Macroeconomia

Ainda o tema dos caminhões: debate com Bráulio Borges

22 jun 2018

Bráulio argumentou em dois posts neste Blog do Ibre (aqui e aqui) que não há sinais de que a crise dos caminhoneiros tenha sido influenciada pela política pública do período 2012-2014 de forte subsídio à aquisição de caminhões. Que o subsídio do BNDES ao setor não teve efeito sobre a oferta de caminhões em 2018 e, portanto, não tem nenhuma responsabilidade nos problemas enfrentados pelo setor.

Tive dificuldade de entender o argumento de Bráulio, mas parece-me que foi o seguinte: o subsídio no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) entre 2012 e 2014 aumentou, sim, a oferta de caminhões. Isto é, a demanda de caminhões é sensível a preços. No entanto, simultaneamente, houve uma mudança regulatória para reduzir a emissão de poluentes dos motores dos caminhões, elevando o custo, o que compensou em parte a expansão da oferta via PSI. No final de 2015, havia claramente um excesso de oferta, mas este excesso não era muito elevado, porque a nova regulação, como afirmei, elevou o custo de aquisição dos novos caminhões. Adicionalmente, a aquisição de novos caminhões de 2015 até 2017 caiu tanto, em função da crise, que em 2018 não haveria mais excesso de oferta.

Se a minha compreensão do argumento do Bráulio – sintetizada no parágrafo acima – estiver correta, fica claro que ele trabalha com o que considera um “tamanho normal” da frota. A resultante dos três efeitos – PSI, nova regulação, e baixa renovação da frota de 2015-2017 – foi, segundo Bráulio, a de manter a frota em 2018 não muito diferente do que seria esse “tamanho normal”.

Já em minha coluna, considerei uma situação contrafactual em que a política do PSI não existisse. Bráulio e eu concordamos que, se a política não existisse, a quantidade de caminhões em 2018 seria menor e, portanto, o preço de fretes seria maior, e os problemas para o setor seriam menores. Se essa menor quantidade de caminhões seria inferior ou não ao “tamanho normal” da frota, tal como estipulado por Bráulio, não foi tema do qual eu tenha tratado.

Bráulio considera que esse debate tem que ser travado tendo como parâmetro esse “tamanho normal” da frota. Mas não foi nesses termos em que eu coloquei a discussão. Nos meus termos, parece-me que minha afirmação fica de pé. Isto é, num cenário contrafactual sem o PSI, haveria menos caminhões, fretes mais altos e menor insatisfação dos caminhoneiros.

Adicionalmente, tenho a impressão de que Bráulio não contestou a afirmação quantitativa que fiz na minha coluna. Escrevi na Folha de São Paulo, no domingo, 27 de maio:

“O programa de crédito muito barato persistiu até o primeiro mandato da presidente Dilma. De 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%. A economia, no mesmo período, cresceu 11%”.

Bráulio simplesmente estabeleceu os termos em que deseja fazer o debate: definiu o conceito de “frota normal” e disse que o período a ser considerado é de 2012 a 2014. Em seguida, afirmou que, nos seus termos, não procede a minha afirmação de que o excesso de caminhões, parcialmente explicado pelo PSI, é causa relevante da recente crise. Na verdade, ele quer dizer que não há excesso, comparado com o “tamanho normal” que estipulou.

Minha afirmação pode não proceder nos termos de Bráulio, que compara a frota com o que seria o seu nível “normal”, mas procede nos meus, pelos quais simplesmente constato que o atual tamanho da frota jogou os fretes para um nível altamente insatisfatório para os caminhoneiros, levando a uma greve virulenta que trouxe problemas muito sérios à economia. E que se não houvesse os excessos praticados de 2009 até 2014 o frete não estaria tão barato, pois a frota seria menor.

Note que, para estabelecer que o frete esteja barato, não se pode olhar o seu valor, uma vez que ele pode ter subido em função da elevação dos custos variáveis da atividade. É necessário olhar a margem do setor. Reportagem no jornal O Estado de São Paulo publicada na terça-feira, dia 5 de junho, baseando-se em pesquisa da consultoria Ilos, documenta forte queda da margem no período.

E há mais um ponto interessante, como fica claro no trecho aqui citado de minha coluna: para mim, a política pública que considero excessiva começou em 2009 e não em 2012, como alega Bráulio. É verdade que as taxas de juros do PSI no período anterior, de 2009 até 2011, não foram tão baixas quanto no período subsequente. No entanto, os volumes de empréstimos para aquisições de caminhões já foram bem elevados no período 2009-2011. Este e outros temas são tratados neste informativo e didático post de Rodrigo Godoy Coelho. Recomendo a leitura aos interessados.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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