Desaceleração da atividade econômica doméstica se intensifica
Economia desacelera, com sinais de desinflação. Nos EUA, queda de inflação leva a precificação de corte de 1pp nos Fed Funds em 2024 – o que fortaleceu real, junto com manutenção por ora da meta de primário zero no próximo ano.
Após surpreender com crescimento acima do projetado no primeiro semestre, a atividade econômica segue em significativa desaceleração nesta segunda metade de 2023, como esperado. Diferentes fatores contribuem para isso, com destaque para os efeitos (defasados) de condições financeiras mais apertadas, reduzindo o ritmo de crescimento das atividades mais sensíveis à política monetária, como a indústria de transformação, o comércio e os serviços. Concomitantemente, registra-se contribuição negativa do setor agropecuário. Em conjunto, esses fatores devem levar o PIB a recuar 0,1% no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior.[1]
Resultados recentes dos índices de confiança do FGV IBRE confirmam esse cenário de desaceleração do ritmo da atividade econômica no início do último trimestre do ano. O Índice de Confiança Empresarial (ICE) recuou em outubro pelo segundo mês seguido, em 1,2 ponto, devolvendo boa parte dos ganhos auferidos ao longo do ano. O Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) também caiu, 3,8 pontos, após uma sequência de cinco altas consecutivas. Em outubro, ambas as pesquisas mostraram recuo mais acentuado das expectativas em relação aos próximos meses do que da percepção dos entrevistados sobre o momento presente. Dados preliminares de novembro, com informações coletadas até o dia 14/11, indicam continuidade da queda na confiança que, se confirmada pelos resultados ao longo do mês, seria especialmente intensa e disseminada neste último bimestre do ano.
O cenário externo também deve contribuir para arrefecer a atividade econômica, depois de um ano em que as exportações deram importante contribuição para expandir a demanda agregada. Em especial, espera-se significativa desaceleração do crescimento americano, não se descartando de todo a chance de uma recessão técnica, enquanto a China também deve ter menor expansão do PIB, em que pesem os novos programas de estímulo fiscal que vêm sendo adotados, inclusive no setor de construção.
Com isso, mantemos a nossa projeção de crescimento do PIB para 2023 em 2,7% e, para 2024, em 1,2%. Vale lembrar que a divulgação do PIB do terceiro trimestre é acompanhada da revisão dos dados anteriores, incorporando o PIB definitivo de 2021, com crescimento de 4,8%, ante 5,0% antes estimados, o que pode alterar as projeções para o quarto trimestre e para o ano fechado.
Para 2024, além do carregamento estatístico negativo, estimado em -0,2%, não esperamos novas surpresas positivas na agropecuária. Esta, após registrar crescimento recorde este ano, de quase 15%, deve ter expansão de apenas 1,7% em 2024, contribuindo com apenas 0,2 p.p para o crescimento do PIB no ano que vem, contra quase 1,2 p.p este ano. Mas é importante destacar que os riscos climáticos se intensificaram nas últimas semanas e são crescentes para as safras de soja e milho. Caso esse risco se materialize, haverá uma contração dessa atividade, levando o crescimento do PIB em 2024 para menos de 1%.
Apesar de as notícias não serem animadoras com relação à atividade, elas são boas no front inflacionário. As últimas divulgações reforçaram um cenário de desinflação consistente no curto prazo. A alta nos preços de serviços manteve a trajetória de desaceleração, sobretudo na métrica subjacente. Além disso, os núcleos de inflação ficaram abaixo do esperado, com destaque para a descompressão mais intensa observada nas métricas mais sensíveis ao ciclo econômico.
Com certeza, o cenário de atividade mais fraca contribui para essa melhora no quadro inflacionário. Não há controle inflacionário sem custos. Como mencionamos em outras edições do Boletim, a manutenção desse movimento de desaceleração inflacionária e do ciclo de afrouxamento monetário depende, em grande medida, do esfriamento da demanda. Sem dúvida, as deflações de bens industriais, especialmente de duráveis e de alimentos, que continuam refletindo a queda dos preços das commodities agrícolas, contribuíram para esse quadro. Mas a convergência da inflação para a meta só será possível com o recuo consistente das medidas de núcleo.
Com relação ao cenário externo, o destaque positivo é a queda da inflação nos EUA: o índice de preços ao consumidor (CPI) variou 0,04% em outubro, refletindo a desaceleração do núcleo de inflação, bem como a deflação no componente de energia. A medida de núcleo de serviços ex-aluguéis também arrefeceu. Em 12 meses, o núcleo do CPI desacelerou para 4,0% (ante 4,1% em setembro). Adicionalmente, os dados de mercado de trabalho e de varejo arrefeceram em outubro, sinalizando uma moderação no crescimento no último trimestre de 2023.
Tudo indica que o banco central americano manterá a taxa de juros inalterada na reunião de política monetária em dezembro. Mas o que mais chama atenção é que os investidores consideram que o Fed não deve mais subir juros neste ciclo e praticamente excluíram a pouca precificação de alta de juros que ainda restava na curva norte-americana. E já precificam mais de 100 pontos base de cortes em 2024. Avaliamos que esse é um cenário otimista, pois o núcleo do CPI ainda precisa recuar mais para dar segurança ao início do afrouxamento monetário. Ainda há um longo caminho à frente.
Estes fatores ajudaram a baixar a curva de juros nos EUA, favorecendo o desempenho dos ativos de países emergentes. No Brasil, o real se valorizou. Porém, também contribuiu para esse movimento a decisão do governo de não alterar a meta fiscal de déficit zero para o ano que vem, pelo menos por ora.
O grande risco para os próximos meses é que, diante da desaceleração da atividade, o governo mude de postura, atuando na direção contrária, de ampliação das políticas anticíclicas, através de maiores gastos públicos e/ou políticas parafiscais, via bancos públicos, dificultando a convergência da inflação para a meta e inviabilizando um cenário de sustentabilidade da dívida pública, devido não apenas à manutenção de déficits primários em patamares elevados, como também por dificultar a queda da taxa real de juros da economia, elevando o custo de financiamento da dívida pública. E um cenário de juros reais mais elevados inviabiliza um ciclo virtuoso de investimentos privados, que são fundamentais para elevar o produto potencial do país de forma permanente.
Não existe atalho para promover o crescimento econômico, que só virá através do aumento da produtividade e do investimento. Não há enigma para o baixo crescimento econômico brasileiro. Todos esses aspectos estão muito bem documentos no livro Anatomia da Produtividade no Brasil (2017). [2] Ou seja, o diagnóstico já é mais do que conhecido, o receituário também. O verdadeiro desafio é colocá-lo em prática.
Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Novembro de 2023.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] As safras brasileiras se concentram no primeiro trimestre e no início do segundo trimestre de cada ano. No segundo semestre ocorre o período da entressafra. Consequentemente, a agropecuária tem contribuição negativa para o PIB no período.
[2] Anatomia da Produtividade no Brasil, organização Regis Bonelli, Fernando Veloso, Armando Castelar Pinheiro. – 1 ed. – Rio de Janeiro: Elsevier: FGV/IBRE, 2017.
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