Índice de Capital Humano (ICH) anual
O Índice de Capital Humano (ICH) do FGV IBRE incorpora a mudança na composição das horas decorrente do aumento de escolaridade e experiência da população ocupada, com base na metodologia adotada por organizações internacionais.
1.INTRODUÇÃO
Ao menos desde a década de 1960, com a grande repercussão do modelo proposto por Becker (1962), o termo capital humano é empregado para representar o conjunto de habilidades e conhecimentos capazes de gerar rendimentos maiores para os indivíduos. A denominação como capital, em analogia ao capital físico, reflete a ideia de que se trata de um investimento presente com recompensa futura na forma de maior renda e consumo.
Diferentemente do capital físico, no entanto, o capital humano é de natureza intangível: conhecimento, habilidades, experiência, familiaridade com determinada atividade, desempenho cognitivo e, até mesmo, bem-estar e longevidade são propriedades imateriais. Assim, sua mensuração é necessariamente mais desafiadora do que a contagem da quantidade ou do valor monetário de maquinários industriais, por exemplo. Além disso, a identificação das fontes do capital humano – isto é, dos tipos de investimento que promovem os ganhos futuros – também não é trivial.
De modo geral, diferentes noções de educação formal e experiência no trabalho foram elencadas como as principais variáveis associadas a maiores níveis de capital humano. Como consequência, elas estariam associadas a produtividades mais altas e, assim, a rendimentos salariais também maiores. Talvez a mais famosa tentativa de medir esses efeitos seja o modelo salarial de Mincer (1974), que obtém estimativas para o retorno de um ano adicional de estudo e de experiência no trabalho para o salário de um trabalhador a partir de regressões lineares. Mais recentemente, trabalhos baseados em quase-experimentos ou em tratamentos randomizados controlados (RCTs) têm fornecido estimativas causais ainda mais precisas da resposta de salários e do desempenho escolar a programas e políticas específicos voltados ao desenvolvimento do capital humano.[1]
A despeito dos sucessivos avanços nessa literatura, porém, não há consenso quanto à forma ideal de se medir o capital humano de um indivíduo, muito menos de uma nação. De fato, o contexto específico analisado e o objetivo pretendido com o estudo podem gerar condições que tornem uma metodologia mais adequada do que outra.
Algumas instituições internacionais, como Banco Mundial, Penn World Table e Conference Board, disponibilizam séries históricas de medidas de capital humano que permitem a comparação entre os países. No entanto, a ampla abrangência dessas medidas impõe a adoção de metodologias mais simples e menos adaptadas ao contexto específico de cada país, e dependentes de um conjunto pequeno (e, assim, mais facilmente observável) de variáveis.
No âmbito nacional, pesquisadores têm buscado construir medidas de capital humano mais aderentes ao contexto brasileiro.[2] Em particular, as últimas décadas foram marcadas por dois fenômenos importantes no mercado de trabalho brasileiro: por um lado, houve um significativo crescimento da escolarização formal entre os participantes da população ocupada; por outro, os retornos de educação tiveram trajetória de queda. Como se considera que os salários estão associados ao nível de produtividade dos trabalhadores, tal queda nos retornos pode representar uma redução no ganho de produtividade resultante do acúmulo de capital humano. Esses dois fenômenos têm efeitos contraditórios sobre a produtividade agregada da força de trabalho no Brasil, e uma medida apropriada do capital humano no país deve capturar de forma adequada esses efeitos.
Barbosa Filho et al. (2010) analisaram a evolução da PTF no período 1992-2007 utilizando uma medida de capital humano que permitia mensurar tanto a evolução da participação dos diversos níveis de escolaridade e experiência do trabalhador no total de horas trabalhadas como a variação em sua produtividade ao longo do tempo.
Silva et al. (2021) construíram o Índice de Qualidade do Trabalho (IQT), baseado em Aaronson e Sullivan (2001), para analisar as mudanças trimestrais na composição da população ocupada no período de 2012 a 2021.[3]
No presente estudo, contribuímos para a literatura sobre capital humano no Brasil de duas formas. Primeiro, construímos uma medida de capital humano com horizonte de tempo mais longo, cobrindo anualmente o período entre 1995 e 2022. Dessa forma, construímos um indicador capaz de capturar os movimentos de natureza estrutural da qualidade da mão de obra brasileira, dada a ampla abrangência temporal dos dados utilizados.
Segundo, adaptamos ao caso brasileiro a metodologia empregada por diversas organizações internacionais para mensuração do capital humano da população ocupada, a exemplo do Conference Board, do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos, do Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido e da OCDE.
Nossa medida, que denominamos Índice de Capital Humano (ICH), tem como característica importante o fato de ser derivada de modo compatível com a metodologia usual de decomposição do crescimento econômico. Neste sentido, empregamos o ICH no ajuste do fator trabalho empregado no cálculo da produtividade total dos fatores (PTF) para o Brasil.
Além desta introdução, este trabalho é composto por outras sete seções. Na segunda seção apresentamos uma revisão da metodologia de mensuração do capital humano, discutindo as principais dificuldades envolvidas na construção dos indicadores. Na terceira seção, restringimos nossa atenção a um conjunto de metodologias específicas de indicadores empregados por instituições nacionais e internacionais, discutindo-as em maior detalhe. Na quarta seção, apresentamos a derivação teórica do índice ICH e a metodologia empírica para seu cálculo. A quinta seção descreve a base de dados, a construção da amostra e algumas estatísticas descritivas. Na sexta seção, apresentamos a evolução do ICH entre 1995 e 2022 e o comparamos a medidas utilizadas por algumas instituições internacionais. A sétima seção traz uma aplicação importante do ICH, qual seja, sua incorporação à estimação da PTF. Novamente, comparamos o desempenho do ICH com indicadores utilizados por instituições internacionais. A oitava seção apresenta as considerações finais do estudo.
Acesse o texto completo no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
[1] Ver Deming (2022) para uma síntese.
[2] O Banco Mundial construiu um indicador de capital humano para estimar o acúmulo de habilidades pelos indivíduos até os 18 anos em uma grande amostra de países. Em relatório recente com foco no Brasil (World Bank, 2022), o Banco Mundial estima que um brasileiro médio nascido em 2019 atingirá apenas 60% de todo o seu potencial aos 18 anos.
[3] Silva et al. (2022) apresentam estimativas do IQT desagregadas por setores econômicos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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