Macroeconomia

Caminhando sem presidencialismo de coalizão

19 jul 2019

Na coluna Ponto de Vista de agosto de 2018, apostamos que o governo a ser eleito conseguiria tocar o ajuste fiscal e que, como primeira medida, aprovaria a reforma da Previdência.

Todos os sinais são de que a reforma da Previdência será aprovada na Câmara até o recesso parlamentar a partir de 18 de julho ou em agosto no mais tardar. (a coluna foi escrita antes da aprovação na primeira votação na Câmara em 10/7) Não há previsões de que o Senado Federal crie dificuldades adicionais.

Ou seja, parece que a coluna está bem nas suas apostas. No entanto, em um jogo de sinuca cantado (em que tem que se anunciar antes qual bola em que caçapa se pretende colocar) não ficaríamos com louros. O que escrevemos não está ocorrendo. A aprovação da reforma tem andado por caminhos muito diversos daqueles previstos pela coluna.

A coluna fez o argumento padrão da ciência política brasileira. Vale relembrar. No Brasil, o presidente da República e seu partido político são responsabilizados pela população pelo desempenho da economia. Os deputados são responsabilizados pela sua capacidade de tocar agendas locais ligadas às suas bases eleitorais – em particular, a capacidade de liberar recursos para obras ligadas às emendas parlamentares no orçamento e agendas de nicho, como temas relacionados a minorias, grupos organizados empresariais, corporações etc.

Reconhecendo que o presidente da República no Brasil tem instrumentos para tocar sua agenda legislativa, o sistema político brasileiro adquire alguma funcionalidade.

Bolsonaro, por ser ideologicamente próximo à ideologia média do Congresso Nacional, está em posição ainda mais positiva. Pode organizar uma ampla coalizão, homogênea ideologicamente e próxima à ideologia média do Congresso. Ao compartilhar poder, cria as condições para uma rápida aprovação do ajuste fiscal. Coloca a economia para crescer e cria as condições para reeleger a si e a sua base no Congresso em 2022. Todos sabem que o jogo funciona assim. O jogo será jogado assim. Essa era a aposta.

Faltou combinar com Bolsonaro. E foi aqui que erramos. O ajuste fiscal está caminhando, mas por caminhos bem diversos.

Ao longo da campanha eleitoral, Bolsonaro demonizou a política. Como escrevemos na coluna da Folha de São Paulo, publicada em 3 de março último:

  • Tanto o compartilhamento de poder, fruto da construção de uma coalizão sustentada em um programa comum, quanto a liberação de emendas são instrumentos legítimos e legais. Trata-se de Política.
  • Outra ação muito diferente é a corrupção. Muitas vezes é difícil diferenciar. Há muito compartilhamento de poder que não tem por base um projeto comum, e se trata simplesmente de abrir espaço para que grupos políticos desviem dinheiro público.
  • É aí que temos enorme problema. Apesar de ser difícil separar o joio do trigo, há joio e há trigo, e sem trigo a política não anda.

Ao demonizar toda a ação política sem distinção, fica difícil construir um caminho para os parlamentares que desejam acompanhar o governo.

Assim, Bolsonaro se recusa a operar nosso sistema político segundo os caminhos normais.

Bolsonaro enviou ao Congresso o projeto de emenda constitucional do ministro da Economia, Paulo Guedes. Disse: “Eu fiz a minha parte. O Congresso que faça a dele”. E arrematou: “Não quero jogar dominó com os ex-presidentes na prisão”. Tudo bem claro.

Não obstante, aparentemente a reforma mais difícil – a previdenciária – deve ser aprovada. O que ocorreu?

A profundidade da crise e a forte renovação ocorrida no Congresso ano passado deixaram os parlamentares com medo. Com exceção dos congressistas ligados ao grupo político liderado pelo Partido dos Trabalhadores, todos os outros estão com medo. Com medo da recessão. Com medo do desemprego. Com medo do desempenho ruim da economia.

Ou seja, de alguma maneira Bolsonaro consegue responsabilizar o Congresso pelo desempenho da macroeconomia. Os deputados sentem que, se não aprovarem a reforma da Previdência e se a economia não se recuperar de forma menos lenta e com redução do desemprego, o Congresso será responsabilizado.

Difícil entender como que se deu essa transferência de responsabilidade, incomum em nosso presidencialismo de coalizão. Aparentemente as redes sociais conseguem – ao menos para parcela do eleitorado, aquela mais ligada ao presidente eleito – fazer essa transferência.

É possível também que certo desprendimento do presidente tenha ajudado. O presidente pagou para ver. Quer ser reeleito. Até já falou disso. Mas se o preço da reeleição é operar nosso presidencialismo na chave convencional, abre mão da reeleição. Esse desprendimento pode ajudar na transferência de responsabilidade.

Difícil saber. Ciência política não é a especialidade da coluna e atualmente nem mesmo os cientistas políticos têm ajudado muito.

Mas e o dia seguinte à aprovação da previdência? O que virá?

O presidente aparentemente tem suas pautas. Como escrevemos na Ponto de Vista de novembro de 2018, elas são:

  • Reforço do direito de propriedade, com a criminalização das invasões – seja de imóveis urbanos ou propriedade rural – empregadas como mecanismo de pressão contra nossas desigualdades históricas.
  • Redução do gasto público com as organizações não governamentais e, penso eu, corte em benefícios da lei Rouanet. Provavelmente cobrança de mensalidade para universidades públicas de quem pode pagar.
  • Recrudescimento das penas para crimes, redução da maioridade penal, maior liberalidade no porte de armas e elevação das garantias de proteção à atuação das polícias no engajamento com criminosos.
  • Total reforço à Lava Jato. Possivelmente serão retomadas as Dez Medidas Contra a Corrupção do Ministério Público.

O presidente não tem sido bem-sucedido em tocar essas pautas. Se diz rainha da Inglaterra. Parece ser de fato.

De qualquer forma, como tem dito o filósofo Marcus Nobre, parece que o método do presidente e desse grupo político é não descer do palanque. Para que a cadeira da presidência da República arrume o presidente, é necessário sentar nela. Bolsonaro ainda não sentou.

Esse método é suficiente para manter seu eleitorado, 1/3 do total, possivelmente, junto ao governo. Também é suficiente para manter acesa a oposição. O resultado é a manutenção do esvaziamento do centro da política.

O jogo da economia e da sua recuperação e de como os ônus e bônus serão compartilhados entre o Congresso e a Presidência não está claro.

O presidente da Câmara sinaliza com uma agenda positiva. O item mais importante da agenda é a reforma tributária, projeto do deputado Baleia Rossi, que, se aprovado, tem potencial de elevar muito a taxa de crescimento da economia brasileira. A maturação dessa reforma é relativamente longa.

Mas e o curto prazo? Sabemos pouco. Sabemos que a reforma da Previdência é um primeiro passo. Pode ajudar a elevar um pouco o ritmo da economia. Talvez dos atuais 1% ao ano para algo em torno de 2%. Isso será suficiente para manter a política calma mais três anos até o próximo processo eleitoral?

Por outro lado, parece que, se o Congresso trabalhar e colocar a economia a crescer em ritmo um pouco maior do que os atuais 1%, é possível que estejam dadas as condições de reeleição do presidente. Ele fica na sua guerra cultural e o país fica andando de lado, ou até um pouquinho que seja para a frente.

Sabemos que haverá eleições em 2022. Sabemos que a reforma da Previdência será aprovada em algum momento do segundo semestre. Não sabemos o caminho até 2022.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de julho de 2019.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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