Macroeconomia

O mundo acelera, o Brasil desacelera

22 abr 2021

Pelos dados do Worldometer, já são mais de 140 milhões de casos e mais de 3 milhões de mortes da COVID-19 registrados no mundo. Mas o que mais chama atenção é que esses números seguem acelerando: as médias móveis de sete dias de óbitos e de novos infectados atingiram os patamares de 11 mil e de 750 mil por dia, respectivamente. Com relação a novos casos, os destaques são a Índia, Brasil, EUA e Turquia. Quanto ao número de novos óbitos, o Brasil representa em torno de 25% do total mundial e a Índia quase 15%[1].  No Brasil, há uma estabilização recente, mas, na Índia, os números crescem de forma vertiginosa, infelizmente. Outro ponto que causa preocupação é que o surgimento de novas variantes do vírus pode demandar a aplicação de doses de reforço da vacina. Ou seja, há ainda muitos obstáculos para a superação da pandemia em nível global.

A despeito de um cenário ainda muito desafiador em relação ao controle da pandemia, as últimas semanas confirmaram o quadro favorável para o crescimento mundial, com destaque para os países desenvolvidos e a China. Esse bom desempenho da atividade econômica mundial decorre de uma combinação de avanço da vacinação e de manutenção de estímulos fiscais e monetários nesses países. Assim, apesar dos desafios no controle total da pandemia em muitos países desenvolvidos, as empresas têm conseguido se adaptar às restrições impostas pela Covid-19, reduzindo, portanto, o impacto econômico.

Em abril, os Barômetros Globais da Economia, publicados em parceria entre o FGV IBRE e o Instituto Econômico Suíço KOF, subiram de forma expressiva pelo segundo mês seguido, com  todas as regiões evoluindo favorável e expressivamente no mês, tanto na perspectiva presente quanto futura[2]. De acordo com as aberturas setoriais do indicador, todos os cinco setores da pesquisa contribuíram de forma positiva para o resultado agregado, confirmando uma recuperação mais difundida, mesmo para os serviços, que são o setor mais afetado pela pandemia.

Um grande destaque é a economia americana, em que o indicador ISM (Institute of Supply Management) de serviços atingiu em março o nível de 63,7, o maior da série histórica. Os respondentes da pesquisa revelaram maior otimismo do setor diante do pacote de estímulo fiscal aprovado no país, que tende a impulsionar a demanda, além da possibilidade de normalização das atividades, com o avanço da vacinação e o controle da pandemia. Os dados recentes de  geração de emprego também corroboram o forte desempenho do setor de serviços norte-americano.

A China, por sua vez, confirma as expectativas de forte recuperação, com crescimento do PIB de 18,3% no primeiro trimestre de 2021, na comparação interanual. Na margem, o crescimento foi mais modesto, de 0,6%, ante os 3,2% registrados no último trimestre do 2020. O crescimento deverá continuar positivo ao longo do ano, mas com resultados mais modestos em relação aos observados no ano passado, dada a base de comparação menos favorável. A previsão é de um crescimento anual da ordem de 9%, de acordo com o pesquisador-associado do FGV IBRE, Lívio Ribeiro, lembrando que o carregamento estatístico para este ano é de 6,3%.

Mesmo na área do euro, onde o processo de vacinação tem sido relativamente mais lento, os resultados têm se mostrado positivos. O PMI composto da região, divulgado pela Markit, sugere aceleração da atividade econômica no final do primeiro trimestre. Nas aberturas, o componente de serviços continuou avançando, de 45,7 para 49,6 pontos, enquanto o industrial já havia apontado alta significativa, para o maior nível histórico. É importante destacar que a elevação do indicador agregado ocorreu de forma generalizada entre os países, com destaque para Alemanha, cujo patamar é o maior dos últimos três anos. Sem dúvida, as expectativas são favoráveis, pois houve recentemente uma aceleração no ritmo de vacinação na região, e haverá um aumento considerável de oferta de vacinas neste segundo trimestre.

