Análise do MEI: Evolução, características socioeconômicas e sustentabilidade fiscal
Diante do diagnóstico apresentado, fica evidente que a política do MEI precisa ser reformulada de modo a atingir seu propósito original de inclusão previdenciária dos trabalhadores autônomos de baixa renda.
1. Introdução
Ao longo dos últimos anos, o número de trabalhadores por conta própria tem aumentado de forma considerável. Depois de ter diminuído em 2020 devido às restrições associadas à pandemia, o trabalho autônomo voltou a crescer fortemente desde 2021. Embora o aumento do empreendedorismo possa ter várias consequências positivas para o mercado de trabalho e para a economia, uma grande parcela desses trabalhadores não possui proteção social ou registro formal como empresa, o que limita seu potencial de crescimento.
Uma forma possível de formalização desses trabalhadores é por meio do registro como microempreendedor individual (MEI). Criado em 2008 (Lei Complementar 128), o programa tem como objetivo estimular a inclusão previdenciária de trabalhadores autônomos de baixa renda e a formalização de pequenos empreendimentos.
São elegíveis os trabalhadores por conta própria com no máximo um empregado e receitas anuais que não excedam R$ 81.000 no ano anterior.[1] A contribuição previdenciária corresponde a 5% do salário mínimo e assegura ao trabalhador um benefício previdenciário de um salário mínimo. Além da baixa contribuição previdenciária, o MEI também obtém um registro formal (CNPJ) que fornece todos os benefícios oferecidos para as empresas formais, como acesso ao crédito e ao Sistema Judiciário. O MEI também paga impostos de uma maneira simplificada e com taxas bastante reduzidas.
Com tantos benefícios, não é surpreendente que o MEI tenha crescido rapidamente desde sua criação e principalmente nos últimos anos, tendo acelerado ao longo da pandemia, com uma média de 1,8 milhão de novos inscritos a cada ano entre 2019 e 2022. Em 2022, o número de inscritos no MEI atingiu o número expressivo de 14,8 milhões.
No entanto, devido ao elevado subsídio previdenciário, existem sérias preocupações quanto à sua sustentabilidade fiscal (Costanzi e Sidone, 2022). Além disso, pesquisas recentes apontam problemas de focalização, com evidências de que os registrados no MEI têm escolaridade e renda acima da média dos trabalhadores brasileiros (Costanzi e Ansiliero, 2017). Uma avaliação do MEI conduzida pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) do governo federal e divulgada em 2022 obteve conclusões semelhantes (CMAP, 2022).
Esses resultados são preocupantes, já que um programa fortemente subsidiado como o MEI deveria ser voltado para trabalhadores autônomos de baixa renda. Além disso, é preciso avaliar se o elevado subsídio coloca em risco a sustentabilidade fiscal do programa. Neste sentido, este artigo analisa alguns aspectos de focalização e sustentabilidade fiscal do MEI, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e informações de registros administrativos.
Além desta introdução, o artigo está organizado da seguinte forma. A segunda seção apresenta a evolução e algumas características socioeconômicas do MEI. A terceira seção analisa a sustentabilidade fiscal do MEI. A quarta seção apresenta algumas considerações finais.
2. Evolução e características socioeconômicas do MEI
Embora a PNAD Contínua não forneça informações específicas sobre os trabalhadores do MEI, podemos tentar caracterizar esse grupo a partir de três informações da pesquisa.[2] Em particular, usaremos uma proxy para o MEI composta por trabalhadores por conta própria que contribuem para o sistema previdenciário e possuem CNPJ.[3] No entanto, como veremos adiante quando analisarmos os dados administrativos, uma grande parcela dos trabalhadores do MEI não contribui regularmente para a previdência social. Neste sentido, nossa proxy refere-se ao subconjunto de trabalhadores do MEI que contribuem para a previdência.
O Gráfico 1 mostra a evolução do número de MEI e do conjunto de trabalhadores por conta própria desde o último trimestre de 2015 até o terceiro trimestre de 2022.[4] Podemos notar que o número de trabalhadores por conta própria passou de 22,4 milhões de pessoas no final de 2015 para 24,3 milhões de pessoas no último trimestre de 2019. No entanto, com a pandemia o número de trabalhadores por conta própria caiu drasticamente, chegando a atingir em torno de 21,3 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2020. Passada a fase mais crítica da pandemia, houve forte recuperação do número de trabalhadores por conta própria, e no terceiro trimestre de 2022 o contingente desses trabalhadores foi de 25,7 milhões.
Já o número de MEI passou de 3,2 milhões de trabalhadores no final de 2015 para 5,0 milhões no terceiro trimestre de 2022. Podemos notar ainda que, ao contrário do conjunto de trabalhadores por conta própria, o crescimento do MEI não foi afetado pela pandemia.
Gráfico 1: Evolução do MEI e dos trabalhadores por conta própria no Brasil
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
Com isso, a participação dos trabalhadores do MEI no total de pessoas ocupadas aumentou consideravelmente ao longo dos últimos anos, passando de 3,5% no último trimestre de 2015 para 5,1% no terceiro trimestre de 2022 (Gráfico 2). Neste mesmo período a proporção de trabalhadores por conta própria no total de ocupados passou de 24,3% para 25,9%.
