Cenários

Boas e más notícias

26 jul 2024

O 2º semestre será marcado por gradual afrouxamento monetário nas principais economias desenvolvidas, favorecendo os emergentes. No Brasil, apesar dos dados mais favoráveis da atividade e da inflação, ainda há riscos relevantes.

As últimas semanas viram uma combinação de boas notícias, em especial sobre indicadores econômicos recentes, domésticos e no exterior, e notícias nem tão favoráveis sobre os riscos e as incertezas que se apresentam para o cenário econômico dos próximos anos. O impacto líquido foi positivo, em termos de conseguir brecar a queda então em curso no preço dos ativos financeiros brasileiros, mas pequeno e não necessariamente sustentável a médio prazo.

Algumas dessas boas notícias dizem respeito ao ritmo da atividade econômica doméstica no segundo trimestre, que veio acima das expectativas. Em especial, a despeito da magnitude da tragédia resultante das enchentes no Rio Grande do Sul, seu impacto na atividade econômica em maio foi mais moderado do que se previa. Os dados referentes a junho também mostram recuperação mais acelerada da atividade na região. Além disso, o desempenho da indústria de transformação tem sido mais positivo nos últimos meses.

Pelo lado da demanda, os destaques do segundo trimestre foram os mesmos do primeiro trimestre: o consumo das famílias e o investimento. O consumo continua sustentado pelo crescimento da renda, em função de um mercado de trabalho aquecido e das políticas de transferência de renda em expansão, além das condições favoráveis do crédito às famílias. Já o investimento vem se recuperando das quedas expressivas do ano passado, ainda que continue em patamar historicamente baixo. Por sua vez, a contribuição externa para o crescimento econômico no segundo trimestre foi negativa, como já havia ocorrido no trimestre anterior.

Com isso, revisamos a projeção de crescimento do PIB no ano de 2,0% para 2,2%. Para o segundo trimestre, a expectativa foi revista de 0,5% TsT (1,4% AsA) para 0,7% TsT (2,2% AsA).

Concomitantemente, a despeito de a tragédia no Sul do país ter pressionado a inflação de alimentos, e do mercado de trabalho aquecido, os dados mais recentes mostraram resultados mais moderados para a inflação de serviços, cuja resiliência tem sido uma grande preocupação por parte do Banco Central. Isso se refletiu em uma variação do IPCA em junho abaixo do piso das projeções.

Com relação ao cenário externo, também houve notícias positivas. A atividade econômica está em desaceleração e a inflação dá sinais mais benignos, com o CPI americano para junho, em especial, vindo melhor que as expectativas em termos de nível e composição. O livro Bege, que foi divulgado pelo Fed no dia 17 de julho, trouxe as opiniões das autoridades presentes na reunião do Fomc que aconteceu em 11 e 12 de junho, revelando uma visão de rebalanceamento da economia, com crescimento econômico mais moderado e sinais de desaceleração do mercado de trabalho. Foi destacada, também, uma queda nos empréstimos bancários para empresas e famílias na maioria das 12 regiões que possuem um escritório regional do Fed. No mesmo dia, diversos dirigentes do Fed sinalizaram que o momento para iniciar o afrouxamento monetário está próximo.

Mesmo com o Fed indicando cautela no início de cortes, as surpresas baixistas dos dados de inflação, com moderação na atividade, dão força para um cenário de um pouso suave para a economia americana, sinalizando que o ciclo de queda dos juros americanos deve ter início em breve, em princípio em setembro próximo.

E, na Europa, como esperado, há uma gradual desinflação em curso, o que permite ao Banco Central Europeu continuar com o corte de juros iniciado em junho, ainda que não, como se viu este mês, reduzindo os juros em todas as reuniões.

Ou seja, o segundo semestre será marcado por gradual afrouxamento monetário nas principais economias desenvolvidas, o que, por si só, favorece as moedas e os títulos de mercados emergentes.

Entretanto, não foi isso que se viu, por exemplo, no índice MSCI para as ações de mercados emergentes, que entrou em sua mais longa sequência de queda em um mês e meio. Em parte, isso se explica pelo desempenho mais fraco da economia chinesa. Mas também contribuíram para essa evolução as preocupações relacionadas às questões geopolíticas, com destaque para o aumento do déficit público americano e a intensificação da guerra comercial que podem resultar de uma possível vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA. Se ocorrerem, ambos tendem a fortalecer a moeda americana e tornar menos atrativos os ativos de países emergentes.

Ou seja, do ponto de vista externo, há boas e más notícias para o Brasil. E, do ponto de vista doméstico, apesar dos dados mais favoráveis da atividade e da inflação, seguimos com riscos relevantes à estabilidade econômica pela frente.

Sem dúvida, o principal desafio doméstico é de natureza fiscal. Com expressivo aumento real de gastos e o crescimento das receitas atingindo o seu limite, a sustentabilidade fiscal ficou ainda mais difícil de ser alcançada. Basta lembrar que, nos últimos 12 meses, o setor público brasileiro acumulou um déficit de mais de um trilhão de reais.

Com isso, a percepção de risco aumentou, levando à depreciação do câmbio e à subida dos juros futuros. O grande desafio é conseguir apoio político para o contingenciamento de gastos para este ano e novas medidas para conter o ritmo de crescimento dos gastos nos próximos anos. Enquanto essa conta não for minimamente equacionada, o risco fiscal vai ser um obstáculo e o cenário de deterioração das expectativas se manterá. 

Em particular, com relação à inflação, a forte depreciação cambial e o reajuste dos combustíveis elevam as projeções para a alta dos preços em 2024. E o mercado de trabalho apertado pode reverter a desaceleração da inflação de serviços. Com isso, a projeção para a inflação de 2024 já está em torno de 4%.

Para o ano que vem, uma taxa de câmbio mais depreciada, os efeitos da inércia inflacionária e uma robusta demanda doméstica elevam a projeção para valores próximos de 4%, também, inviabilizando o processo de queda de juros. De fato, na próxima reunião do Copom, as simulações do modelo utilizado pelo BC deverão mostrar projeção de inflação acima da meta para o horizonte relevante para a política monetária. Com isso, o mercado já tem incluído a possibilidade de elevação de juros nas próximas reuniões. Mesmo sendo a probabilidade dessa alta ainda pequena, a inclinação positiva da curva de juros em parte reflete esse risco.

A depender dos próximos passos da política monetária americana, das mudanças que as eleições de novembro podem trazer, para os EUA e o mundo, e do que for feito, ou não, para conter os gastos do setor público brasileiro, podemos perder novamente a oportunidade de um cenário mais benigno para o Brasil.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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