Essas são, claro, boas notícias, uma percepção de certo modo confirmada pelo redirecionamento das preocupações, que agora recaem sobre o risco de inflação nos países desenvolvidos, em parte derivada da forte alta dos preços das commodities, e o que isso pode significar em termos de política monetária e preços de ativos financeiros. Nos EUA e na Europa, a tendência de maior pressão inflacionária deve permanecer nos próximos meses, refletindo não apenas a melhora na atividade econômica, mas também um efeito-base desfavorável, com valores de inflação baixos ou mesmo negativos no passado, devido à pandemia. Pelo menos por enquanto, os índices de preços mostram altas em linha com as metas dos bancos centrais. A dúvida é se esse padrão se manterá nos próximos meses e, em caso de surpresas desfavoráveis, qual será a reação dos mercados.

A despeito desse cenário internacional mais favorável, o quadro econômico segue piorando no Brasil, na contramão do que se vê nas economias avançadas. Assim, em que pesem as surpresas positivas em fevereiro, com indicadores de varejo e serviços acima do esperado, os dados para março já mostram fortes quedas nesses dois setores.

Isso ajuda a explicar porque, segundo relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil é a única grande economia com desaceleração do crescimento neste começo de ano. O índice composto de indicadores antecedentes (Composite leading indicators–CLIs) caiu 0,32% no Brasil em março, na comparação com fevereiro. Em linha com resultado da OCDE, o Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira (IACE), do FGV IBRE,  em parceria com The Conference Board, também mostrou recuo no mês passado. Além disso, o Indicador Coincidente Composto da Economia Brasileira (ICCE), que mensura as condições econômicas atuais, contraiu-se em 0,1%, para 96,7 pontos, no mesmo período, com variação acumulada nos últimos seis meses de -2,2%.

O quadro brasileiro é, portanto, muito desafiador. No curto prazo, temos um cenário de estagflação, com piora na atividade econômica e no mercado de trabalho, mas com uma inflação muito pressionada, rodando bem acima da meta do Banco Central. Soma-se a essas preocupações sobre o cenário fiscal a situação da pandemia no Brasil, valendo registro de que, apesar da aceleração recente do ritmo da vacinação, permanece a incerteza sobre a disponibilidade de vacinas para este segundo trimestre. Não surpreende, portanto, que os ativos brasileiros sigam tão desvalorizados, não acompanhando a recuperação que se vê nos mercados internacionais há algum tempo. 

Com relação ao quadro fiscal, há muitos pontos de preocupação: o impasse orçamentário, o baixo esforço do Executivo em encaminhar reformas que ajudem a controlar os gastos obrigatórios, um ambiente político muito conturbado, e o efeito prejudicial da pandemia sobre os fundamentos fiscais. Há o risco de haver mais gastos acima do teto, que tem sido um pilar da sustentabilidade das nossas contas públicas. Fundamentos fiscais mais fracos, em um contexto de elevação dos juros nos EUA, vão continuar desestimulando a entrada de capitais e ajudar a manter o real desvalorizado e os juros de mercado elevados.

A deterioração das condições financeiras resultante desse alto risco fiscal, por sua vez, impacta a perspectiva de crescimento nos próximos trimestres. Por enquanto, mantemos nossa projeção de crescimento de 3,2% este ano e de 2,4% em 2022. É importante destacar que o crescimento em 2021 é inferior ao carregamento estatístico de 3,6% e, para o ano que vem, o crescimento esperado está em linha com o carregamento estatístico. Ou seja, a recuperação brasileira está muito aquém do que seria possível e necessário.

Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de abril de 2021


[1] De acordo com dados coletados em 19/04.

[2] Entre as aberturas regionais temos 3 desagregações: Ásia, Pacífico & África, Hemisfério Ocidental e a Europa.

As opiniões expressas no documento no link são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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Marco silva

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