Efeitos da inteligência artificial sobre o emprego e produtividade no Brasil
Embora a magnitude do efeito da IA possa estar superestimada, a principal mensagem do relatório do FMI é que economias emergentes devem colocar ênfase na qualificação da mão de obra para maximizar o impacto na produtividade.
Na última coluna (“Novas Evidências sobre o Efeito das Reformas”), comentei as estimativas do impacto das reformas trabalhista e tributária sobre vários indicadores de desempenho da economia brasileira apresentadas no relatório anual do FMI (Article IV).
Os resultados mostram que a redução dos processos na Justiça do Trabalho decorrente da reforma trabalhista gerou um aumento de 5% da produtividade total dos fatores (PTF). Já a eliminação da tributação em cascata decorrente da reforma tributária pode aumentar o PIB em 6% e a formalização em torno de 7%.
Outra fonte potencial de crescimento econômico é a adoção de novas tecnologias no processo produtivo, em particular a inteligência artificial (IA). Neste artigo vou discutir as evidências apresentadas no relatório do FMI a respeito dos efeitos da IA sobre o emprego, produtividade e PIB no Brasil.
Começando pelo emprego, a análise se baseia nos conceitos de exposição à IA e complementaridade com AI. A ideia é que o fato de uma ocupação estar exposta à incorporação de IA não significa necessariamente que o trabalhador será substituído por uma máquina, já que a IA pode ter um papel complementar.
A medida de complementaridade com IA foi desenvolvida em trabalhos anteriores do FMI, sendo o mais recente divulgado no início de 2024 (“Gen-AI: Artificial Inteligence and the Future of Work”). Para estimar o efeito de complementaridade, os pesquisadores levam em consideração não somente as características da tecnologia, mas também aspectos éticos e sociais.
Por exemplo, embora a atividade de juízes seja altamente exposta ao uso de IA, é pouco provável que a sociedade aceite delegar decisões judiciais à IA. Consequentemente, é provável que a IA seja utilizada para complementar o trabalho de juízes. O mesmo vale para a atividade de cirurgiões, que provavelmente usarão a IA como ferramenta de trabalho, aumentando sua produtividade.
Segundo o FMI, cerca de 45% da força de trabalho no Brasil está exposta à IA. Essa proporção é bem superior à observada nas demais economias emergentes excluindo a América Latina (30%). No conjunto de 45% do emprego exposto à IA no Brasil, 15% dos trabalhadores têm elevada complementaridade com a IA, enquanto os 30% restantes tendem a ser substituídos pelas novas tecnologias.
O relatório também apresenta estimativas do impacto da IA sobre o crescimento do PIB e da produtividade da economia brasileira. O modelo utilizado para as simulações considera três canais pelos quais a IA pode afetar a produtividade. O primeiro consiste em ganhos de eficiência decorrentes da automação de tarefas atualmente exercidas por trabalhadores. O segundo é o aumento de produtividade de atividades complementares à IA. O terceiro está associado ao uso disseminado de IA e seu impacto no investimento.
Segundo o cenário-base do FMI, a adoção de IA no Brasil aumentaria o PIB em 5% em um horizonte de cerca de dez anos, como resultado da maior acumulação de capital e uma elevação da PTF de pouco mais de 1%. Um cenário alternativo que incorpora uma maior complementaridade entre IA e trabalhadores estima um aumento do PIB e da PTF de 8% e 4%, respectivamente.
Embora o salário de todos os trabalhadores aumente, os maiores ganhos ocorrem para os trabalhadores mais qualificados. Isso evidencia um ponto importante do efeito da IA no mercado de trabalho. Embora trabalhadores com maior qualificação, em particular com ensino superior completo, estejam mais expostos à IA, seu nível mais elevado de escolaridade torna mais provável que a IA seja complementar à sua atividade, o que resulta em aumento de produtividade e salário.
Como o próprio relatório reconhece, existe grande incerteza em relação às estimativas de impacto da IA sobre o PIB e PTF na literatura. Por exemplo, estudo recente de Daron Acemoglu (“The Simple Macroeconomics of AI”) estima efeitos bem menores da IA nos Estados Unidos, com aumento do PIB entre 0,92% e 1,1% em um período de dez anos. Já a PTF teria uma elevação entre 0,55% e 0,71% no mesmo período.
Embora a magnitude do efeito da IA sobre a produtividade da economia brasileira possa estar superestimada, a principal mensagem do relatório do FMI é que economias emergentes devem colocar grande ênfase na qualificação da mão de obra para minimizar os efeitos disruptivos no mercado de trabalho e maximizar o impacto na produtividade e no PIB.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 02/08/2024.
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