Macroeconomia

Lei gera emprego, sim

17 jan 2020

O Brasil aprovou uma expressiva reforma trabalhista no ano de 2017. A reforma tem, desde então, sido fruto de inúmeras controvérsias. Um dos debates gira em torno da capacidade da reforma ajudar na geração de novos postos de trabalho.

Uma crítica frequentemente levantada é a de que “lei não gera emprego” (para um exemplo, do ano em que a reforma foi aprovada, ver aqui). Segundo essa linha de argumentação, como as leis em geral não ajudam na geração de postos de trabalho, então a reforma trabalhista, em particular, também não seria capaz de auxiliar na criação de novas vagas.

Neste texto, procuro argumentar que, contrariamente ao que dizem os críticos, as leis, em geral, podem sim ajudar na geração de emprego. E que até a reforma trabalhista, em particular, também tem potencial para auxiliar na criação de postos de trabalho. Para simplificar, separo a exposição em dois argumentos distintos.

O primeiro, que acredito ser menos sujeito a críticas, tem natureza mais geral, sem focar especificamente no caso da reforma trabalhista, procurando defender que o conjunto de leis de um país tem, sim, um papel importante na geração de postos de trabalho. O segundo, que me parece ser potencialmente mais controverso, tem natureza mais específica, procurando defender que a reforma trabalhista, ao flexibilizar as relações de emprego, pode sim auxiliar na geração de emprego.

Começo agora com o argumento mais geral. Na verdade, uma ideia que permeia grande parte da literatura econômica recente é a de que o conjunto de leis de um país tem grande influência sobre o seu potencial de crescimento econômico. Tanto no campo teórico, quanto no empírico, existem inúmeros artigos científicos sustentando essa relação entre a legislação de um país e a sua capacidade de crescer.

Como referência teórica, para um público não especializado, recomendo o livro de Acemoglu e Robinson intitulado: “Por que as nações fracassam” (para um resumo, ver aqui). Ests obra defende que as instituições de um país são as principais responsáveis pelo seu potencial de crescimento econômico. Mas a definição de instituições, adotada no livro, compreende também as leis. Logo, a teoria econômica recente parece corroborar o argumento de que o conjunto das leis de um país é determinante para o seu desenvolvimento econômico.

No campo empírico, recomendo o artigo dos mesmos autores, Acemoglu e Robinson, cuja tradução do título (do inglês para o português) é: “A reversão da fortuna: o papel da geografia e das instituições na construção da distribuição moderna da riqueza mundial” (para acessar o estudo basta clicar aqui). O artigo oferece evidência empírica convincente para defender que a riqueza atual das colônias inglesas na América decorre justamente das instituições implementadas naquelas nações. Dessa maneira, a evidência empírica também corrobora o argumento de que as instituições, e também as leis, de um país são determinantes para o seu crescimento econômico.

Consequentemente, parece seguro afirmar que existem inúmeros artigos científicos – tanto teóricos quanto empíricos – sustentando essa relação entre a legislação de um país e a sua capacidade de crescer. Porém, como crescimento econômico é crucial para a geração de postos de trabalho, então parece pouco controverso afirmar que o conjunto de leis de um país é, sim, importante para ajudar na criação de emprego.

Sigo a partir daqui para o argumento mais específico. Nesse caso, procuro focar apenas na evidência empírica, dado que realizei recentemente, em parceria com o pesquisador Tiago Barreira, uma revisão da literatura empírica acerca do efeito de flexibilizações trabalhistas, como a realizada em 2017 no Brasil, sobre o emprego. Vale ressaltar que foram analisados, na revisão em questão, 30 estudos distintos.

Por um lado, os estudos analisados corroboram majoritariamente a hipótese de que flexibilizações trabalhistas aumentam o emprego (23 dos 30 artigos apontam nesta direção). Por outro lado, existe de fatoe espaço para a discussão, dado que alguns estudos chegam à conclusão inversa, de que flexibilizações trabalhistas reduzem o emprego (2 dos 30 artigos encontram este tipo de resultado).

Logo, a evidência de que flexibilizações trabalhistas, como é o caso da reforma brasileira, ajudam a gerar emprego é mais controversa. Mesmo assim, diante de tamanha superioridade da evidência favorável às flexibilizações trabalhistas, tendo a ficar otimista quanto à capacidade da reforma brasileira ajudar na geração de postos de trabalho.

Feitos os dois argumentos – o mais geral e o mais específico – parece seguro dizer que a ciência econômica corrobora a afirmação de que “lei gera emprego”. Por um lado, entendo que existe pouca controvérsia para essa afirmativa em termos mais gerais, ou seja, sem focar especificamente no caso das flexibilizações trabalhistas. Porém, mesmo no caso mais restrito das flexibilizações trabalhistas, apesar de existir algum espaço para discussão, a evidência empírica tende a apontar majoritariamente na direção de um efeito positivo destas sobre o emprego.

Fica então à seguinte pergunta: porque o país tem gerado um número tão pequeno de postos de trabalho nos últimos anos, se a reforma trabalhista está em vigor e dado que ela deveria ajudar na criação de emprego? Me parece ainda ser cedo para responder a essa pergunta mais formalmente, com base na econometria. Por enquanto, ofereço apenas duas respostas mais informais.

Primeiro, havia, até a eleição de 2018, uma chance expressiva de a reforma trabalhista de 2017 ser revertida. Inclusive um dos candidatos mais populares, à época da disputa, afirmava que, caso eleito, revogaria a reforma trabalhista (ver exemplo aqui). Esse risco praticamente terminou com a vitória do agora presidente Jair Bolsonaro, dado o seu apoio irrestrito à manutenção da reforma trabalhista. Não supreendentemente, a geração de postos de trabalho intermitente, contrato criado com a reforma trabalhista, se acelerou fortemente em 2019, comparativamente a 2018.

Segundo, ainda prevalece um elevado grau de insegurança jurídica no que tange diversos aspectos da reforma trabalhista de 2017. Esse segundo risco só vai diminuir gradativamente, à medida que haja o estabelecimento de uma jurisprudência mais sólida acerca dos temas que já estão sendo fruto de disputas trabalhistas.

E agora? Resta aguardar um pouco mais de tempo para que a reforma fique mais consolidada do ponto de vista jurídico, e para que haja um conjunto maior de dados que permita a realização de uma análise mais formal, calcada em técnicas econométricas modernas. Dests maneira, somente mais adiante será possível estimar o efeito da reforma trabalhista brasileira sobre o emprego.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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Wanda

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