Macroeconomia

Impactos da educação no mercado de trabalho

3 jan 2022

Na ausência da melhora da composição educacional do emprego, a informalidade estaria num patamar bem mais elevado e o rendimento do trabalho quase não teria crescido desde 1992. Em contrapartida, os impactos da melhoria educacional no desemprego foram praticamente nulos. 

1. Introdução

A melhoria da educação é fundamental para o desenvolvimento do país, pois aumenta a produtividade dos trabalhadores, facilita a criação e absorção de novas tecnologias e, consequentemente, contribui para o crescimento econômico. Além disso, a elevação da escolaridade da população contribui para o aumento do salário e a redução da informalidade.

Diante da relevância do tema, abordaremos neste texto a contribuição da educação para as profundas transformações ocorridas no mercado de trabalho desde o início da década de 1990, dando ênfase ao seu impacto sobre variáveis importantes como taxa de informalidade, taxa de desemprego e rendimento do trabalho.[1]

Este artigo está organizado da seguinte forma. A Seção 2 mostra a evolução da escolaridade e as mudanças na composição educacional da mão de obra desde o início da década de 1990. A Seção 3 discute a relação entre a evolução da escolaridade e a taxa de informalidade. A Seção 4 analisa a relação entre a escolaridade e a taxa de desemprego. A Seção 5 discute o impacto da escolaridade no rendimento do trabalho. A Seção 6 apresenta uma breve conclusão.

2. Evolução da escolaridade

O Gráfico 1 mostra que desde 1992 tem havido uma profunda mudança na composição educacional da população ocupada, com reduções significativas dos grupos menos escolarizados (0 a 4 anos e 5 a 8 anos de estudo), passando de 33,9% para 7,4% e 33,1% para 16,7% entre 1992 e 2019, respectivamente, e aumento sistemático da participação dos grupos mais escolarizados (12 a 15 e 16 anos ou mais de estudo), passando de 14,3% para 42,3% e 5,8% para 19% entre 1992 e 2019, respectivamente.[2] Já em 2020, a participação dos trabalhadores com educação entre 0 a 4, 5 a 8, 9 a 11, 12 a 15 e 16 anos de estudo ou mais foi de 6,3%, 15,1%, 13,6%, 43,4% e 21,5%, respectivamente, refletindo os efeitos da pandemia, que afetou mais os grupos com menor escolaridade.

Gráfico 1: Evolução da composição educacional da população ocupada no Brasil – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

Em razão desta profunda mudança da composição educacional, a escolaridade média da mão de obra aumentou de 6,4 anos de estudo em 1992 para 10,9 anos de estudo em 2019 e 11,2 em 2020, tal como apresentado no Gráfico 2.[3]

Gráfico 2: Evolução dos anos médios de estudo da mão de obra no Brasil – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

A seguir, analisamos a relação entre a melhoria observada na composição educacional da mão de obra e indicadores importantes de mercado de trabalho, como taxa de informalidade, taxa de desemprego e rendimento do trabalho.

3. Relação entre escolaridade e taxa de informalidade

Começaremos a análise mostrando os impactos da melhora na composição do emprego sobre a taxa de informalidade no Brasil. Antes, porém, apresentaremos a dinâmica da taxa de informalidade no Brasil desde o início da década de 1990.

Como mostra o Gráfico 3, entre 1992 e 1999 a taxa de informalidade no Brasil aumentou um pouco, passando de 55,7% para 57,1% neste período.[4] Nos anos 2000, no entanto, houve uma queda significativa da informalidade, de modo que entre 2000 e 2014 ela passou de 56,2% para 43,5%, uma redução de 12,7 pontos percentuais. Com a forte recessão que ocorreu entre 2014 e 2016 houve uma clara reversão na dinâmica da informalidade, que aumentou a partir de 2014 de forma contínua até 2019, quando a taxa de informalidade alcançou o patamar de 47,5%.[5]

Gráfico 3: Evolução da taxa de informalidade no Brasil – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

A pandemia da Covid-19 em 2020 atingiu fortemente os trabalhadores informais, de modo que houve uma queda do emprego informal (-10,1%) bem maior que a observada no emprego formal (-5,6%). Esta mudança na composição da mão de obra fez com que houvesse uma redução de 1,2 pontos percentuais na taxa de informalidade, tendo ela passado de 47,5% em 2019 para 46,3% em 2020.[6]

O Gráfico 4 apresenta a evolução da taxa de informalidade para cada grupo educacional. Como podemos observar, a taxa de informalidade declina com o aumento da escolaridade, caindo de uma faixa próxima a 80% no caso da categoria com escolaridade entre 0 e 4 anos de estudo para algo em torno de 20% dentre os trabalhadores com 16 ou mais anos de estudo.

Gráfico 4: Evolução da taxa de informalidade no Brasil por nível educacional – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

O Gráfico 4 também mostra que a queda da informalidade entre 2000 e 2014 foi mais concentrada nos grupos de escolaridade mais baixa, em especial no grupo que agrega trabalhadores com 0 a 4 anos de estudo (redução de 4,8 pontos percentuais). No caso dos trabalhadores com escolaridade entre 5 e 8, 9 e 11, 12 e 15 e 16 anos ou mais de estudo, a redução entre 2000 e 2014 foi de 3,4 p.p., 1,3 p.p., 3 p.p. e 2 p.p., respectivamente.

