Como a oferta de mão de obra pode afetar a taxa de desemprego
Para prever a evolução da Taxa de Desocupação, é útil avaliar a trajetória da População na Força de Trabalho (PFT) as perspectivas para essa variável no futuro próximo – já que ela determina a disponibilidade de mão de obra.
Na ata da Reunião do Copom em setembro de 2024, quando se deu início ao atual ciclo de alta da SELIC, as possíveis pressões altistas do mercado de trabalho sobre a inflação foram citadas várias vezes – em especial a potencial elevação dos salários acima da produtividade. A preocupação provavelmente se baseava na evolução da taxa de desemprego (ou Taxa de Desocupação, utilizando a terminologia atual do IBGE), que naquele momento alcançava 6,8%, dando continuidade a uma trajetória de queda acelerada iniciada alguns meses antes. As atas das reuniões de novembro e dezembro voltaram a elencar o aquecimento do mercado de trabalho como ponto de atenção (ainda que se tenha ponderado haver sinais de moderação do crescimento dos salários), agora num quadro de hiato do produto mais aberto, nas contas da autoridade monetária.
Assim, uma das estratégias aparentes do Banco Central para trazer o IPCA ao centro da meta é desacelerar a redução da taxa de desemprego, que, no trimestre setembro/novembro 2024, chegou a 6,1%, o menor valor da série histórica da PNAD (ver Gráfico 1). E essa estratégia implica que a criação de empregos deve crescer em ritmo inferior ao da oferta de mão de obra. No entanto, é importante destacar que a política monetária afeta a procura e a oferta de trabalho de maneiras diferentes, tanto na intensidade quanto no momento em que seus efeitos são sentidos. Quando as condições financeiras se deterioram, a demanda por mão de obra costuma diminuir mais rapidamente, às vezes até mesmo antes de que a queda na absorção doméstica de bens e serviços ocorra de fato – pois empregadores tendem a adotar uma postura cautelosa em relação ao aumento de suas folhas salariais. Já a oferta de mão de obra, ainda que também possa ser afetada por mudanças na taxa SELIC, depende também de fatores estruturais, como demografia, serviços públicos e taxa de poupança, entre outros. Assim, para prever a evolução da Taxa de Desocupação, é útil avaliar como a População na Força de Trabalho (PFT) tem se comportado e quais são as perspectivas para essa variável no futuro próximo – já que ela determina a disponibilidade de mão de obra.
Este texto busca contribuir para essa tarefa, apresentando quatro simulações baseadas em premissas para a População em Idade de Trabalhar (PIT) e para a Taxa de Participação (relação PFT/PIT). Essas simulações projetam o crescimento da PFT nos próximos dois anos e estabelecem cenários para a População Ocupada compatíveis com taxas de desemprego que variam de 6,8% (projeção de 2024) até 14% – faixa observada na série histórica da PNAD desde 2012.
A Simulação 1 assume que a Taxa de Participação de cada grupo etário da PNAD permanecerá no nível projetado para o quarto trimestre de 2024 ao longo de todo o biênio. Essa abordagem evidencia como as mudanças no perfil etário dificultam o aumento da oferta de mão de obra, devido ao crescimento do peso relativo da população mais idosa.
A Simulação 2 tem como premissa a manutenção da Taxa de Participação do total da população, também no nível do quarto trimestre de 2024, enquanto as Simulações 3 e 4 pressupõem um crescimento dessa variável, com ritmos distintos baseados em tendências recentes. A Simulação 3 admite que a Taxa de Participação cresça no ritmo trimestral observado do segundo trimestre de 2023 ao terceiro trimestre de 2024, enquanto a Simulação 4 tem como premissa um ritmo de crescimento baseado no que se observa desde abril de 2024. No que se refere à População em Idade de Trabalhar, a trajetória é igual em todas as simulações, por se basear nas projeções para a população do IBGE. Como se vê na Tabela 1, a assunção de hipóteses alternativas para a Taxa de Participação implica em diferenças não desprezíveis para a oferta de mão de obra; a Simulação 4 leva a um “estoque de mão de obra”, em 2026, de cento e quinze milhões, enquanto na Simulação 1 esse mesmo estoque estaria um pouco abaixo de cento e doze milhões.
