O papel central da produtividade para o crescimento nas próximas décadas
Como tenho discutido neste espaço, a produtividade do trabalho no Brasil cresce pouco desde o início da década de 1980. No entanto, só recentemente esse tema começou a ganhar maior destaque na mídia e nos debates de política econômica.
Uma importante razão para essa pouca atenção ao desempenho da produtividade até algum tempo atrás é que o padrão de vida da população brasileira evoluiu a taxas superiores à produtividade nas últimas décadas, o que tornou o problema menos perceptível.
Em artigo para o Boletim Macro de janeiro do IBRE/FGV, que escrevi em conjunto com Silvia Matos e Paulo Peruchetti, mostramos que, enquanto a produtividade por hora trabalhada cresceu apenas 0,4% ao ano (a.a.) entre 1981 e 2018, a renda per capita aumentou a uma taxa de 0,9% a.a. ao longo deste período.
Esta diferença de crescimento entre a renda per capita e a produtividade por hora trabalhada decorreu do fato de que, nas últimas quatro décadas, houve um aumento expressivo do total de horas trabalhadas na economia.
Dois fatores contribuíram de forma decisiva para esse aumento. O primeiro foi o chamado bônus demográfico, que consiste no fato de que a população em idade ativa (entre 15 e 64 anos) cresceu mais rapidamente que a população como um todo. Esse fator demográfico deu uma contribuição de 0,5% a.a. para o crescimento da renda per capita entre 1981 e 2018.
O segundo determinante importante do crescimento da renda per capita foi a elevação da taxa de participação, definida como a razão entre a população economicamente ativa (PEA) e a população em idade ativa (PIA). Ou seja, houve um aumento da parcela da população em idade para trabalhar que efetivamente procurou emprego. Esse fator deu uma contribuição de 0,6% a.a. para o crescimento da renda per capita desde o início da década de 1980, refletindo a incorporação de mais pessoas (especialmente mulheres) à atividade econômica.
Por outro lado, duas variáveis deram contribuição negativa para o aumento da renda per capita. Uma é a jornada média de trabalho, que equivale à média de horas por trabalhador ocupado, que teve queda de 0,4% a.a.. A outra variável com contribuição negativa foi a taxa de ocupação, que equivale à proporção de trabalhadores ocupados em relação à população economicamente ativa. A taxa de ocupação teve uma redução de 0,2% a.a., refletindo um pequeno aumento da taxa de desemprego média ao longo das últimas quatro décadas.
Somando as contribuições positivas do bônus demográfico e do aumento da taxa de participação, e subtraindo as contribuições negativas da jornada média de trabalho e da taxa de ocupação, chegamos a uma contribuição líquida positiva de 0,5% a.a., que corresponde à parcela do crescimento da renda per capita que excedeu o aumento da produtividade.
O problema é que os dados indicam que os fatores que permitiram que a renda per capita crescesse acima da produtividade desde o início da década de 1980 não contribuirão positivamente no futuro. Por outro lado, determinantes que tiveram efeito negativo provavelmente continuarão esta tendência.
Em particular, a jornada de trabalho provavelmente continuará a cair como nas últimas décadas, seguindo tendência observada em outros países ao longo do processo de desenvolvimento. A taxa de ocupação, devido ao seu caráter cíclico, também não oferecerá uma contribuição positiva no longo prazo. Isso é ilustrado pelo aumento de 0,5% a.a. entre 2010 e 2014, e pela subsequente queda de 1,5% a.a. entre 2014 e 2018.
Embora tenha contribuído positivamente para o aumento da renda per capita até 2010, desde então a taxa de participação tem oscilado, com redução entre 2010 e 2014, e aumento entre 2014 e 2018, o que provavelmente está associado a fatores cíclicos. Em consequência, desde 2010 a contribuição líquida da taxa de participação para o aumento da renda per capita foi nula. Embora a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro ainda seja menor que a de países desenvolvidos, esse fator certamente dará uma contribuição menor que a das últimas décadas.
Finalmente, os dados do IBGE mostram que o bônus demográfico terminou em 2018, quando o diferencial de crescimento entre a população em idade ativa e a população total entrou pela primeira vez em terreno negativo. Nos próximos anos o bônus se converterá em ônus, com a população em idade ativa crescendo menos que a população como um todo.
Diante deste cenário, a única forma de aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalhador. Isto, por sua vez, só será possível caso o Brasil persista no avanço da agenda de reformas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 07/02/2020.
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