Macroeconomia

Corrida de gato e rato entre economia doméstica e reinflação americana

31 ago 2018

A piora de maio no mercado doméstico veio da conjunção de inúmeros fatores: greve dos caminhoneiros e demissão de Pedro Parente da Petrobras, com enorme demonstração de fragilidade do governo Temer; diversos gestores respeitados do mercado financeiro apostando que o país não irá arrumar o desequilíbrio fiscal em seguida às eleições; pesquisas eleitorais apontando as enormes dificuldades, naquele momento, de consolidação da candidatura de Geraldo Alckmin (fato revertido posteriormente); contágio de países emergentes – Argentina e Turquia – com crises claras de balanço de pagamentos.

Esses fatores geraram um estresse no mercado que, em alguns momentos, chegou a precificar elevações de Selic ainda este ano – com inflação comportada e atividade fraquíssima – de 2,5 pontos percentuais. O mercado passou a considerar que o regime monetário do país iria ser mudado e que o Banco Central passaria a empregar a política monetária para controlar o câmbio e não mais para operar o sistema de metas de inflação.

Além dos motivos elencados no parágrafo anterior, que deflagraram o estresse de mercado em maio-junho, houve um fator adicional particularmente importante: a divulgação no final de maio dos dados de mercado de trabalho da economia americana referentes a abril. Eles mostraram uma aceleração da taxa de crescimento interanual do salário por hora médio pago pelo setor privado para 2,7%.

Parte da calma atual do mercado deve-se à “devolução” dessa aceleração: o indicador em junho andou de lado e em julho caiu para 2,6%. De qualquer forma, o evento de maio mostrou que a reação imediatamente posterior ao impacto de uma surpresa inflacionária na economia americana será forte. 

Sobram sinais de gargalos no mercado de trabalho americano. Além da evidência casual – falta de caminhoneiros, falta de enfermeiros, entre outras –, todas as estatísticas quantitativas estão próximas das máximas históricas ou marcam os novos máximos: taxa de desemprego (com níveis mínimos de curto prazo e níveis de longo prazo ainda mostrando alguma pequena folga); trabalhadores em tempo parcial por não terem encontrado trabalho em tempo integral; criação 19 Boletim Macro Agosto de 2018 de vagas; trabalhadores que se demitem pois encontraram emprego melhor; oferta de postos de trabalho (superior ao número de trabalhadores desempregados); trabalhadores que no mês anterior estavam fora da força de trabalho e no mês seguinte estão empregados, entre tantas outras.

Na superfície dos dados, o que temos é um longo e suave processo de elevação da inflação, tanto ao produtor quanto ao consumidor, muito menos claro no núcleo de inflação ao consumidor. O mesmo se pode afirmar para os salários. As diversas medidas de custo do trabalho indicam uma subida suave, mas consistente.

As melhores estimativas que conseguimos fazer da curva de Phillips da economia americana sugerem que ela está em pleno funcionamento. No entanto, principalmente em função das expectativas muito ancoradas, o processo de reinflação para 2019 ainda é bastante moderado: com taxas de desemprego atingindo 3% no final do próximo ano, prevemos que o núcleo do PCE não passará de 2,2-2,3%. Pouco acima da meta. Não assusta, principalmente em função do elevado número de trimestres em que houve frustração da meta para o lado oposto e em seguida a avisos do FED de que há simetria em seus “erros”.

Se o processo de reinflação americana ocorrer na forma prevista pelo mercado e como tem ocorrido nos últimos anos, teremos, do lado de cá do Equador, tempo para gerir nossas querelas políticas, eleger um político reformador e arrumar a casa fiscal – condições para estarmos melhor preparados para a plena normalização monetária dos mercados globais que está a caminho.

O risco é haver alguma não linearidade que os modelos não captam. Olhando os dados e avaliando um conjunto de evidências casuais, parece ser o caso. Preocupa.

Esse artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de Agosto/2018. Com periodicidade mensal, a publicação contempla estatísticas, projeções e análises dos aspectos mais relevantes da economia brasileira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV

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LUCIANO ARAUJO

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