O declínio da indústria brasileira de 1990 a 2019: produtividade por gênero da indústria e por seus autônomos
A indústria de transformação vem reduzindo sua participação no PIB há tempos e todos os seus gêneros também. Sua produtividade e de seus gêneros têm se reduzido ao longo dos últimos 20 anos.
O desempenho da economia brasileira tem sido sofrível no passado recente. Em post anterior mostramos o péssimo desempenho da Indústria de Transformação (doravante IT) que, por nossa hipótese, determina o desempenho da economia brasileira devido ao seu caráter impulsionador, com efeitos para a frente e para trás, tanto diretos como indiretos. Nesse texto procura-se examinar o passado recente da IT, desagregando-a por Gêneros Industriais (definidos como atividades econômicas da IT, a dois dígitos), e examinando seus desempenhos em termos de produtividade.
1. O Desempenho da Indústria de Transformação e seus Gêneros
Nas Tabelas de Recursos e Usos (doravante TRU), publicadas anualmente pelo IBGE (com 2 anos de defasagem), é possível ser ter informações sobre Valor Adicionado Bruto (doravante VA) e sobre o fator ocupação (doravante Pessoal Ocupado – PO)[1] e assim obter suas respectivas produtividades.
O Gráfico 1, abaixo, mostra a evolução da participação percentual da IT sobre o total do VA. É avassaladora a sua progressiva perda de importância na economia. Em 1990 participava com pouco mais de 18% no VA da economia e termina em 2019 com apenas 12%. Este é um fenômeno natural e tem sido assim nos países desenvolvidos. Entretanto, no Brasil ele ocorreu quando o país ainda tinha uma renda per capita bem inferior à de quando esse fenômeno ocorreu nos países desenvolvidos, quando estes tiveram a substituição de indústria por serviços.[2]
Fonte: Elaboração própria a partir do Sistema de Contas Nacionais do IBGE.
As informações disponíveis possibilitam verificar o que ocorreu nos Gêneros industriais. Inicialmente, nota-se, no Gráfico 2, que 2 Gêneros se distinguem claramente por suas participações: o de Alimentos e bebidas, e o de Máquinas em gral. Em seguida, vêm os de Siderurgia e Metalurgia, e o de Automóveis e veículos em geral e suas peças, e o de Refino de petróleo. Os Gêneros de Farmacêutica e o de Madeira, móveis e as indústrias diversas são os Gêneros seguintes.
Fonte: Elaboração própria a partir do Sistema de Contas Nacionais do IBGE.
A queda de participação na atividade econômica da Indústria de Transformação foi comum a todos os seus Gêneros com mostra o Gráfico 3, a seguir: todos eles reduziram sua participação na economia desde a década de 1990.
Fonte: Elaboração própria. Sistema de Contas Nacionais do IBGE, Tabelas de Recursos e Usos.
2. A evolução da produtividade da Industria de Transformação e seus Gêneros
Em blogs anteriores ( https://blogdoibre.fgv.br/posts/pib-economia-brasileira-do-auge-ao-declinio-em-20-anos e https://blogdoibre.fgv.br/posts/120-anos-auge-e-declinio-da-economia-brasileira) foi realçado o desempenho desastroso da IT, nos últimos 120 anos, em termos de seu desempenho produtivo. Na seção anterior deste texto, em função da disponibilidade de informações, a abrangência foi redefinida para o período 1990-2019, tendo sido elaborados indicadores de Valor Adicionado, Pessoal Ocupado e como resultado a Produtividade do Trabalho para os Gêneros da indústria de transformação (2 dígitos). Foi também calculada a produtividade dos trabalhadores assalariados e dos trabalhadores autônomos para a indústria de transformação, com perspectiva de se vir a ter o mesmo indicador para os Gêneros da indústria.[3]
Tendo em conta que não se deve comparar produtividade do trabalho entre atividades econômicas, vamos apenas explorar suas variações:
”O outro ponto a ser evidenciado neste texto é o de que não se deve comparar produtividades do trabalho entre atividades econômicas. Cada atividade tem seu próprio mercado de atuação e são capazes de diferenciar o seu preço (VP) de seus custos (CI), graças a condições específicas do mercado em que atuam. Dois exemplos saltam aos olhos: atividade em que opera a monopolista Petrobrás e a produção de veículos um mercado oligopolizado; ambas as atividades têm produtividades elevadíssimas comparada as demais sem que isso represente qualquer medida de eficiência. Nessa área o que se pode comparar é taxas de variação da produtividade e dessa forma ter alguma medida de eficácia; ainda assim uma eventual elevação ou redução do preço de petróleo no mercado internacional poderá acarretar variações significativas da produtividade sem que isso seja relacionado a qualquer eficiência ou ineficácia produtiva.” ()
2.1. A produtividade dos Gêneros da Indústria de Transformação.
Assim sendo, separou-se as 3 décadas e calculou-se a média de suas variações anuais, por Gêneros industriais. Os três gráficos a seguir ilustram o exercício.
