Cenários

O custo da desinflação

22 set 2022

Apesar da desinflação global de bens,  grande maioria dos preços segue em alta e inflação não irá retornar às metas sem um aperto mais firme das políticas monetárias. No Brasil, onde BC já subiu juros, há o complicador fiscal.

A economia global enfrenta atualmente um de seus momentos mais desafiantes em décadas. Essa é principal mensagem dada pelos dirigentes dos bancos centrais reunidos no encontro anual realizado em Jackson Hole, nos EUA, no final de agosto. Esses dirigentes, de forma unânime, enfatizaram a importância de combater a mais alta inflação em quatro décadas: “Pelo menos nos próximos cinco anos, a formulação de política monetária será muito mais difícil do que era duas décadas antes do advento da pandemia”, disse Gita Gopinath, a vice-diretora-executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mais um capítulo dessa longa e dolorosa batalha ocorreu em 13 de setembro, quando foi divulgado o índice de preços ao consumidor dos EUA referente a agosto: o núcleo do índice ficou acima das expectativas, sinalizando que o processo inflacionário está mais persistente na maior economia do mundo. A variação anual dos núcleos acelerou para 6,3% em agosto (ante 5,9% em julho), valor muito próximo do pico registrado em abril (6,5%). A aceleração da inflação de serviços é um dos fatores de maior preocupação. Essa surpresa altista provocou muita volatilidade nos mercados, com fortes revisões nas expectativas do aperto monetário que o Fed terá de fazer para conter a alta dos preços. Como temos alertado neste Boletim, infelizmente esse era o cenário mais provável.

Na área do euro, ainda que o processo inflacionário tenha características distintas do americano, vários membros do Banco Central Europeu têm se manifestado no sentido de que o aperto monetário vai continuar. Na região, os preços mais altos de energia continuam sendo uma força dominante da inflação.  A elevada dependência de importação de energia, principalmente da Rússia, tornou o processo ainda mais desafiador para a autoridade monetária, pois choques de oferta também reduzem o crescimento econômico. De fato, o acirramento do conflito ente Rússia e Ucrânia ocorrido nas últimas semanas eleva sobremaneira os riscos geopolíticos, agravando a instabilidade nos mercados financeiros e tornando mais nebuloso o cenário para a economia global.

Em suma, apesar da desinflação de bens, a grande maioria dos preços segue em alta e a inflação não irá retornar às metas sem um aperto mais firme da política monetária, processo que em muitos países ainda está em seu início e distante de chegar a um ponto de conforto quanto à dinâmica futura dos preços. E fica cada vez mais difícil acreditar que isso poderá ser feito com pouco suave das economias: o mais provável é que, sim, infelizmente, o custo da desinflação mundial será elevado.

Por um lado, em países onde há pressão da inflação de serviços, é necessário um desaquecimento do mercado de trabalho e da demanda doméstica. Sem isso não será possível vencer essa “guerra”. E o grande destaque nesse grupo é os EUA.

Por outro lado, os países que estão sofrendo com choque no preço da energia, principalmente do gás, também precisam elevar a taxa de juros – que na maioria deles segue muito negativa em termos reais –, mesmo que a dose necessária seja bem mais branda do que nos países do primeiro grupo, devido aos efeitos negativos desse choque de oferta sobre a atividade econômica. Mesmo com o impacto na atividade, o choque inflacionário pode se tornar mais persistente, necessitando, portanto, ser combatido via aperto monetário. O desafio aqui é calibrar a dose de juros a ser aplicada. Esse é claramente o caso dos países europeus, onde também a redução do balanço do Banco Central Europeu deve entrar em pauta e onde, além da atividade, preocupa a sustentação do euro como moeda comum.


Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de setembro/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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