À espera do novo arcabouço fiscal
Setor público terá déficit em 2023, mas de que tamanho é muito pouco claro. Dependendo de que medidas sejam adotadas, as contas públicas podem operar no negativo por vários anos, ficando longe do superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública.
A proposta da chamada PEC da Transição apresentada aos líderes do Congresso em 16 de novembro exclui do teto, para sempre, dispêndios que totalizariam R$ 175 bi. Nesta conta temos os R$ 600 do Auxílio Brasil, acrescidos dos R$ 150 para famílias com crianças de até 6 anos. É importante mencionar que a prorrogação do auxílio em R$ 600 e o adicional requereriam em torno de R$ 70 bi, valor que não cabe dentro do teto de gastos, por isso a necessidade de se aprovar uma exceção à regra, o famoso waiver fiscal. Mas isso é menos de metade do valor pleiteado. Ou seja, apesar de a retórica ser que a excepcionalidade é para programas sociais, cerca de R$ 105 bi já estavam contemplados no Orçamento e no teto e seria necessário adicionar apenas R$ 70 bi à proposta. Consequentemente, a proposta apresentada está liberando um montante de R$ 105 bi que não tem direcionamento definido.
Um waiver da ordem de R$ 200 bi ao ano gerará uma expansão de gastos de R$ 1 trilhão em cinco anos. Ou seja, cerca de 10% do PIB de gastos diretos, aos quais se somarão os juros que incidirão sobre a dívida pública que terá de ser emitida para financiar esse aumento de gastos.
Entre as possíveis consequências deste aumento permanente de gastos temos uma maior pressão inflacionária, através do canal de demanda, como também através do mecanismo de aumento do risco país, o que acarreta uma maior depreciação cambial, mais pressão sobre a inflação corrente e futura, contaminando as expectativas inflacionárias. Não haverá outra saída para a autoridade monetária que não reagir, iniciando um novo ciclo de aperto monetário ou pelo menos não indo em frente com a redução de juros que se projetava para o ano que vem.
Com isso, além dos impactos negativos sobre a atividade econômica, o emprego e a arrecadação tributária, teremos um aumento da despesa com juros sobre a dívida pública, dificultando ainda mais o quadro das contas públicas. No final, haverá pressão para aumento dos gastos sociais e maior endividamento público, em uma espiral que não promete resultados diferentes de quando se seguiu caminho semelhante no passado. Não há novidade aqui. Não se combate a pobreza com irresponsabilidade fiscal.
Sabemos que as decisões sobre despesas públicas são decisões políticas. Porém, é importante enfatizar que, se quisermos gastar mais com o social, temos que reduzir outros gastos não-sociais e/ou encontrar novas fontes de receitas tributárias. O problema não são os gastos sociais que são necessários, mas sim como financiá-los. E, claro, relembrando que o valor do extra-teto está bem além do necessário para aumentar os gastos com o Auxílio Brasil, o que significa que há muito mais intenção de gasto do que se justificaria por uma preocupação puramente social.
A sustentabilidade fiscal seguirá sendo o principal desafio do próximo governo. Qual será o novo arcabouço fiscal em uma economia emergente com dívida pública elevada e com alto custo de financiamento? Enquanto este arcabouço não for definido, a incerteza na economia continuará muito elevada, contribuindo para acentuar a desaceleração da atividade que está em curso.
Conforme esperado pelo Boletim Macro, a atividade desacelerou neste segundo semestre. Esperamos um crescimento de 0,6% no terceiro trimestre ante o segundo; ou seja, metade do registrado no segundo trimestre (1,2% TsT). Na margem, esperamos que apenas o PIB da agropecuária e dos serviços públicos registrem alta mais forte do que a do trimestre anterior. Mesmo assim, o protagonismo continua sendo da forte expansão do setor serviços, que deve crescer 1,1% (TsT), apenas uma ligeira desaceleração em relação ao resultado do segundo trimestre, de 1,3% (TsT). Essa tendência deve se manter no último trimestre do ano, para quando projetamos uma contração de 0,2% do PIB ante o terceiro trimestre, o que levará a um crescimento de 2,7% para o ano fechado.
Vale notar que essa projeção conta com grau de incerteza especialmente elevado, pois poderá mudar após a revisão anual do PIB de 2020, pelo IBGE, e também com a possível revisão do PIB trimestral de 2021 em diante. Estas informações só estarão disponíveis com a divulgação do PIB do terceiro trimestre, no dia 1 de dezembro.
Para 2023, esperamos, por ora, um crescimento de 0,1%, devido à forte revisão no PIB da agropecuária, para alta de 8%. Esperamos contração do PIB em todos os demais setores, como também, pelo lado da demanda, do consumo das famílias.
Além dos desafios domésticos, o cenário internacional para 2023 também continua muito desfavorável para os emergentes. O ambiente de dólar forte deve persistir, com desaceleração do crescimento mundial.
É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE[1] , que voltaram a recuar em novembro, após registrarem uma discreta melhora no mês anterior. Com o resultado, o Barômetro Coincidente atinge o menor nível desde agosto de 2020, enquanto o Barômetro Antecedente é o segundo menor desde junho de 2020, superando apenas o registro de agosto passado. Segundo o comunicado, “a queda dos barômetros globais em novembro reforça a preocupação com os principais desafios para o nível de atividade nos próximos meses, ao longo de todas as regiões e da maioria dos setores. Dentre esses desafios, os destaques são o quadro inflacionário global, o conflito na Ucrânia, e os efeitos da política de tolerância zero com a Covid na China.”
Com relação à China, tema da seção Em Foco deste mês, o pesquisador Lívio Ribeiro estima um crescimento de apena 3,2% este ano, observando que “em outubro, os indicadores qualitativos dos PMI´s (índice que mede a temperatura de alguns setores da economia de forma mais tempestiva) confirmam que as possibilidades de aceleração do crescimento este ano são parcas, mostrando uma economia em desaceleração no início do quarto trimestre, deixando uma herança negativa para 2023”.
Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de novembro/2022.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Os Barômetros Econômicos Globais são um sistema de indicadores que permite uma análise tempestiva do desenvolvimento econômico global. Eles representam uma colaboração entre o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique, na Suíça, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Ver https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2022-11/barometros-globais....
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