Mundo desacelera, mas inflação não dá trégua
Atividade econômica mundial entra em nova fase, caracterizada por desaceleração mais intensa. A inflação não tem dado trégua, no mundo e no Brasil. Domesticamente, mesmo com melhora das contas públicas de curto prazo, perspectivas de médio prazo seguem desfavoráveis.
Na revisão do World Economic Outlook de abril, o FMI cortou, de 4,2% para 3,6%, a projeção para o crescimento do PIB mundial este ano. A previsão de crescimento caiu em especial na área do euro, de 3,9% para 2,8%, mas também para os EUA – de 4,0% para 3,7% – o e para a China – de 4,8% para 4,4% -- houve queda nas taxas projetadas. O Brasil foi uma rara exceção, com o Fundo aumentando, de 0,3% para 0,8%, o crescimento projetado para este ano. Também para 2023, o FMI cortou a projeção de crescimento global, neste caso em 0,2 pp.
Além do conflito entre Rússia e Ucrânia, a necessidade de aperto monetário para combater a elevada inflação global é um dos motivos apontados para essa revisão, para baixo, das projeções de crescimento. De fato, a inflação não tem dado trégua, lá fora e aqui.
Nos EUA, a inflação foi de 1,2% em março, após marcar 0,8% em fevereiro. Na comparação anual, a inflação atingiu 8,5% em março, maior índice desde dezembro de 1981. Pelo menos por lá, o núcleo de inflação, obtido pela exclusão de alimentação e energia do índice, desacelerou para 0,3% em março, ante 0,5% em fevereiro.
Na área do euro e na Inglaterra, a inflação também segue muito pressionada. Além de alimentos, os preços dos combustíveis estão subindo forte e consistentemente. Em particular, na área do euro, o índice de preços ao consumidor passou de 5,9% para 7,5%, no acumulado de 12 meses, e a alta dos preços de energia saltou de 32,0% para 44,7% em março, em relação ao mês anterior.
Ainda não há perspectiva favorável para o recuo nos preços das commodities. Riscos geopolíticos contribuem para esse cenário e, pelo menos por enquanto, não há perspectiva de cessar-fogo na guerra da Rússia com a Ucrânia. Com relação ao petróleo, mesmo o governo dos EUA anunciando a liberação de até 180 milhões de barris da reserva estratégica de óleo nos próximos seis meses, os preços do barril se mantêm voláteis e elevados. O desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado internacional continua e deve se agravar a curto prazo, conforme as sanções apertam e o acesso do petróleo russo ao mercado global fica mais difícil.
A expectativa é que a inflação global siga alta, demandando um aperto monetário que na maioria dos países, na prática, por ora, segue marginal ou apenas na retórica. Nos EUA, como a atividade permanece muito robusta, com forte pressão salarial, a taxa de juros deve subir mais rapidamente e ficar acima do nível neutro em 2023. Se subirá o suficiente para controlar o processo inflacionário e trazer a inflação de volta à meta é cedo para dizer. Já na área do euro, a guerra tem tido efeitos mais negativos sobre a atividade. Mesmo assim, é esperado o encerramento da compra de ativos pelo BCE (Banco Central Europeu) no segundo semestre, e um possível aumento da taxa de juros, que segue negativa, no final do ano.
Diante desse cenário, como prevê o Fundo, a atividade econômica mundial entra em nova fase, caracterizada por desaceleração mais intensa, em que pese o efeito expansionista da retração da pandemia. Além da guerra, o surto de Ômicron na China também contribui para esse processo. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidentes e Antecedentes do FGV IBRE[1] , que registraram quedas mais intensas em abril. O Barômetro coincidente situa-se agora abaixo do nível médio histórico de 100 pontos, enquanto o indicador antecedente sinaliza a perspectiva de uma maior desaceleração do crescimento mundial do que a prevista anteriormente.
Em termos setoriais, todos os indicadores coincidentes recuaram em abril. A maior queda vem dos setores da Indústria e da Construção, que cedem mais de 8,0 pontos na margem, seguidos do Comércio, com queda de 6,2 pontos. Com o resultado, três dos cinco indicadores setoriais estão agora abaixo do nível médio histórico de 100 pontos.
Segundo a pesquisa, a desaceleração deve, portanto, continuar nos próximos meses. Em particular na Europa, as expectativas de crescimento foram fortemente revisadas, com o aumento do pessimismo após o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
E, por fim, na China, a pandemia segue preocupando, com as duras medidas restritivas à mobilidade urbana adotadas em reação ao espalhamento do vírus já impactando a atividade econômica. Os resultados das sondagens setoriais (PMI) de março já mostraram grande impacto negativo no setor de serviços, ainda que com efeito menos acentuado no setor industrial. Tudo isso também impactou as cadeias logísticas e de produção mundiais, de forma que a situação atual na região acrescenta um elemento adicional de risco para a inflação global.
Enquanto isso, no Brasil, o IPCA de março registrou alta de 1,62%, acima da mediana das expectativas de mercado (1,35%). Com esse resultado, o IPCA acumula alta de 11,30% em 12 meses (ante 10,5% em fevereiro). A leitura do mês apresentou índice de difusão mais elevado e núcleos pressionados. Em abril, pelo menos, haverá um alívio no índice, com o fim da bandeira tarifária de “escassez hídrica” e a adoção da bandeira verde. O efeito estimado da mudança em abril é de -0,3 pp em abril, segundo o pesquisador do FGV IBRE, André Braz.
Enquanto, no front inflacionário, os resultados estão vindo muito acima do esperado apenas alguns meses atrás, no front da atividade econômica, por outro lado, mesmo que com volatilidade, os resultados estão em linha com o esperado. Após um mês de janeiro fraco, fevereiro e março devem compensar o resultado negativo do início de ano. Em particular, o IAE cresceu 1,2% (MsM) em fevereiro, após recuar 1,1% em janeiro. A política monetária mais apertada e a inflação mais elevada têm afetado negativamente o crescimento, mas, por outro lado, o cenário positivo de preços de commodities, os estímulos fiscais e a normalização de algumas atividades do setor serviços, com o esfriamento da pandemia, são fatores que contribuem positivamente para a demanda agregada no curto prazo.
Com relação aos estímulos fiscais, não se descartam novas desonerações à frente. No curto prazo, porém, observa-se melhora das contas públicas, devido, principalmente, ao ciclo mais prolongado de preços de commodities em patamares elevados, além da redução real das despesas, em consequência da elevada inflação.
As perspectivas para o médio prazo, todavia, seguem desfavoráveis. O aumento da taxa Selic levará à deterioração do resultado nominal, elevando a dívida pública à frente. Além disso, é esperado recuo dos preços de commodities a partir do segundo semestre deste ano, num contexto de baixa credibilidade de regras fiscais e pressões por mais gastos, devido à inflação elevada e ao calendário eleitoral. Com isso, os riscos fiscais de médio e longo prazo continuam no radar.
A agenda fiscal para o próximo governo é desafiadora: a redução dos gastos obrigatórios precisa ser enfrentada através de reformas que são muito difíceis de serem conduzidas politicamente. Como destacado no livro do economista Marcos Mendes, "Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?", uma sociedade pobre e dividida, com baixa coesão social, dificulta ainda mais a aprovação das reformas de que o país precisa.
Leia aqui o sumário completo do Boletim Macro Ibre de abril de 2022 na sua versão digital.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Os Barômetros Econômicos Globais são um sistema de indicadores que permite uma análise tempestiva do desenvolvimento econômico global. Eles representam uma colaboração entre o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique, na Suíça, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Ver https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2022-04/barometros-globais....
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