Macroeconomia

A guerra intensifica o choque inflacionário

22 mar 2022

Guerra da Ucrânia aumentou incerteza doméstica e internacional, com alta de commodities. Quadro aponta desaceleração mundial e mais inflação. Mas exportadores de commodities como Brasil podem ter benefícios por esse canal. País deve crescer 0,6% em 2022 e 0,7% em 2023.

O cenário para este ano já era desafiador, como destacado nas edições anteriores do Boletim Macro. A perspectiva era de baixo crescimento do PIB e de uma taxa de inflação acima do limite superior do intervalo de tolerância, de 1,5 ponto percentual (p.p.) além da meta de 3,5%. Era também incerto, em função da realização das eleições em outubro e da perspectiva de aperto monetário nas principais economias, em especial nos EUA, o que em geral impacta de forma relevante as economias emergentes.

A guerra na Ucrânia aumentou ainda mais as incertezas sobre os cenários prospectivos internacional e doméstico. Um primeiro efeito do conflito foi a disparada nos preços globais de commodities de energia e agrícolas. A Rússia é um dos principais produtores e exportadores de commodities, incluindo petróleo, gás natural, trigo, milho e fertilizantes. E, com a guerra, os governos ocidentais impuseram sanções que contribuíram para reduzir ainda mais a oferta desses produtos e para elevar seus preços. O preço do barril do petróleo tipo Brent, por exemplo, atingiu um pico de US$ 139 no dia 7 de março, pois a Rússia responde por cerca de 10% da produção e do comércio globais do produto.

Apesar do recuo desse preço para um nível em torno de US$ 100 por barril em meados de março, a expectativa é que o barril não recue tanto assim, pois o balanço global de petróleo permanece apertado no curto prazo, pressionado pela forte demanda, de um lado, e pelas restrições de oferta, de outro, devido aos motivos conjunturais, mas, também, pelas tendências estruturais de descarbonização. Agora é torcer para que as notícias que tivemos nos últimos dias, de um possível cessar-fogo na Ucrânia, se confirmem, o que pode aliviar o impacto negativo do conflito nas perspectivas de crescimento mundial, em especial na Europa.

E, por fim, também complicando o cenário externo, a China, após os indicadores de atividade mostrarem bom resultado no primeiro bimestre, experimentou um surto de casos de Covid-19, o que levou a grandes lockdowns, trazendo novos desafios para a retomada da atividade econômica no país nos próximos meses. O governo chinês irá adotar políticas de estímulo econômico para que o crescimento fique em linha com a meta definida, de 5,5% este ano. Até por isso, sem dúvida, no curto prazo, a preocupação é com o impacto inflacionário mundial desse quadro, pois as medidas de restrição nas regiões afetadas devem reduzir a produção industrial e aumentar ainda mais os gargalos logísticos globais.

No mercado de commodities agrícolas, os preços também subiram muito, pois a Rússia e a Ucrânia respondem por cerca de 20% das exportações globais de milho e por quase 30% das de trigo. Além disso, os ataques recentes ocorrem em importantes áreas de cultivo na Ucrânia.

Esse choque ocorre em momento de cortes nas previsões para as safras da América do Sul, neste caso por problemas climáticos. No Brasil, a estiagem no Sul do país tem gerado perdas expressivas da produção. Para tornar as perspectivas ainda mais preocupantes, temos nova rodada de alta nos custos de insumos, com o aumento dos preços de combustíveis e de fertilizantes. Pois, também no mercado de fertilizantes, a Rússia é grande exportadora, respondendo por cerca de 15% do comércio mundial. Com isso, o risco de escassez de fertilizantes para o plantio brasileiro aumentou e o cenário de aumento de preços de alimentos se consolidou, com riscos elevados para a próxima safra de 2022/23.

Em resumo, os efeitos sobre o crescimento mundial podem até ser atenuados, mas o impacto inflacionário já é latente e, mesmo com alguma mitigação, é difícil imaginarmos muito alívio neste e no próximo ano.

A boa notícia, no caso do Brasil e de alguns outros países da América Latina, é que o fato de essas economias serem exportadoras líquidas de commodities e, ao mesmo tempo, terem relações comerciais limitadas com a Rússia, atenua o choque externo. Isso possivelmente vai ajudar a que as moedas da região se valorizem frente ao dólar. Concomitantemente, os bancos centrais já estavam em movimento de aperto monetário na região, contribuindo para a valorização das moedas e limitando os efeitos secundários do choque de preços das commodities. 

Outro fator positivo para os países da região é o ganho que a valorização das commodities traz para as finanças públicas. Em particular, no caso do Brasil, mesmo com fundamentos fiscais frágeis, esse choque ajuda a postergar a necessidade de um ajuste nas contas públicas, cuja urgência já se reduzira um pouco com a melhora dos resultados primário e nominal e a queda da razão dívida pública/PIB desde 2021.

Em especial, isso ajudará a atenuar a preocupação com a ampliação, pelo governo, de medidas de alívio do impacto inflacionário e de estímulo à demanda em certos segmentos da população – não por coincidência, provavelmente, em hora que lhe favorece, considerando o calendário eleitoral. Assim, em 17 de março foi anunciado um pacote de medidas que, segundo o próprio governo, pretende “injetar” até R$ 150 bilhões na economia no curto prazo.  O programa contém quatro iniciativas: a liberação de novo saque do FGTS; a criação de programa de microcrédito digital; a ampliação de empréstimos consignados e a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS (em torno de R$ 56 bilhões). Não há tantos recursos públicos adicionais nessas medidas, mas a antecipação do pagamento do 13º deve reduzir a desaceleração do consumo das famílias no segundo trimestre.

Porém, como se diz, “não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis”. Nesse caso, podemos destacar certa inconsistência entre as políticas fiscal e monetária. Está em curso um ciclo de aperto monetário pelo Banco Central do Brasil, e, ao mesmo tempo, desde a aprovação do orçamento de 2022, o governo vai na direção de aumento de seus gastos, sem falar em cortar despesas, e com alterações das regras fiscais. Consequentemente, como alertado pelo próprio Banco Central, o aumento dos riscos fiscais demandará taxa de juros mais elevadas por um tempo mais prolongado. Essas medidas de estímulo até podem sustentar crescimento mais elevado no curto prazo, mas isso cobrará um preço, gerando recuo do crescimento mais à frente.

Por ora, mantemos a previsão de expansão do PIB de 0,6% para este ano, mas reduzimos a projeção do ano que vem, de 1,1% para 0,7%. O espaço para a redução da taxa Selic em 2023 dependerá da futura condução da política fiscal. A ver.

 


Leia aqui o sumário completo do Boletim Macro Ibre de março de 2022 na sua versão digital.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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