Cenários

Evolução recente da produtividade e a atuação dos bancos centrais

15 abr 2024

Embora a produtividade seja tipicamente associada ao desempenho das economias no médio e longo prazo, o tema passou a fazer parte da agenda dos bancos centrais em vários países, principalmente após os choques da pandemia.

Na última coluna, analisei em que medida o crescimento da produtividade no Brasil em 2023 foi temporário ou permanente. A resposta tem implicações importantes para a condução da política monetária, já que aumentos salariais superiores ao crescimento da produtividade podem resultar em pressões inflacionárias e, consequentemente, reduzir o ritmo ou mesmo a extensão da redução da taxa de juros nos próximos meses.

Minha avaliação foi que o processo de formalização dos postos de trabalho nos últimos anos aponta para a possibilidade de uma elevação duradoura da produtividade. Por outro lado, o fato de que os ganhos de produtividade foram concentrados na agropecuária sugere que pelo menos parte do aumento no ano passado pode ter sido temporário.

A última ata do Copom abordou este tema em mais detalhe que o habitual, examinando não somente o aumento da produtividade agregada, mas sua composição setorial. O texto ressalta o descompasso entre ganhos de produtividade concentrados na agropecuária e aumentos disseminados dos rendimentos reais, em particular no seguinte trecho:

“Alguns membros observaram que a recuperação da produtividade observada em 2023 ocorreu primordialmente no setor agropecuário, enquanto rendimentos se mostraram pressionados de maneira disseminada, sugerindo que os rendimentos pressionados não devem ser explicados majoritariamente por ganhos de produtividade, mas por um fechamento do hiato do produto.”

Outro trecho da ata explicita a preocupação do Copom com as implicações dessa dinâmica da produtividade para o comportamento da inflação:

“Notou-se que um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação e sem ganhos de produtividade correspondentes, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra.”

Assim como no Brasil, a relação entre a evolução recente da produtividade e a dinâmica da inflação tem sido um tema bastante debatido nos Estados Unidos pelos dirigentes do Federal Reserve (Fed).

Segundo dados do Bureau of Labor Statistics (BLS), após uma queda de 1,9% em 2022, a produtividade por hora trabalhada (nonfarm business sector) nos Estados Unidos aumentou 1,3% em 2023. O fato mais notável é a forte aceleração do crescimento nos dois últimos trimestres do ano passado, com crescimento trimestral anualizado de 4,7% e 3,2% no terceiro e quarto trimestre, respectivamente.

Nas últimas semanas, alguns dirigentes do Fed têm se manifestado sobre a aceleração da produtividade e suas possíveis causas e consequências. Em apresentação recente no webinar de Markus Brunnermeier, o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, revelou relativo otimismo sobre a possibilidade de que o forte crescimento recente da produtividade se traduza em aumento do produto potencial e menor pressão inflacionária, como ocorreu na segunda metade da década de 1990.

Segundo Goolsbee, uma possível evidência nesse sentido foi o salto na criação de empresas durante a pandemia, o que pode indicar um aumento do dinamismo da economia americana.

Um estudo de Ryan Decker (Federal Reserve Board) e John Haltiwanger (University of Maryland) intitulado “Surging Business Formation in the Pandemic: Causes and Consequences?”, publicado recentemente no Brookings Papers on Economic Activity, documenta o aumento da criação de empresas nos Estados Unidos durante a pandemia e fornece algumas evidências de que pode se tratar de um fenômeno duradouro.

Os autores mostram, por exemplo, que a criação de empresas foi mais intensa em setores mais intensivos em tecnologia, como softwares, processamento de dados, sistemas de computação e serviços de pesquisa e desenvolvimento com foco em inteligência artificial.

Também foi encontrada uma forte conexão entre o surgimento de novos negócios e demissões voluntárias, o que sugere que os trabalhadores estão escolhendo atividades novas e com melhores salários, em vez de abrir empresas para tentar garantir uma fonte de sustento diante da perda de emprego.

No entanto, a perspectiva otimista em relação às perspectivas de continuidade da aceleração recente da produtividade não é unânime entre os dirigentes do Fed. Por exemplo, em pronunciamento feito no final de março, Christopher Waller, membro do Board of Governors, manifestou certo ceticismo.

Em primeiro lugar, Waller considera possível que a aceleração do crescimento da produtividade ao longo de 2023 seja uma recuperação cíclica diante da queda que ocorreu em 2022. De fato, na média dos dois últimos anos, o crescimento da produtividade foi pouco acima de 1,1% ao ano, o que não representa uma mudança relevante em relação à tendência pré-pandemia.

Em seguida, Waller argumenta que embora investimentos associados ao Inflation Reduction Act e inteligência artificial possam elevar a capacidade produtiva da economia nos próximos anos, é pouco provável que seus efeitos já tenham se materializado a ponto de afetar a produtividade.

Embora reconheça a possibilidade de que o aumento recente na criação de empresas possa contribuir para o crescimento da produtividade, Waller considera que será necessário verificar se o dinamismo recente vai continuar nos próximos anos.

Outra possibilidade é que o crescimento recente da produtividade tenha sido consequência da normalização das cadeias globais de valor. Nesse caso, seria algo positivo, mas de curta duração, sem potencial para gerar ganhos de eficiência nos próximos anos.

Em resumo, embora a produtividade seja tipicamente associada ao desempenho das economias no médio e longo prazo, o tema passou a fazer parte da agenda dos bancos centrais, especialmente após os choques da pandemia. A divulgação dos dados trimestrais de produtividade ao longo deste ano vai dar boas pistas da direção da política monetária no Brasil e nas economias avançadas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/04/2024.

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