Macroeconomia

A mais profunda recessão mundial no pós-guerra e seus impactos na economia do Rio

15 abr 2021

O momento que estamos vivendo há mais de um ano, com uma crise de saúde, que tem impactos na economia, e não somente uma crise exclusivamente econômica, nos coloca numa posição única, totalmente diferente das recessões mundiais anteriores. Dado o ineditismo do momento, o foco prioritário é salvar vidas - o que mais interessa atualmente -, e, ao mesmo tempo, construir soluções conjuntas para que as pessoas e empresas consigam chegar, com o menor impacto econômico possível, até o fim da pandemia, que só será alcançada com a vacinação em massa da população. Por isso, o melhor plano econômico é a vacina!

No ano passado, o Banco Mundial divulgou o relatório “Global Economic Prospects”,[1] que tinha no capítulo “Pandemic, Recession: The Global Economy in Crisis”, o interessante box “How deep will the COVID-19 recession be?”, com informações históricas importantes. Com dados de mais de 180 países para os últimos 150 anos, o organismo internacional definiu que desde 1870, a economia mundial passou por 14 recessões globais,[2] sendo a última em 2020, do coronavírus. No período histórico, 1870-1959, foram nove recessões mundiais, com pelo menos uma em cada década. E embora não tenha havido recessão global nas décadas de 1950 e 1960, nas cinco décadas seguintes ocorreu uma em cada década.

A recessão de 2020, provocada pelos impactos econômicos ligados à pandemia e seus efeitos para mitigá-la, levou a uma queda próxima de 7% do PIB per capita mundial,[3] sendo a mais profunda recessão mundial desde 1945-46, período da 2GM. O recuo da renda mundial no ano passado foi mais do que o dobro da recessão da crise financeira internacional de 2008/09. E entre as 14 recessões mundiais dos últimos 150 anos, a crise de 2020 foi a quarta mais profunda, “perdendo” apenas para os períodos das Guerras Mundiais e da Grande Depressão.

A recessão da Covid é única, pois é o único episódio desse tipo, pelo menos desde 1870, que foi desencadeado apenas por uma pandemia e pelas ações tomadas para contê-la. A prolongada recessão global de 1917-21 foi parcialmente motivada pela pandemia de gripe espanhola de 1918-20, mas também resultou da conclusão e consequências da Primeira Guerra Mundial. Em 2009, a pandemia da gripe suína não foi um fator adicional para a recessão mundial desencadeada pela crise financeira. As recessões mundiais anteriores foram impulsionadas por diversos fatores, incluindo crises financeiras; grandes mudanças nas políticas monetárias e fiscais; fortes movimentos nos preços do petróleo; e guerras.

Outro fator relevante é a quantidade de economias que sofrem quedas anuais no PIB per capita durante as recessões mundiais. No ano passado, 92%[4] dos países apresentaram recuos do PIB per capita, proporção maior do que os 85% dos países em recessão no auge (1931) da Grande Depressão de 1930- 32. A média de países com queda do PIB per capita nas 13 recessões mundiais anteriores da crise de 2020 foi de 50%, consideravelmente abaixo do que ocorreu no ano passado. 

A natureza altamente sincronizada da crise do coronavírus levou tanto economias avançadas quanto emergentes a sofrerem as maiores quedas em suas taxas de crescimento do PIB nas últimas décadas. Uma diferença da crise da Covid para as demais, é que o setor de serviços (principal setor da economia brasileira, com peso de mais de 70%, e que no Município do Rio tem um peso ainda maior, de 86%) era menos afetado durante as recessões mundiais anteriores. Já na crise atual, uma grande quantidade de atividades ligadas a este setor - como lojas, restaurantes, bares, hotéis e turismo - sofreu uma parada quase repentina em março e abril do ano passado. Mesmo após o fim desse período, os estabelecimentos continuaram desautorizados a atender utilizando 100% de sua capacidade, atravessando outros períodos de fechamento e medidas mais restritivas - como essa recente no Rio, no final de março / começo de abril deste ano.

Diversos países do mundo, o Brasil inclusive, precisaram injetar dinheiro na economia, tanto para ajudar as pessoas como as empresas. O problema do Brasil é que a situação da atividade econômica e fiscal já não era das melhores antes da pandemia. O país passou por uma forte recessão, devido a erros ligados à política econômica, entre 2014 e 2016, e uma recuperação lenta e gradual no triênio posterior. Isso já seria suficiente para o Brasil ter mais uma “década perdida”[5] na economia, sendo a pior década de crescimento econômico dos últimos 120 anos. Com a crise do coronavírus, a situação se agravou ainda mais. Como consequência, na média entre 2011 e 2020, a economia brasileira ficou estagnada. No lado fiscal, o país - após apresentar 16 anos de superávit primário (1998-2013) - gasta mais do que arrecada, excluindo os juros, desde 2014. Com isso, a dívida bruta aumentou de 50% do PIB em 2013 para 75% em 2018, chegando a 90% com a crise de 2020. O aumento da dívida no período da pandemia era esperado, e aconteceu no mundo inteiro, com as medidas para o combate aos impactos econômicos da crise sanitária. A dívida bruta das economias avançadas aumentou 16 p.p. do PIB, e nas economias emergentes, o crescimento foi de 9 p.p. do PIB.[6] O problema do Brasil foi a deterioração fiscal anterior, que contribuiu muito para o fraco desempenho da economia.      

