Macroeconomia

Decompondo o Crescimento Brasileiro Recente em Choques de Oferta e Demanda

11 jan 2018

Qualquer pessoa que se interesse por economia, mas não tem uma formação técnica, costuma ficar perdida no linguajar que os profissionais usam para discutir entre si. Possivelmente os mais problemáticos são os termos oriundos da teoria econômica e que não podem ser observados nas tradicionais medições que dispomos. Melhor explicando com um exemplo, como podemos saber se o que está causando flutuações na economia são choques de demanda ou choques de oferta, sendo que nós só observarmos a variação do PIB? Outros termos que costumam aparecer nas discussões econômicas e que não são observáveis são, por exemplo, taxa de juros neutra e PIB potencial. Aqui mesmo no Blog do IBRE, há exemplos de textos que usam esses termos, como esse do Manoel sobre taxa de juros neutra e esse do Bráulio sobre PIB potencial.

Como identificar, no mar de indicadores que temos, os termos teóricos (e não observáveis) é um problema sério da profissão de um economista. Nesse artigo, eu vou descrever um método utilizado para decompor o crescimento do PIB em dois componentes, um de demanda e um de oferta. Para os economistas, é fundamental conseguir identificar e diferenciar esses dois choques. Entre as principais razões, está o fato de a própria teoria econômica ditar que o governo deve responder de maneiras distintas aos dois choques.

Os principais modelos usados por macroeconomistas para recuperar esses choques persistentes na teoria são os VARs estruturais (Vetores Autoregressivos Estruturais). Os modelos são chamados de estruturais por necessitarem de condições especiais (no nosso caso, serão hipóteses que assumimos verdadeiras) para se recuperar os temos estruturais (no nosso caso, os dois choques não observáveis). Essa definição de estrutural é a mesma formulada pela Cowles Commission nas décadas de 50 e 60, quando o desenvolvimento da macroeconometria começou, e por Christopher A. Sims, o primeiro a propor os modelos VARs[1].

A decomposição que apliquei é chamada de Blanchard e Quah, ou restrições de longo prazo. Essa é uma técnica bastante difundida e que está sendo recentemente retomada pela comunidade acadêmica. Por exemplo, o Professor de Berkeley, Yuriy Gorodnichenko, recentemente defendeu o seu uso como fórmula de calcular o produto potencial (ver resumo aqui). Basicamente, estima-se um modelo com duas variáveis, crescimento do produto e taxa de desemprego. Ambas variáveis estão em expressas em termo do desvio em relação à média.

A principal hipótese que adotei para identificar (ou recuperar) os choques de demanda e de oferta foi que o primeiro apenas causa flutuação temporária do PIB, enquanto o segundo causa flutuações permanentes. Ambos os choques causam flutuações de curto prazo e de longo prazo no desemprego. Essa hipótese que eu usei é a mesma usada por Blanchard e Quah no artigo de 1989. Porém, eu entendo que algumas pessoas possam se sentir desconfortáveis com ela, principalmente no Brasil, onde há economistas que acreditam que choques de demanda (como política fiscal expansionista por parte do governo) podem causar crescimento de longo prazo. Para esses leitores, eu peço que não parem a leitura e apenas mudem a interpretação, sendo um dos choques permanente e outro um transitório.

Uma vez identificados os choques, é possível calcular a contribuição de cada um para o crescimento recente do PIB brasileiro. Qual choque causou mais a desaceleração brasileira recente, choques de oferta ou de demanda? No gráfico abaixo, vemos a decomposição do PIB entre contribuições da oferta (barras laranjas) e contribuições da demanda (barras cinzas). O crescimento do PIB está na linha azul e é igual à soma da contribuição da oferta e da demanda. Lembrando que o crescimento do PIB está em termos de desvio da média.

A contribuição da oferta tem sido próxima de zero desde o quarto trimestre de 2012 e, ainda mais marcante, tem afetado a economia negativamente desde o quarto trimestre de 2014. Os choques positivos de oferta só voltaram a contribuir positivamente no segundo trimestre de 2017. Na maior parte da década de 2010, a contribuição da demanda vem sendo negativa, mas principalmente desde 2013.

Infelizmente, eu não consigo contribuir com o debate do Samuel e do Bráulio sobre quanto da desaceleração do PIB foi causada pela Nova Matriz Econômica, principalmente por haver dentro do meu choque de oferta (e de demanda) componentes internos e externos. A metodologia que uso não é capaz de separar esses efeitos. Porém, eu posso dizer com certeza que, muitos dos erros de política econômica feitos recentemente estão captados pelos sucessivos choques de oferta negativos que afligiram a economia brasileira.

 


[1] Leitores que querem um tratamento mais formalizado sobre VAR estruturais, eu recomento o excelente livro “Structural Vector Autoregressive Analysis” dos Professores Lutz Kilian e Helmut Lütkepohl. Os autores discutem brevemente a semelhança dos modelos VARs com a definição de modelo estrutural da Cowles Commission (pg. 184, capítulo 6)

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antonio gomes

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