Mudanças no BPC e Proteção Social
Um dos pontos da reforma da previdência do governo Bolsonaro (PEC 6/2019) que tem gerado mais polêmica é a mudança das regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O BPC é um benefício assistencial criado pela Constituição de 1988 e regulamentado em 1993 pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Ele garante o pagamento mensal de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem situação de pobreza. Atualmente a legislação estabelece que o critério de pobreza para elegibilidade ao BPC é um nível de renda familiar per capita mensal inferior a ¼ do salário mínimo. No caso dos idosos, a idade mínima exigida é de 65 anos.
A PEC aumenta a idade para concessão de um salário mínimo ao idoso, de 65 para 70 anos de idade, e cria um benefício de R$ 400,00 para os idosos que se enquadrem nos critérios de elegibilidade e tenham idade entre 60 e 69 anos.
Uma nota técnica da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgada na semana passada, apresentou simulações sobre o impacto fiscal das mudanças propostas no BPC, com base em dois cenários. No cenário-base, o salário mínimo é indexado apenas à inflação (INPC). No cenário alternativo, é mantida a regra atual do salário mínimo, que estabelece sua correção pela inflação do ano anterior e pelo crescimento do PIB de dois anos antes.
A economia prevista no cenário-base é de R$ 28,7 bilhões em dez anos. Nos primeiro quatro anos de vigência da reforma haveria uma elevação da despesa de R$ 2,1 bilhões, devido à inclusão do novo grupo de beneficiários (60 a 64 anos). Nos anos seguintes, a despesa passaria a recuar, na medida em que fossem gerados os ganhos fiscais associados à elevação da idade mínima de pagamento do salário mínimo de 65 para 70 anos.
Caso seja mantida a regra atual de correção do salário mínimo, a economia projetada com a mudança do BPC seria mais elevada, atingindo R$ 46,5 bilhões em dez anos. Isso ocorreria porque, com o aumento maior do salário mínimo nesse caso, a quebra do vínculo entre o valor do benefício e o salário mínimo na faixa etária entre 65 e 69 anos produziria um ganho fiscal mais elevado.
Embora o impacto fiscal das mudanças do BPC seja relevante, ele é bem menor que a estimativa do efeito das alterações das regras do abono salarial contidas na PEC que, segundo a IFI, atingiriam R$ 150,2 bilhões em dez anos.
A questão que então se coloca é se foi uma boa ideia incluir as mudanças do BPC na reforma da previdência. De um lado, diante do fato de que pessoas de renda elevada se beneficiam de condições muito generosas tanto no RGPS (regime geral) como no RPPS (regime do setor público), propor ajustes em um regime assistencial que beneficia indivíduos em condição de pobreza é algo difícil de comunicar à sociedade, especialmente se o ganho fiscal for considerado pequeno.
Por outro lado, a inclusão do BPC na reforma tem o mérito de chamar atenção para um debate necessário sobre nosso regime de seguridade social. O BPC deve ser visto não de forma isolada, mas como parte integrante de um sistema de proteção social, que também inclui o Bolsa Família e o regime de aposentadoria. Nesse sentido, ajustes no BPC são necessários para compatibilizá-lo com os demais programas, de modo a assegurar que os mais pobres tenham o amparo necessário.
Em 2018, o número de beneficiários do BPC atingiu 4,7 milhões, dos quais 44% são idosos acima de 65 anos e 56% são portadores de deficiência. A despesa com o BPC, somando as duas modalidades, foi de R$ 56,2 bilhões, o que equivaleu a 0,8% do PIB.
Isso corresponde a quase o dobro da despesa com o Bolsa Família, que paga mais de 10 milhões de benefícios. Enquanto a legislação estabelece que a linha de corte para receber um salário mínimo no BPC é de ¼ do salário mínimo (quase R$ 250 em 2019), a renda para receber o benefício no Bolsa Família é de até R$ 89 no caso do benefício básico, que paga os mesmos R$ 89, ou de R$ 178 no caso do benefício variável, que paga R$ 41 por criança.
Portanto, o BPC paga um benefício muito superior ao do Bolsa Família, que atende um número bem maior de famílias, ainda mais pobres, e com crianças. De fato, vários estudos mostram que o Bolsa Família tem maior impacto na redução da pobreza que o BPC.
Outro problema no desenho do BPC, e que provavelmente motivou sua inclusão na reforma da previdência, é que uma elevação das exigências para a aposentadoria no regime geral, sem que sejam feitas mudanças no BPC, pode contribuir para o aumento da informalidade.
Atualmente, um trabalhador de baixa renda da iniciativa privada pode se aposentar com o mesmo benefício (salário mínimo) e idade (65 anos no caso do homem) que um beneficiário do BPC, embora o primeiro tenha contribuído durante pelo menos 15 anos e o segundo nunca tenha feito uma contribuição. A reforma aumenta o tempo mínimo de contribuição do RGPS para 20 anos, o que eleva ainda mais essa disparidade, reduzindo o incentivo à contribuição e podendo aumentar a informalidade.
Embora a renda de elegibilidade ao BPC seja muito baixa, a judicialização a esse respeito tem sido elevada. Em 2013, o STF firmou uma jurisprudência que aumenta a linha de corte de ¼ para ½ do salário mínimo. Além disso, um grande número de ações na Justiça tem como objetivo excluir determinadas fontes de renda ou despesas do cálculo da renda familiar per capita utilizada para determinar a elegibilidade.
Para reduzir a disparidade entre as regras do RGPS e do BPC, a PEC elevou para 70 anos a idade mínima para que o beneficiário tenha direito ao salário mínimo no BPC, acima da idade de aposentadoria de 65 anos.
Um problema que permanece, no entanto, é que um trabalhador de baixa renda que não consiga cumprir o requisito de 20 anos de contribuição, e que não seja elegível ao BPC, não terá direito a uma renda mínima na velhice. Uma possibilidade que deveria ser considerada seria a criação de uma renda mínima de aposentadoria para todos os trabalhadores, de natureza não contributiva.
Em resumo, o debate sobre o BPC vai além da questão fiscal. Em última análise, o objetivo deve ser assegurar uma proteção social mais efetiva.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 8/3/19.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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