Diante das medidas de quarentena adotadas para frear a propagação do coronavírus, autoridades em todo o mundo implementaram medidas de alívio temporário para assegurar o fluxo de crédito, garantindo a solvência das instituições financeiras. Tais medidas visavam garantir a sobrevivência de empresas impactadas pela crise da Covid-19 através de prestação de apoio com garantias públicas, subsídios do Estado, moratórias de reembolso de dívidas ou incentivo à reestruturação de empréstimos – muitas vezes em cenários delicados que requeriam prudência na condução de políticas fiscais.

Em um estudo do final do ano passado,[7] o Banco Mundial concluiu que todos os 154 países abrangidos em sua base de dados emitiram ao menos uma medida e 95% deles implementaram pelo menos duas, com ênfase em políticas que afetavam o sistema bancário, a liquidez e as condições de financiamento das empresas. Em um outro estudo,[8] do começo de 2021, fazendo uso de uma base de dados de mais de 120.000 firmas – em negócios a nível micro, pequeno, médio e grande - espalhadas por 60 países de diferentes níveis de renda, foi possível compreender melhor a interação entre oferta e demanda por políticas de auxílio, assim como a relativa eficiência de cada uma delas. Do lado da oferta, a maior parte dos programas de auxílio oferecidos ao redor do mundo focou em medidas de financiamento de dívidas: políticas como empréstimos subsidiados, expansão da oferta de crédito, reestruturação de pagamentos e transferências monetárias, que representam mais de 1/3 do total de medidas tomadas, com políticas de manutenção de empregos – em especial através subsídios salariais – ocupando o segundo lugar (25% do total).[9] Além disso, constatou-se também que micro e pequenas empresas têm menor probabilidade de receberem auxílio do que firmas grandes. Já por parte da demanda, cerca de 50% das firmas analisadas elencaram medidas de acesso a financiamento como sua principal prioridade, com firmas menores e empreendedores informais reportando também a necessidade de medidas de transferências monetárias diretas, já que outros tipos de medidas mais formais, como programas de isenção fiscal e tributária ou subsídios salariais são tipicamente menos acessíveis a empreendedores informais.

Seguindo o que foi feito no Brasil e ao redor do mundo, e adaptando para a realidade carioca, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS) lançou a iniciativa “Auxílio Empresa Carioca”, ajudando diretamente as empresas impactadas pelas medidas mais restritivas entre o final de março e começo de abril deste ano, com o objetivo de manter os empregos. Sendo focalizado, e com o objetivo de ajudar, principalmente, as micro e pequenas empresas do setor de serviços - como comércio, bares restaurantes, lanchonetes, cabeleireiro, entre outros -, a Prefeitura vai pagar, proporcional ao período das medidas restritivas (dez dias), um salário mínimo para empregados que recebem até três salários-mínimos, respeitando um limite máximo de cinco funcionários por empresa. A contrapartida é que a companhia não poderá reduzir o número de trabalhadores que compõem seu quadro de funcionários por dois meses. A expectativa é que 100 mil empregos sejam impactados, beneficiando pelo menos vinte mil estabelecimentos do Rio. O Auxílio Empresa Carioca foi uma lei (no 6.847 / 2021) aprovada pela Câmara Municipal dos Vereadores, enviada pelo Poder Executivo. A Câmara ajudou com R$ 30 milhões para essa iniciativa.

Outra atuação da SMDEIS, em parceria com a Invest.Rio (empresa de investimentos da Prefeitura do Rio, ligada à Secretaria), foi o “Crédito Carioca”, um programa de microcrédito para micro e pequenas empresas, com dinheiro privado, inicialmente das instituições financeiras SICOOB Rio e Estímulo Rio, com o objetivo de minimizar os impactos da pandemia com a concessão de crédito. No Programa, o público-alvo abrange tanto o microempreendedor, com um ticket-médio esperado para tomar emprestado entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, quanto pequenos empresários com faturamento anual de até R$ 400 mil, com um ticket-médio maior, a partir de R$ 10 mil e podendo chegar até R$ 400 mil.

