Macroeconomia

Inflação não dá trégua

22 fev 2022

Pressões inflacionárias internacionais e domésticas, tensões geopolíticas e desaceleração econômica no Brasil compõem um cenário difícil neste início de 2022. Adicionalmente, há grande incerteza fiscal e déficit público pode aumentar de 0,4% do PIB (2021) para 1,0% este ano.

O início deste ano tem sido mais desafiador do que previsto. No front internacional, as pressões inflacionárias se intensificaram, com novos aumentos de preços de commodities, com destaque para o petróleo e as commodities agrícolas. A alta do preço do barril de petróleo foi impulsionada, principalmente, pela forte demanda, em um contexto de oferta restrita, fruto da busca mundial pela descarbonização. Com relação às commodities agrícolas, as projeções de safras de grãos foram revistas para baixo, com destaque para o Brasil e a Argentina, devido a  problemas climáticos que têm afetado a produção.  Os estoques desses produtos estão em baixa, acentuando a pressão sobre os preços.

Tensões geopolíticas apenas agravam essa tendência – Rússia e Ucrânia são, por exemplo, dois dos maiores exportadores mundiais de trigo. Adicionalmente, a China tem evitado uma desaceleração mais intensa da economia, com políticas de estímulos, contribuindo para pressionar os preços das commodities, principalmente das metálicas. Por sua vez, a onda da Ômicron intensificou as pressões inflacionárias dos insumos industriais, devido às limitações das cadeias produtivas, e contribuiu para a manutenção da demanda mundial em patamares elevados relativamente à oferta.

Nos EUA, a inflação foi recorde: o índice cheio subiu para 7,5%, em valores acumulados em 12 meses, a maior taxa desde 1982, com o núcleo atingindo 6%, o maior registrado em quase 40 anos. Nesse contexto, e com o mercado de trabalho bem pressionado, as expectativas de uma política monetária mais apertada se confirmam. A despeito disso, os mercados têm se mostrado com maior apetite pelo risco, o que tem contribuído para a apreciação de moedas de países emergentes frente ao dólar. Não há, porém, garantia que esse cenário continue nos próximos meses.  

No Brasil, as pressões internacionais de preços, além de problemas climáticos domésticos, têm contribuído para pressionar os preços de bens industriais e de alimentação domiciliar, levando  à aceleração em valores acumulados em 12 meses da inflação desses dois grupos em janeiro último. E as perspectivas ainda não são muito favoráveis no curto prazo. O único alento é que, como resultado do maior fluxo de recursos estrangeiros para o país, a taxa de câmbio se valorizou em torno de 8% desde o final do ano passado, atenuando os choques externos de preços.

Mas, de qualquer forma, a inflação elevada continuará no radar por alguns meses, e apenas quando entrar a redução da tarifa de energia, em razão da melhora do nível de reservatórios, teremos um recuo da inflação mensal. A expectativa é que ela fique em torno de 5,6% no ano, mas há riscos de novas revisões para cima.

Em relação à atividade econômica, os indicadores divulgados recentemente confirmam a tendência de desaceleração, em especial  para o comércio varejista. Em particular, o Índice de Situação Atual do Comércio (ISA-COM) recuou em janeiro para 80,5 pontos, menor valor desde março de 2021 (75,9 pontos) e bem aquém do valor máximo registrado em julho de 21, de 108,7 pontos. Como destacado em edições anteriores do Boletim, a expectativa era mesmo de contração do setor, em função da normalização da cesta de consumo das famílias, em direção a retornar à demanda por serviços, em detrimento do consumo de bens. Outra razão para a contração é o fraco poder de compra das famílias, devido à inflação elevada, ao baixo crescimento da renda e à piora nas condições de crédito.

Por outro lado, ainda há espaço para a normalização de algumas atividades dos serviços privados e públicos. Aqueles prestados às famílias fecharam o ano passado 11% abaixo do nível pré-pandemia de fevereiro de 2020, de acordo com a Pesquisa Mensal de Serviços. Já os serviços públicos, de acordo com o Monitor do PIB do FGV IBRE, fecharam 2021 quase 2% abaixo do patamar registrado no último trimestre de 2019. Há, portanto, espaço para uma alta relevante na atividade nesses serviços. Outros segmentos de serviços já estão acima ou próximos do nível de fevereiro de 2020.

Nesse contexto, reduzimos apenas ligeiramente a expectativa de crescimento do PIB no quarto trimestre, de 0,6% (TsT) para 0,5%. O PIB deve ser positivo, devido à contribuição favorável dos serviços e da agropecuária, mais do que compensando o recuo da indústria. De fato, desde meados do ano passado temos reforçado a visão de crescimento do PIB no último trimestre do ano, após o cenário de estagnação no segundo e terceiro trimestres. Além disso, avaliamos que ainda há espaço para um resultado positivo para o PIB em 2022, devido à normalização de algumas atividades do setor serviços e à expectativa de crescimento do setor extrativo e da agropecuária. A despeito da revisão para baixo do crescimento do setor agropecuário em 2022, devido ao clima mais adverso neste início de ano, a expectativa ainda é de crescimento em relação ao ano passado. E com isso, mantemos a previsão de crescimento de 0,6% este ano.

Tendo em vista esse quadro, assim como o estágio atual do ciclo de aperto monetário e os efeitos cumulativos do aumento já ocorrido da taxa de juros sobre a economia, o Banco Central deve reduzir o ritmo de aumento da taxa de juros para 1p.p. na próxima reunião. Em maio deve haver ainda uma última alta, de 0,5 pp, encerrando-se o ciclo com a Selic em 12,25%. Comparado aos outros países, portanto, o Brasil está adiantado no ciclo de aperto monetário. Tudo indica, porém, a necessidade de se manter a taxa de juros nesse patamar até o final do ano. Os próximos passos vão depender, porém, do que ocorrer com a política fiscal.

De fato, mesmo com um cenário positivo no curto prazo, os riscos fiscais se intensificaram. Com o fim do Teto dos Gastos, passou a imperar grande incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas. Hoje a percepção é de que as regras fiscais podem ser alteradas quando há pressões políticas, muitas vezes por motivos eleitorais, com mudanças não necessariamente justas do ponto de vista social.

Recentemente, as PECs e os projetos de lei em tramitação no Congresso têm ido na direção de reduzir impostos, mas com alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, para evitar a necessidade de compensação fiscal. Consequentemente, a Regra do Teto e a LRF deixaram de ser restrições ao descontrole fiscal. O impacto final sobre as contas públicas vai depender do escopo das medidas, mas já há expectativa de deterioração do déficit público do governo central, de 0,4% para 1,0% do PIB, neste ano. O risco, porém, é de ser ainda maior, colocando o país cada vez mais distante do equilíbrio fiscal. 


Leia aqui o sumário completo do Boletim Macro Ibre de fevereiro de 2022 na sua versão digital.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.