Atividade melhora no curto prazo, mas a aceleração inflacionária antecipa o fim dos estímulos monetários
A experiência internacional sugere que, no Brasil, o terceiro trimestre deve ser marcado por um avanço significativo da vacinação, com repercussões positivas sobre o ritmo e o perfil de recuperação da economia. Mas ainda há riscos pandêmicos, fiscais e inflacionários.
A vacinação segue sendo a principal alavanca da retomada econômica global, cuja robustez tem sido confirmada em indicadores divulgados mais recentemente. Ao todo, pouco mais de um quinto da população global recebeu pelo menos uma dose de vacina contra a COVID-19. Os países desenvolvidos se destacam nesse processo, pelo rápido avanço da vacinação, que tem permitido abrir suas economias, sem perda de controle sobre a disseminação do vírus.
O processo de recuperação se iniciou na China, com o controle da pandemia desde quase o seu início. Vieram, em seguida, o Reino Unido, Israel, EUA e alguns países do Oriente Médio. Os países europeus, após um início muito lento, também têm conseguido acelerar a imunização, e, mais recentemente, esse processo está avançando também nos países emergentes. A disponibilidade global de vacinas está aumentando e as novas doses produzidas devem ser destinadas principalmente aos países em desenvolvimento.
A experiência internacional sugere que, no Brasil, o terceiro trimestre deve ser marcado por um avanço significativo da vacinação, com repercussões positivas sobre o ritmo e o perfil de recuperação da economia. Essa projeção não está, no entanto, isenta de riscos: há alguma incerteza sobre a capacidade de se controlar adequadamente a pandemia, mesmo com o avanço da vacinação. Isso pois utilizamos um mix de vacinas diferente daquele dos países acima mencionados, em especial os avançados. O caso chileno ilustra bem esse risco, sendo um caso em que, mesmo com uma parcela significativa da população vacinada, os números de casos e de mortes seguem altos, impondo a necessidade de novas medidas restritivas à mobilidade e à atividade econômica.
Atualmente, os números de novos casos e mortes no Brasil têm se mantido em patamares muito altos. Segundo os dados da Worldometer, as médias móveis de sete dias de óbitos e de novos infectados subiram para 2 mil e de 72 mil por dia, respectivamente, acelerando em relação ao início de junho, na contramão da tendência mundial. A taxa de ocupação de UTIs também está aumentando em vários estados, um alerta que não deve ser desprezado.
Com isso, Brasil assume a décima posição em termos de número de mortes per capita, indicador que atingiu a marca de 2.318 óbitos por milhão de habitantes em 17 de junho. Algo que chama atenção é que, entre os 20 primeiros do ranking, há diversos países da Europa do Leste e muitos da América Latina. O resultado é particularmente desabonador para os países latino-americanos, onde a proporção de pessoas com 65 anos ou mais na população total é comparativamente baixa. Como o Brasil, vários países na região enfrentam novas ondas de contaminação, reforçando o destaque muito negativo da América Latina, incluindo o Brasil, nessa tragédia mundial.
A boa notícia está relacionada ao ritmo de vacinação. Após um recuo em maio, houve aceleração significativa nas últimas semanas. Há estoque suficiente para se poder aplicar uma média de um milhão de doses por dia. Um ritmo que pode acelerar ainda mais no terceiro trimestre, quando aumentarão os estoques disponíveis.
A despeito da intensificação da pandemia no Brasil, a atividade tem se mostrado bem mais resiliente do que o previsto. Os principais indicadores de mobilidade relacionados à atividade econômica já retornaram ao patamar pré-pandemia, ainda que com a recuperação muito heterogênea entre os setores.
Revisamos nossa projeção de crescimento do PIB este ano de 4,2% para 4,8%. Projetamos crescimento de +0,1% no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior.
Porém, no curto prazo, o cenário é ainda muito desafiador, não apenas em relação ao controle da pandemia, mas também às dificuldades relativas à oferta de energia, com impactos inflacionários severos, tornando o cenário para inflação ainda mais preocupante. Revisamos a projeção de inflação este ano para 6,4%, ainda que mantendo a do ano que vem em 3,7%. No entanto, esperamos uma taxa Selic de 6,5% ainda este ano, em um ciclo que deve terminar com a taxa básica em 7,5% no início de 2022.
Não podemos deixar de mencionar que é possível construir um cenário mais otimista, desde que a vacinação e a dinâmica do surto permitam uma recuperação mais forte dos setores de serviços mais intensivos em trabalho. A ver.
Para o próximo ano, nossos modelos apontam desaceleração do crescimento, para 1,7%, explicada pelo menor carregamento estatístico, estimado em 0,5 p.p., o fim dos estímulos monetários e fiscais e, no front internacional, uma desaceleração do crescimento mundial e dos preços de commodities, com destaque para o arrefecimento da demanda chinesa.
A escalada inflacionária em nível global tem surpreendido consistentemente. Os gargalos de oferta, os baixos estoques e a elevada demanda contribuem para um aumento generalizado de preços de bens industriais e de alimentos. E a abertura das economias tem gerado aumento de preços de alguns serviços também.
Nos EUA, os membros do Federal Reserve (Fed) indicaram este mês que esperam duas elevações das taxas de juros no fim de 2023, mais cedo do que projetado anteriormente. A redução dos estímulos monetários nos EUA, movimento que no passado derrubou preços de ativos e trouxe volatilidade às economias emergentes, volta ao radar, podendo impactar o processo de recuperação dos países emergentes, bem antes de essas economias retomarem o nível e a tendência de crescimento do PIB anterior à pandemia.
No front doméstico, os efeitos econômicos e sociais da pandemia elevaram o risco de uma flexibilização adicional do regime fiscal do teto de gastos. A despeito da recuperação da economia, a geração de emprego e renda tem sido o grande desafio este ano. Consequentemente, o governo deve prorrogar o auxílio emergencial por mais três meses, além de iniciar discussões sobre a permanência do Pronampe e a ampliação do Bolsa Família.[1] Enquanto a pandemia não for totalmente superada, a pressão por ajustes fiscais estruturais diminui. A disputa eleitoral também pode levar à adoção de uma política fiscal mais expansionista. Os riscos fiscais continuam no radar.
Este é o sumário do Boletim Macro Ibre de junho de 2021.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Linhas de crédito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com garantias do governo.
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