Macroeconomia

À espera das vacinas

26 jan 2021

O ano começa com a superposição de variáveis de grande impacto operando em sentidos opostos. De um lado, com efeito contracionista, há a segunda onda da pandemia, que leva vários governos a reinstituirem restrições à atividade econômica e os consumidores a conterem sua demanda por serviços. De outro, há o início do processo de vacinação e a perspectiva de forte expansão nas duas maiores economias do mundo. Não só o resultado final, mas também a dinâmica do crescimento este ano, vão depender da intensidade e da distribuição temporal desses dois efeitos.

No primeiro trimestre, pelo menos, as forças contracionistas tendem a prevalecer. Assim, aos poucos somam-se os sinais de que a pandemia do coronavírus ainda levará algum tempo para ser totalmente controlada no mundo. Mesmo com o início da vacinação, em dezembro de 2020, e com elevada disponibilidade de doses,  na grande maioria dos países desenvolvidos o ritmo da imunização tem sido mais lento que o previsto, devido às dificuldades de logística. Apenas recentemente o processo de vacinação acelerou nos EUA e no Reino Unido. Nos países da zona do euro, por outro lado, o processo segue muito lento.

Nos países emergentes, a vacinação promete ser um processo ainda mais desafiador. Vários países já iniciaram suas campanhas de vacinação, mas há poucas doses disponíveis. A imunização só deve acelerar à medida que as vacinas da Oxford-AstraZeneca, Sinovac e Sinopharm forem aprovadas nesses países, pois os primeiros lotes das vacinas da Pfizer e da Moderna já foram comprados pelos países desenvolvidos.

Paralelamente, o número de novos casos continua em patamares muito elevados, em torno de 700 mil ao dia, de acordo com os dados do site Worldometers. Com relação ao número de mortes diárias, a média móvel global de 7 dias está em torno de 14 mil, e sem dar sinais de acomodação. Com isso, superamos as trágicas marcas de 100 milhões de casos e mais de 2 milhões de mortes causadas globalmente pelo vírus. O quadro é de muita incerteza sobre a dinâmica da pandemia, com os infectologistas preocupados com a disseminação de mutações do vírus que têm elevado grau de transmissão.

Devido à intensificação da pandemia, vários países europeus e o Japão têm adotado medidas de distanciamento social, com restrição ao funcionamento de estabelecimentos não essenciais. Essas medidas podem ser prorrogadas para conter o surto atual. É pouco claro ainda quando será possível relaxar essas restrições, ainda que se espere uma melhora da situação com a chegada da primavera no Hemisfério Norte. Aos poucos, junto com a vacinação, isso deve permitir uma progressiva recuperação da atividade nas economias avançadas.

O quadro atual é não apenas difícil, mas também muito heterogêneo entre os países. 2021 será marcado, a partir de meados do ano, por uma rápida retomada das economias dos países desenvolvidos, com destaque para o setor serviços, que deve se recuperar à medida que a vacinação avance.

Em particular nos EUA, apesar da intensidade da pandemia, o crescimento econômico permanece resiliente. Além disso, espera-se que o governo Joe Biden aprove um forte estímulo fiscal, aproveitando o controle democrata do Senado. O presidente do Fed também enfatizou a manutenção da política de estímulos monetários. Com isso, o crescimento dos EUA deve ser mantido em ritmo elevado.

Na Europa, as medidas de distanciamento social devem reduzir o crescimento no primeiro trimestre. E, se a velocidade de vacinação não aumentar, 2021 ainda pode se encerrar com recuperação incompleta da atividade, em que pese a situação melhorar na segunda metade do ano.

Já a economia chinesa continua surpreendendo positivamente, conforme destacado na Seção Em Foco deste mês, de autoria do pesquisador Livio Ribeiro. O PIB da China acelerou no quarto trimestre, fechando 2020 com crescimento de 2,3%, sendo a única grande economia sem retração econômica no ano. A previsão para 2021 é de um expressivo crescimento de 9,2%.

Mesmo diante de todos os desafios, a vacinação e, consequentemente, a reabertura das economias, em conjunto com as medidas de estímulo fiscal nos EUA, tornam o ambiente externo mais favorável. Isso tem se refletido na valorização de ativos de risco, com elevação nos preços de commodities.  Esse contexto tem favorecido também as moedas dos países emergentes, com destaque para a América Latina.

No entanto, mesmo nesse ambiente mais favorável, o real continua muito depreciado, quando comparado ao período pré-pandemia. Isso pode ser explicado por fatores domésticos, com destaque para as incertezas fiscais e a intensificação da pandemia. A forte depreciação cambial, em um contexto de valorização de commodities e de políticas de compensação de renda, gerou uma maior pressão inflacionária no país, elevando o grau de incerteza na economia, com o BC se sentindo mais pressionado a agir.

O melhor desempenho da economia no quarto trimestre do ano passado não se traduz, portanto, em melhores perspectivas para a economia brasileira no início deste ano. Apesar do elevado carregamento estatístico, de 2,5% para este ano, a previsão é de um crescimento de 3,5% no PIB brasileiro em 2021, concentrado no segundo semestre. Porém, a disseminação do vírus e a demora na implementação dos planos de vacinação, com dúvidas sobre o número de doses que estarão disponíveis para o Brasil no curto prazo, representam um risco negativo para nossas projeções de crescimento.

Atrasos adicionais na campanha de vacinação devem impactar ainda mais a recuperação da atividade econômica, com a piora nos riscos fiscais, relacionados ao orçamento de 2021, aí incluídas as discussões sobre extensão de auxílios emergenciais, que não está infensa a motivações de caráter político-eleitoral. O debate não organizado sobre a política fiscal, em um contexto de pressão política e de falta de liderança do Executivo, pode gerar uma nova rodada de incerteza econômica e o recuo da atividade.


Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de dezembro de 2020. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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