Gráfico 2: Participação do MEI e dos trabalhadores
por conta própria (% do total da população ocupada)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
A seguir, iremos analisar as características socioeconômicas dos trabalhadores do MEI, com base na proxy que considera como MEI os trabalhadores por conta própria que contribuem para a previdência social e possuem CNPJ. Compararemos esse grupo com o conjunto dos trabalhadores por conta própria (incluindo o MEI), os empregados formais do setor privado (com carteira de trabalho assinada) e informais do setor privado (sem carteira assinada), em relação a gênero, idade, escolaridade, renda e região de residência.
O Gráfico 3 mostra que a composição de gênero dos trabalhadores do MEI é muito semelhante à observada entre os empregados formais, com cerca de 60% de homens. Já os trabalhadores por conta própria têm uma proporção maior de homens (65,1%), assim como os empregados informais (66,7%).
Gráfico 3: Composição por gênero dos empregados
formais e informais, conta própria e MEI. 3º trimestre de 2022 (em %)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
No Gráfico 4 podemos notar os trabalhadores do MEI têm uma proporção na faixa etária de 30 a 49 anos (56,5%) próxima da observada para os empregados com carteira assinada (52,6%) e maior que dos trabalhadores por conta própria (48,4%). Em comparação com os trabalhadores com carteira assinada, o grupo do MEI tem uma proporção consideravelmente maior acima dos 49 anos e uma fração bem menor entre 14 e 29 anos.
Gráfico 4: Composição etária dos empregados formais e informais,
conta própria e MEI. 3º trimestre de 2022 (em %)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
O Gráfico 5 mostra que a composição da escolaridade do MEI é semelhante à observada para os empregados formais. Em particular, 74,7% dos MEI possuem pelo menos o ensino médio completo (inclusive superior), enquanto que a proporção correspondente para os empregados com carteira assinada é de 73,9%. Mas a parcela do MEI com ensino superior completo (31,3%) é maior que dos trabalhadores com carteira (22,4%). Os trabalhadores do MEI têm uma média de escolaridade de 12,2 anos de estudo, que é maior que a escolaridade dos empregados formais (11,8 anos de estudo) e muito superior à média dos trabalhadores por conta própria (10,1). Isso indica que, mesmo sendo altamente subsidiado, o programa do MEI não é voltado para trabalhadores com baixa escolaridade.
Gráfico 5: Composição educacional dos empregados formais
e informais, conta própria e MEI. 3º trimestre de 2022 (em %)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
A composição por faixa de renda do trabalho das diferentes categorias de trabalhadores é apresentada no Gráfico 6. Mais da metade (56,4%) dos trabalhadores do MEI ganha mais de dois salários mínimos, proporção bem superior à dos empregados formais (32%). Apenas 11,4% dos trabalhadores do MEI ganham menos que um salário mínimo. Por outro lado, uma grande parcela dos trabalhadores por conta própria (39,8%) ganha menos de um salário mínimo, a qual é próxima da proporção entre os empregados informais (44,9%). Os trabalhadores do MEI possuem maior renda mensal do trabalho (R$ 3.783) em comparação com os trabalhadores por conta própria (R$ 2.183), informais (R$ 1.864) e até com carteira assinada (R$ 2.650). Isso reforça a evidência de que o programa do MEI não é direcionado aos trabalhadores mais vulneráveis.
Gráfico 6: Composição por faixa de renda do trabalho dos empregados
formais e informais, conta própria e MEI. 3º trimestre de 2022 (em %)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
O Gráfico 7 apresenta a composição regional das diferentes categorias de trabalhadores. Podemos observar que os trabalhadores do MEI estão mais concentrados nas regiões mais ricas (Sul e Sudeste) em comparação com os trabalhadores por conta própria e têm padrão geográfico similar ao dos empregados com carteira assinada. Já os trabalhadores por conta própria e os empregados informais estão mais concentrados nas regiões mais pobres (Norte e Nordeste).
Gráfico 7: Composição regional dos empregados formais
e informais, conta própria e MEI. 3º trimestre de 2022 (em %)
Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.
3. Sustentabilidade fiscal do MEI
Conforme discutido anteriormente, o programa MEI foi criado em 2008 e expandiu-se consideravelmente, especialmente nos últimos anos. A seguir iremos discutir essa evolução usando dados administrativos e analisaremos sua sustentabilidade fiscal.
Acesse o artigo completo no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
[1] Também existem restrições em relação às ocupações que são permitidas. O Portal do Empreendedor (https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/empreendedor) apresenta uma lista das ocupações elegíveis.
[2] Uma exceção foi o Suplemento Especial da PNAD 2014, que incluiu algumas perguntas sobre inscrição no MEI e inclusão produtiva.
[3] Costanzi e Sidone (2022) utilizam procedimento semelhante para caracterizar os trabalhadores do MEI com base nos dados da PNAD Contínua.
[4] Embora a PNAD Contínua tenha sido criada em 2012, para caracterizar os trabalhadores do MEI são necessárias informações sobre a inscrição no CNPJ, que só são fornecidas a partir do último trimestre de 2015.
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