Observa-se no Gráfico 4 que na década de 1990-99 a indústria de transformação apresentava saldo positivo e que apenas 4 dos 14 Gêneros não apresentavam saldo positivo da média das variações de suas produtividades anuais: Têxtil, Artigos do Vestuário, Artefatos de Couro e Farmacêutica e Perfumaria.
Fonte: Elaboração própria a partir das Tabelas de Recursos
e Usos do Sistema de ContasNacionais do IBGEque divulga
o Valor Adicionado de cada atividade econômica e o seu fator ocupação
(pessoal ocupado). O mesmo procedimento se aplica para os Gráficos 5 e 6, abaixo.
Na década de 2000 a 2009, no Gráfico 5, a situação se reverte e a indústria de transformação apresenta resultado negativo, com apenas 2 Gêneros apresentando resultado positivo: Papel e Gráfica e Farmacêutica e Perfumaria. Entre os negativos destacam-se Refino de Petróleo, Artigos do Vestuário, Máquinas em Geral e Artigos de Borracha.
Na década seguinte de 2010 a 2019, no Gráfico 6, o desastre permanece com 7 dos 14 Gêneros apresentando saldo negativo com destaque negativo para: Têxtil (que ficou negativo nas 3 décadas), Alimentos e Bebidas, Indústria química e Refino de Petróleo. O destaque positivo é Farmacêutica e Perfumaria que havia sido negativo nas duas primeiras décadas.
Um único Gênero, o de Madeira, Móveis e Produtos das Indústrias Diversas, tem saldo positivo durante as 3 décadas.
2.2 A Produtividade dos Empregados Com e Sem Carteira e a dos Autônomos.
Um aspecto ainda não mensurado é a produtividade dos empregados com e sem carteira (assalariados) vis a vis a produtividade dos trabalhadores autônomos. Aqui, isso foi feito utilizando as informações das Tabelas de Recursos e Usos do Sistema de Contas Nacionais que detalha a renda proveniente de remunerações de empregados e uma parcela de rendimentos mistos brutos gerados pelos trabalhadores autônomos, cuja quantidade está detalhada na Tabela 14 do Sistema de Contas Sinóticas, do Sistema de Contas Nacionais do IBGE. Lá tem-se as ocupações de pessoal com vínculo e os sem vínculos subdivididos em Sem Carteira e Autônomos. Como é claro na metodologia das Contas Nacionais, o rendimento misto é gerado pelos trabalhadores autônomos; os demais são assalariados com ou sem carteira.
No Gráfico 7 abaixo, verifica-se que a produtividade dos ocupados com e sem carteira têm produtividade bastante superior à produtividade dos autônomos. Ela é 4,6 vezes superior na década de 2000 a 2009 e aumenta para 7,1 vezes na década de 2010 a 2019. Portanto, os autônomos puxam para baixo a produtividade do total da indústria. Parece evidente que a recuperação da produtividade dos trabalhadores assalariados com e sem carteira que vinha em declínio desde o 2000 reverte e começa a crescer a partir de 2012 e, em 2019 é superior à produtividade de 2005, o que de certa forma estabiliza a produtividade do total da indústria.
A produtividade dos autônomos por sua vez declina ainda mais ainda e em 2019 está com seu nível abaixo de 2016. Essa diferença é a esperada tendo em vista que os trabalhadores que recebem salários (com e sem carteira assinada) estão empregados em empresas organizadas com maior estoque de capital (máquinas e equipamentos) do que os trabalhadores autônomos, o que eleva suas produtividades.
Evidentemente que um exercício que pode, será feito e, proximamente publicado no blog do IBRE, é esse escrutínio por Gêneros da Industria.
3. Conclusões:
> O desastre da produtividade é generalizado entre os Gêneros Industriais embora alguns deles tenham desempenho muito ruins;
> A produtividade dos trabalhadores assalariados com e sem carteira é bastante superior à produtividade dos autônomos e aumentou bastante na década 2010-2019;
> Com já afirmado em blog anterior, são repletas de evidências que a economia brasileira só crescerá com melhorias na indústria de transformação. Para isso será necessária uma política de fortalecimento tecnológico que possibilite inovações com o consequente aumento de sua produtividade já há muito estagnada.
[1] A diferença entre fator ocupação e pessoal ocupado está na possibilidade de um mesmo trabalhador ter duas ou mais ocupações, diferença aqui ignorada.
[2] Este aspecto e outros mais são bastante explorados no livro organizado por Edmar Bacha e Monica Baumgarten de Bolle nas suas duas primeiras partes (I - Industrialização brasileira em perspectivas e II- Macroeconomia da desindustrialização recente), Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2013.
[3] As informações são provenientes das Tabelas de Recursos e Usos do Sistema de Contas Nacionais do IBGE. As informações de VA do período 1990-99 estão a preços de 1999. As de 2000 a 2019 estão a preços de 2019.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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