Macroeconomia

Como interpretar o comportamento da produtividade no Brasil em 2020?

5 abr 2021

A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo sobre os indicadores de produtividade no Brasil e no mundo. Sua análise é de grande importância para entendermos em que medida o produto potencial foi afetado e se esse efeito é temporário ou permanente.

Em várias colunas do ano passado, analisei a evolução dos indicadores trimestrais de produtividade no Brasil e outros países. Com a divulgação recente dos dados do quarto trimestre, é possível avaliar o impacto da pandemia no ano de 2020.

Nos Estados Unidos, houve crescimento de 2,5% da produtividade por hora trabalhada. No entanto, ao contrário de anos anteriores, o aumento da produtividade ocorreu com queda tanto do valor adicionado como das horas trabalhadas.

Já no Reino Unido, foram registradas diferenças significativas entre os indicadores, com queda de 9,6% da produtividade por pessoal ocupado e uma ligeira elevação de 0,3% da produtividade por hora trabalhada.

No Brasil, os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE também mostram diferenças expressivas entre as medidas de produtividade do trabalho, especialmente no segundo trimestre. Isso decorre de uma queda bem maior das horas efetivamente trabalhadas em comparação com as horas habituais e a população ocupada. No terceiro e quarto trimestre essas diferenças diminuíram, refletindo o processo de normalização das horas efetivamente trabalhadas.

Em particular, enquanto que a elevação da produtividade por pessoal ocupado e por hora habitualmente trabalhada no quarto trimestre foi respectivamente de 8,2% e 8,5% (em comparação com o quarto trimestre de 2019), a produtividade cresceu 10,1% na métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas.

No ano de 2020, todas as medidas apontaram para uma elevação da produtividade agregada. No entanto, enquanto o indicador que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou forte aumento de 12,4%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada cresceram 4,1% e 4,3%, respectivamente.

Diante de números tão díspares, como interpretar o comportamento da produtividade no Brasil em 2020 e o que esperar de sua evolução este ano?

Em primeiro lugar, é importante considerar o efeito de políticas de combate aos efeitos da pandemia no mercado de trabalho. Assim como no Reino Unido, foram implementadas no Brasil políticas de preservação do emprego formal e da renda de trabalhadores que não tinham proteção da legislação trabalhista. No primeiro caso, foi implantado o programa de proteção ao emprego, que possibilitou a manutenção do emprego com redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Para o segundo grupo, foi criado o auxílio emergencial.

Em função dessas políticas, houve uma queda das horas trabalhadas bem superior à do emprego. Consequentemente, a medida de produtividade do trabalho por hora efetivamente trabalhada teve aumento maior que o indicador de produtividade por trabalhador ocupado.

Isso ajuda a entender a discrepância entre os indicadores de produtividade. Mas por que todas as medidas indicam aumento da produtividade em 2020?

A resposta a essa pergunta é mais difícil, mas algumas evidências no Brasil e outros países sugerem que a elevação da produtividade pode ter decorrido, pelo menos em parte, dos efeitos heterogêneos da pandemia sobre diferentes setores e grupos de trabalhadores.

Em particular, os efeitos negativos da pandemia no Brasil foram mais pronunciados em setores e categorias de trabalhadores de produtividade mais baixa, particularmente os informais de menor escolaridade ocupados nos segmentos de serviços domésticos e serviços pessoais.

Em relação ao efeito da pandemia na composição setorial, os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli mostram que setores menos produtivos da economia, como outros serviços (que inclui serviços prestados às famílias e serviços domésticos, dentre outras atividades), transporte e construção tiveram maior queda de valor adicionado em comparação com setores de maior produtividade, como intermediação financeira, serviços de informação e serviços imobiliários.

Isso ocorreu porque a maioria dos setores menos produtivos exige maior contato presencial, enquanto os mais produtivos se adaptaram com mais facilidade ao regime de trabalho remoto.

Quanto aos efeitos da pandemia na composição do mercado de trabalho, é importante ressaltar que, diferentemente de recessões anteriores, desta vez os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais. Em particular, enquanto que no emprego informal houve redução de 12,6% em 2020, no emprego formal houve queda de 4,2%.

As ocupações de baixa escolaridade foram particularmente afetadas, com redução de 20,6% e 15,8% no emprego de pessoas com até 3 anos de estudo e entre 4 e 7 anos de escolaridade, respectivamente. Por outro lado, houve um aumento de 4,8% no emprego de pessoas com 15 anos ou mais de estudo.

Essa mudança na composição do emprego e dos setores da economia tende a elevar a produtividade média da economia. Isso sugere que o aumento da produtividade observado em 2020 provavelmente foi temporário, tendendo a perder fôlego na medida em que os setores menos produtivos se recuperem e trabalhadores de menor escolaridade retornem ao mercado de trabalho. De fato, os indicadores de produtividade indicam uma desaceleração a partir do terceiro trimestre de 2020.

É possível que o recrudescimento da pandemia que o país enfrenta atualmente acabe por retardar este processo de normalização, mas minha avaliação é de que o mais provável é o retorno ao padrão de baixo crescimento da produtividade que prevalecia antes da pandemia.

Por último, é importante salientar que o que ocorreu com a pandemia não foi exatamente uma realocação do emprego de setores menos produtivos para os mais produtivos, mas uma destruição de emprego e empresas de menor produtividade. Neste sentido, embora esse mecanismo possa ter contribuído no curto prazo para o aumento da produtividade média da economia, isso se deu às custas de uma redução da produção agregada, do emprego e do nível de bem-estar social.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 19/03/2021.

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