Macroeconomia

Autorizações ferroviárias: um passo certo

1 out 2021

Outorga por autorização em ferrovias será muito benéfica, como já se vê em outros setores, liberando poder público da amarra do uso exclusivo da concessão.  Autorização reduz carga regulatória e dá mais liberdade para definir projeto e prazo maior para amortizar investimentos.

Desde a década passada, o Brasil se esforça para elevar a proporção de carga transportada por ferrovias. É fácil entender a lógica disso: para distâncias grandes, como as nossas, e cargas pesadas, como é o caso de grande parte das que hoje viajam de caminhão, o custo do modal ferroviário é metade, ou menos, do rodoviário. Assim, para além do retorno obtido pelos investidores nos novos projetos, dos seus fornecedores e dos trabalhadores neles ocupados, ganham os consumidores domésticos e a competitividade externa, beneficiados por menores custos logísticos.

A sociedade também ganha, e muito, por o transporte ferroviário gerar menos externalidades negativas que o rodoviário: menores emissões de CO², menos acidentes, menores perdas de biodiversidade, menos congestionamento, etc. Estimativas para a Europa colocam os custos desses impactos adversos em 68 euros por ml tonelada/km no transporte rodoviário, contra 6,7 euros quando a carga é levada por trem.

Trata-se, portanto, de um movimento na direção certa. Para realizá-lo, tem-se recorrido a dois tipos de iniciativas. Um é viabilizar novos projetos, em especial, em regiões pouco atendidas, por razões históricas, pelas ferrovias. O outro é promover reformas regulatórias que aumentem a eficiência do setor e tornem os investimentos mais atrativos. É o caso, por exemplo, da prorrogação antecipada das concessões vigentes. É nesse segundo grupo de iniciativas que se encaixam aquelas voltadas para regulamentar a outorga de ferrovias por meio de autorização. O inciso XII do artigo 21 da Constituição Federal lista vários serviços públicos que podem ser explorados “diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão”. Nestes se encaixam, entre outros, telecomunicações, energia elétrica, portos e transporte rodoviário. Em todos se usa cada vez mais a outorga por autorização, com bons resultados, o que motivou ela ser incluída na nova Lei do Gás Natural (Lei nº 14.134).

A Constituição também prevê, no mesmo artigo, o uso da autorização no transporte ferroviário, mas até pouco tempo atrás seu uso estava limitado por falta de regulação adequada. Desde 2018, porém, o Senado Federal discute o tema, a partir de projeto de lei apresentado pelo senador José Serra, que tem como relator o senador Jean Paul Prates, cujo parecer aguarda ser votado (ver https://bit.ly/3ERGX3t). Mais recentemente, o próprio Poder Executivo promulgou a MP 1.065/2021, regulamentando a “exploração indireta do serviço de transporte ferroviário federal, mediante outorga por autorização”.

São iniciativas de grande importância e impacto, o que me motivou a aceitar o convite da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários para analisá-las com mais profundidade. Como outros analistas que já comentaram o assunto, entendo que o uso da outorga por autorização no setor ferroviário trará grandes benefícios, como já se vê em outros setores. Prova disso, aliás, é a edição da MP 1.065 ter levado a 14 pedidos de autorização para investimentos em novas ferrovias (ver https://bit.ly/3AGWe4D). A estes se soma a autorização dada pelo governo de Mato Grosso à Rumo para construir ferrovia ligando Rondonópolis a Cuiabá e a Lucas do Rio Verde.

O principal benefício dessa nova regulação é liberar o poder público da amarra trazida pelo uso exclusivo da concessão nos projetos ferroviários. Diferentes projetos exigem diferentes formas de regulação, mas éramos obrigados a usar só uma para todos eles. A vantagem da autorização é simplificar a outorga da exploração do serviço público à iniciativa privada, reduzindo custos de transação e acelerando o processo de investimento.

A autorização reduz a carga regulatória incidente sobre o investidor/operador, dá mais liberdade na definição do projeto e, em sua gestão, e garante um prazo maior para amortizar os investimentos. No todo, barateia e descomplica o investimento e a operação. Ela também é mais consistente com a ideia de se aproximar o transporte ferroviário de carga de uma atividade privada, sujeita basicamente à regulação e à fiscalização estatal ambiental e de segurança.

A autorização também aloca todos os riscos do empreendimento ao investidor, que também paga pela outorga, ficando impedido de receber apoio financeiro do Estado. Claro, que o modelo a utilizar em cada projeto é uma decisão a ser tomada caso a caso. Mas ajuda ter flexibilidade em uma política que traz benefícios tão claros para a sociedade brasileira.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em 26/09/2021.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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