Villela, A.; Castro, L. B.; Hermann, J. (orgs), Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010).   

[3] De acordo com as projeções da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, no cenário sem reforma, o país voltaria a entrar em recessão já em 2021, e a taxa de desemprego subiria mais ainda, passando dos 15% em 2023. Com a reforma, o PIB cresceria mais de 3,0% em 2023, ainda segundo essas projeções. Sempre é bom lembrar que a reforma da previdência é uma condição necessária, mas não suficiente, para a retomada mais forte da atividade econômica do país no futuro. Sem a reforma, os déficits vão ser cada vez maiores, a dívida crescendo, o risco aumentando, a confiança caindo, a atividade econômica se retraindo, e o desemprego cada vez maior. A inflação, que está numa situação bastante confortável (2019 deve ser o terceiro ano de inflação abaixo da meta), bem como a taxa básica de juros nos menores níveis históricos, não permaneceriam nesses patamares. Com a reforma, os déficits vão sendo cada vez menores, a dívida se estabiliza, a confiança vai aumentando, crescendo o PIB e gerando mais empregos. Aliado a isso, uma melhora no ambiente de negócios, pode ajudar a uma recuperação mais forte da economia brasileira.  

[4] Utilizando-se os dados retropolados pelo IBRE/FGV desde 1996, e Pnad Contínua do IBGE, desde 2012.

[5] Observação do autor (Balassiano, 2019). No período 1994-98, a taxa nominal de câmbio oscilou pouco, conforme o Gráfico 9.  A partir de 1999, com o câmbio flutuante, a taxa oscilou bastante ao longo dos anos.

[6] Giambiagi, F. (2011). “Rompendo com a Ruptura: o Governo Lula (2003-2010)”. In.: Giambiagi, F.; Villela, A.; Castro, L. B.; Hermann, J. (orgs), Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010).   

Comentários

Anônimo
Anônimo
Anônimo
Fernando
Parei de ler quando citaram Miriam Leitão

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