Essas duas iniciativas, além do “Auxílio Carioca”, que injeta “dinheiro na veia” para os cariocas mais vulneráveis, são “pontes” importantes que a Prefeitura do Rio, junto com a Câmara Municipal, fez para minimizar os impactos econômicos na vida dos cariocas, principalmente nesse momento de medidas mais restritivas. E tudo isso numa situação fiscal difícil do Município do Rio, fruto da crise mundial e também da administração municipal anterior, que deixou os cofres públicos praticamente vazios para a nova gestão da Prefeitura, iniciada em janeiro deste ano. Assim como o Brasil passou por uma deterioração fiscal nos últimos anos, o mesmo ocorreu na cidade do Rio.

A SMDEIS tem múltiplas tarefas. Olhando um pouco mais para frente, além de pensar estrategicamente o desenvolvimento econômico da cidade, a Secretaria conta com uma inédita subsecretaria de regulação e ambiente de negócios, que tem como missão contribuir para uma melhor formatação das políticas regulatórias e aumentar a segurança jurídica dos investidores. A SMDEIS também é responsável pelas licenças urbanísticas e ambientais do Rio, uma integração absolutamente inovadora, cuja premissa é o desenvolvimento econômico sustentável atrelado à proteção ambiental e ao ordenamento urbanístico, transformando o Rio em uma das melhores cidades do país para se fazer negócios. Foi enviado para a Câmara Municipal a Lei da Liberdade Econômica do Rio, de autoria da SMDEIS, que tem por objetivo facilitar a vida de quem quer empreender, gerando mais empregos e desenvolvendo a economia carioca. A autodeclaração para atividades de baixo risco, sem a necessidade de obter licenciamento em razão da sua baixa complexidade e baixo impacto no ambiente de negócios, é um dos principais pontos do projeto. Estimativas da SMDEIS indicam que, com a LLE, o PIB per capita anual do Rio pode crescer até R$ 4 mil (passando de R$ 54, 4 mil para R$ 58,4 mil), com um potencial de gerar aproximadamente 115 mil empregos novos na cidade, em até dez anos. Com a implementação da autodeclaração e digitalização, sem a demora de licenciamentos urbanísticos, pode-se reduzir de 267 dias para 40 a retirada de licenças, com uma diminuição próxima de R$ 34 mil de custo do licenciamento para o empreendedor.

Em resumo, a crise do coronavírus é única em muitos aspectos, principalmente por ser a primeira recessão a ser desencadeada apenas por uma pandemia nos últimos 150 anos. O Brasil e seus municípios - em especial o Rio - já atravessaram crises econômicas antes da pandemia, com fraco desempenho da atividade econômica, alto desemprego e crítica situação fiscal. A Covid agravou mais ainda os problemas econômicos anteriores. Olhando o que foi feito no Brasil e ao redor do mundo, nesse período “praticamente de guerra”, a Prefeitura do Rio criou iniciativas para ajudar pessoas e empresas nesse difícil momento, principalmente de medidas mais restritivas. Essas “pontes” são importantes ajudas, em especial o Auxílio Empresa Carioca, o Crédito Carioca para as empresas, e o Auxílio Carioca, para as pessoas. Paralelamente a isso, também são feitas medidas mais focadas no médio e longo prazo, para simplificar a economia, melhorar o ambiente de negócios, e com isso aumentar os investimentos, fortalecer a atividade econômica, e impactar positivamente o desenvolvimento econômico do Rio, para ter como consequência mais empregos no Rio. Mas para tudo isso acontecer, a vacinação em massa da população é uma condição necessária e prioritária no momento. É, sem sombras de dúvida, o melhor plano econômico.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

[2] 1876, 1885, 1893, 1908, 1914, 1917-21, 1930-32, 1938, 1945-46, 1975, 1982, 1991, 2009 e 2020.

[3] PIB per capita em US$, PPP, segundo as projeções do FMI.

[4] 179 países, em 194, de acordo com os dados do FMI.

[5] Ver também Balassiano (2020), “Década cada vez mais perdida na economia brasileira e comparações internacionais”, Portal FGV, disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/decada-cada-vez-mais-perdida-economia-brasileira-e-comparacoes-internacionais

[6] De acordo com dados do FMI.

[7] Banco Mundial (2020), Taking Stock of the Financial Sector Policy Response to COVID-19 around the World.

[8] Banco Mundial (2021), Policies to Support Businesses through the COVID-19 Shock: A Firm-Level Perspective.

[9] Sobre as medidas de manutenção de emprego, ver também Balassiano (2020), “Kurzarbeit: a origem dos programas de retenção de emprego em época de crise”, Blog do IBRE, disponível em: https://blogdoibre.fgv.br/posts/kurzarbeit-origem-dos-programas-de-retencao-de-emprego-em-epoca-de-crise

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