Outro fato interessante diz respeito à elevação observada na informalidade após a recessão de 2014-2016. Os dados mostram que o aumento da informalidade nos últimos anos atingiu de forma generalizada todos os grupos educacionais, inclusive os trabalhadores de escolaridade mais alta.[7]

Como mostraremos a seguir, a melhora educacional da mão de obra teve papel fundamental na dinâmica da taxa de informalidade desde o início da década de 1990. Em particular, iremos decompor a variação da taxa de informalidade em dois efeitos: efeito nível e efeito composição. Enquanto que o primeiro efeito mede a contribuição da dinâmica da taxa de informalidade dentro de cada grupo, o segundo mede a contribuição da mudança na composição educacional da mão de obra.[8]

O Gráfico 5 mostra que, embora o efeito nível tenha oscilado entre momentos no qual contribuiu para a queda da informalidade (2000-2014) e momentos no qual contribuiu para sua elevação (década de 1990 e principalmente entre 2014 e 2029), a melhora na composição educacional da mão de obra (efeito composição) agiu, ao longo de todo o período, no sentido de reduzir a taxa de informalidade no Brasil, inclusive em momentos onde houve elevação da informalidade.

Gráfico 5: Decomposição da variação da taxa de informalidade no Brasil– 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

Em particular, a informalidade só avançou pouco na década de 1990 (elevação de 0,5 p.p.) por conta do efeito composição, que contribuiu no sentido de reduzi-la em 4,8 p.p. Já no período mais recente, entre 2014 e 2020, o avanço de 2,8 pontos percentuais na taxa de informalidade se deu por conta do forte efeito nível (contribuição de 6,9 p.p), que superou a contribuição do efeito composição (contribuição de -4,1 p.p). Vale destacar que a elevação da informalidade entre 2014 e 2020 só não foi maior por conta da queda observada em 2020, ano no qual o efeito composição respondeu sozinho por toda a variação da taxa de informalidade.

O Gráfico 6 mostra qual seria a taxa de informalidade caso não tivesse havido mudanças na composição educacional da mão de obra, ou seja, se ela tivesse se mantido igual à observada em 1992. Este exercício contrafactual sugere que a melhora na composição educacional da mão de obra foi fundamental para a redução de 9,4 p.p. na taxa de informalidade observada entre 1992 e 2020. Na ausência desta melhora, a taxa de informalidade teria tido um expressivo aumento de 6,5 p.p., passando de 55,7% para 62,2%.

Gráfico 6: Exercício contrafactual da evolução da taxa de informalidade no Brasil – 1992-2020

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad e Pnad Contínua.

Os resultados mostram, portanto, a importância dos ganhos educacionais para a redução da informalidade no mercado de trabalho brasileiro.

O texto completo contendo a análise dos impactos da educação no mercado de trabalho pode ser acessado através do site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] As séries apresentadas ao longo deste texto foram construídas a partir da compatibilização sugerida por Ottoni e Barreira (2016) entre as principais pesquisas de emprego do país, a PNAD e a PNAD Contínua, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para maiores detalhes sobre a metodologia de compatibilização entre as duas pesquisas, acesse o texto no link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/metodologia_de_retropolacao_da_pnadc_de_1992_a_2012_-_ottoni_e_barreira.pdf

[2] Os grupos educacionais foram padronizados para o ensino fundamental completo com duração de 9 anos. Sendo assim, os dois primeiros grupos, 0 a 4 e 5 a 8 anos de estudo, compreendem os trabalhadores sem instrução e com ensino fundamental incompleto. Já os grupos de 9 a 11, 12 a 15 e 16 anos de estudo ou mais referem-se aproximadamente aos grupos de trabalhadores com ensino fundamental completo e ensino médio incompleto, ensino médio completo e ensino superior incompleto e ensino superior completo, respectivamente.

[3] Este aumento nos anos médios de estudo da mão de obra desde o início da década de 1990 ocorreu de forma semelhante em todos os grupos etários.

[4] Consideramos como informais aqueles que trabalharam sem carteira assinada, por conta própria ou como trabalhadores familiares auxiliares. Idealmente gostaríamos de considerar uma medida segundo a qual os que trabalham por conta própria e empregadores sem CNPJ são classificados como informais e aqueles com CNPJ são considerados formais. No entanto, estas informações só estão disponíveis na Pnad Contínua a partir do final de 2015, impossibilitando a construção de uma série longa. Logo, manteremos a classificação de emprego informal como mencionada inicialmente.

[5] Desde o final da recessão de 2014-2016, a contribuição da informalidade para a recuperação do emprego tem sido muito elevada, destoando do padrão observado em recessões anteriores. Veloso, Matos e Peruchetti (2020) detalharam o comportamento do emprego informal e formal, bem como sua contribuição para o crescimento do emprego ao longo das recessões desde meados da década de 1990 e concluíram que o padrão de recuperação do mercado de trabalho após a recessão de 2014-2016, caracterizado pelo aumento expressivo da informalidade, é diferente do verificado em outros períodos de recuperação da economia. Para maiores detalhes, acesse o texto no link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/padrao_de_recuperacao_do_emprego_apos_a_ultima_recessao_e_sua_relacao_com_a_produtividade_do_trabalho_final_16032020.pdf

[6] Considerando uma medida de informalidade na qual trabalhadores por conta própria e empregadores sem CNPJ são classificados em ocupações informais, além dos trabalhadores sem carteira assinada e os trabalhadores familiares, a queda no emprego informal teria sido ainda maior em 2020 (-12,6%). Por outro lado, a queda no emprego formal teria sido um pouco menor (-4,1%). Estes resultados podem ser encontrados em detalhes no Observatório da Produtividade Regis Bonelli, através do link a seguir: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/relatorio_anual_pt_-_final.pdf

[7] Especificamente, a taxa de informalidade dos trabalhadores com 16 anos ou mais de estudo aumentou de 23,1% em 2014 para cerca de 30% em 2019. Em 2020, no entanto, a taxa de informalidade do grupo de trabalhadores com 16 anos ou mais de estudo recuou para 29,4%.

[8] No Apêndice apresentamos os detalhes desta decomposição.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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