É importante destacar que neste momento não iremos discutir qual trajetória para a População na Força de Trabalho consideramos a mais provável – isso exige uma avaliação bem mais detalhada sobre determinados aspectos da evolução recente da Taxa de Participação, o que será objeto de um texto dedicado ao tema a ser publicado futuramente. A despeito disso, vale mostrar o que as simulações significam em termos da série histórica da PNAD (o que fazemos através do Gráfico 2) e destacar alguns pontos já evidentes nas curvas.
Tanto a Simulação 1 quanto a Simulação 2 parecem ser muito conservadoras, considerando o recente desempenho da Taxa de Participação, que é de crescimento. A Simulação 4, por sua vez, levaria a Taxa de Participação no quarto trimestre de 2026 a um nível quase um ponto superior ao pico histórico (os 63,8 % observados no terceiro trimestre de 2019) e a uma taxa média anual, no ano que vem, de 64,2%, (0,6 ponto percentual acima do máximo observado, em 2019). Ainda que um processo de piora nas condições financeiras possa levar a um crescimento adicional (acima da tendência) da Taxa de Participação, essa trajetória parece ser mais difícil de ser atingida, em função de questões demográficas e socioeconômicas.
Passemos, então, à análise das evoluções da População Ocupada compatíveis com cenários para a Taxa de Desocupação, mostradas na Tabela 2. Nas colunas 2 e 3 são representadas as variações para População Ocupada que, dadas as premissas para a evolução da oferta de mão de obra, resultam nas Taxas de Desocupação mostradas na coluna 1. Por exemplo, considerando a evolução da oferta de mão de obra da Simulação 3, a Taxa de Desocupação alcançaria 10% em de 2025 caso a População Ocupada caísse 1,3 %. Por outro lado, se a População Ocupada crescesse 2,2%, a Taxa de Desocupação permaneceria nos 6,8% projetados para 2024.
Aqui, um esclarecimento sobre a Coluna 3: ela indica a variação da População Ocupada que manteria a Taxa de Desocupação no mesmo nível do ano anterior – e não por coincidência, apresenta, para o ano de 2026, os mesmos valores da variação da População na Força de Trabalho que aparece na Tabela 1. Utilizando mais uma vez o exemplo da Simulação 3: caso a População Ocupada caísse 1,3% em 2025, a Taxa de Desocupação iria para 10% neste ano, e um novo aumento só ocorreria se a População Ocupada crescesse menos de 1,8%, que é a variação esperada para a População na Força de Trabalho projetada para 2026. A variação acumulada das Colunas 2 e 3 (Coluna 4) nos dá, portanto, a variação População Ocupada no biênio 2025/2026 que leva a Taxa de Desocupação ao nível que aparece na Coluna 1.
A Tabela 4, apresentada no final do texto, traz todas as combinações possíveis para o biênio, considerando a oferta de mão de obra considerada na elaboração da Simulação 3.
Se esse cenário para a População Ocupada se repetisse no biênio 2025/2026, a Taxa de Desocupação atingiria 8,0 % em 2025 e 10,3% em 2026 no caso Simulação 1 e 9,2% em 2025 e 13,1 % em 2026 no caso da Simulação 4 – uma diferença considerável (ver Tabela 3).
Cabe agora a nós, analistas estudar como a deterioração das condições financeiras afetará a demanda por mão de obra. A partir dessas análises, e considerando as possibilidades para a oferta de trabalho, será possível estabelecer cenários mais precisos para a Taxa de Desocupação. Uma versão estendida deste texto pode ser acessada aqui. Nele, além dos resultados apresentados acima, o leitor encontrará mais três seções, contendo uma breve análise da evolução recente da População em Idade de Trabalhar (PIT) e da Taxa de Participação (a relação PFT/PIT), assim como maiores detalhes dos procedimentos algébricos realizados.
Por fim, uma advertência: vivemos um momento atípico no que diz respeito às estatísticas do mercado de trabalho: os dados da PNAD, amplamente utilizados por analistas do setor privado, pelo Banco Central e pela academia estão defasados. Pois ainda em 2025, ou em 2026, toda a série histórica da pesquisa será alterada, na medida que seu fator de ponderação (as Projeções da População do IBGE) for atualizado[1]. Tema relevante, mas a ser discutido em outra oportunidade.
Anexo:
[1] Sobre as novas projeções e seus impactos, recomendamos a leitura do texto "As surpresas e os alertas que vem do front demográfico, disponível em https://blogdoibre.fgv.br/posts/surpresas-e-os-alertas-que-vem-do-front-demografico-no-brasil.
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