O risco da leniência se confirmou
Nossas preocupações se confirmaram e 2024 termina com cenário doméstico bem mais negativo, fiscal complicado e taxa Selic que deve subir além do pico anterior. E o cenário externo deve ficar muito mais desafiador em 2025.
O final de ano é um momento para analisarmos o ano que termina e apontarmos as perspectivas para aquele que vai começar. Nesse sentido, vale a pena relembrar quais eram as principais preocupações, com relação à economia, há um ano . Com o título de “O risco de leniência”, a edição do Boletim Macro IBRE de dezembro de 2023 destacava que, com relação ao cenário doméstico, “o nível de incertezas se reduziu ao longo do ano, após as muitas ameaças de retrocesso em avanços de políticas econômicas implementados em governos anteriores. Sem dúvida, o novo arcabouço fiscal, apesar de não convencer os analistas quanto à volta dos superávits primários, mitigou os riscos de um descontrole mais significativo das contas públicas, principalmente após a PEC da transição, que aumentou os gastos públicos em mais de R$ 160 bilhões.”
Mais adiante: “Entre os principais objetivos de uma regra fiscal, como o arcabouço, é gerar condições para a estabilização da dívida pública, melhorar a qualidade do gasto público e produzir uma política fiscal anticíclica. Porém, com toda a pressão política que estará presente em 2024, em um quadro de acirrada disputa entre a esquerda, no controle do Executivo, e o Centrão, no do Legislativo, não há certeza que essas preocupações prevalecerão no próximo ano e que as escolhas do governo irão na direção de respeitar e fortalecer o arcabouço fiscal.
Consequentemente, é difícil mensurar qual será a taxa de juros terminal do atual ciclo de queda. Mesmo com um cenário externo mais favorável, ela dependerá também da política fiscal. Diante de um cenário mais favorável no curto prazo, o risco é o mercado e o governo agirem de forma leniente e perdermos uma oportunidade de assegurar a sustentabilidade fiscal”.
Passado um ano, vemos, em resumo, que nossas preocupações se confirmaram e estamos terminando 2024 em um contexto muito mais negativo domesticamente, com um fiscal complicado e uma taxa Selic que deve subir além do pico anterior. E isso em meio a um cenário externo que promete ficar, em 2025, muito mais desafiador do que foi em 2024.
Com relação ao contexto internacional, a principal preocupação é com relação aos EUA. Hoje ainda se espera uma queda da taxa de juros no ano que vem, mas esta pode não ocorrer ou ser bem menor do que se chegou a precificar não faz muito tempo. Como bem destacado na seção sobre a Economia Internacional, a economia americana mostra forte crescimento da demanda agregada e há sinais de que o processo desinflacionário estagnou. Além disso, “temos de considerar as “ameaças” inflacionárias associadas à agenda defendida por Trump. São raras as ocasiões em que se forma consenso acerca de uma determinada agenda econômica. Praticamente não há quem relute em perceber aumento das pressões inflacionárias na hipótese de as propostas do recém-eleito presidente serem efetivamente implementadas. Estamos nos referindo ao aumento de tarifas sobre importações, deportação em massa, estímulos fiscais via corte de impostos e ataques à independência do Fed.”
Ou seja, é um cenário global de dólar forte e juros altos, um contexto bem mais desafiador para os países emergentes. Um cenário que pode se tornar ainda mais complicado se a insustentável política fiscal americana, em parte a explicação para a surpreendente expansão da demanda agregada, não começar a pressionar com mais força as taxas longas de juros.
Concomitantemente, temos na Europa um quadro de baixo crescimento, que pode se beneficiar em 2025 dos cortes de juros que o ECB vem fazendo, mas que, por outro lado, deve sentir o peso de crescentes incertezas políticas domésticas e das complicadas questões geopolíticas, que deverão ganhar mais força nos próximos anos.
E, na China, como esperado, há dificuldades para manter uma taxa de crescimento em torno de 5%, sendo que a imposição de tarifas comerciais pelos EUA deve ameaçar ainda mais o ritmo de crescimento econômico. Tensões comerciais devem se intensificar no ano que vem. O governo chinês vem sinalizando em diferentes ocasiões que irá adotar políticas de estímulo monetário e fiscal, além de trabalhar com um renminbi mais desvalorizado, mas nada de grande magnitude.
Entretanto, o contexto econômico dos EUA hoje é muito diferente do período do primeiro governo Trump. E os impactos econômicos esperados, além de inflacionários, são ruins para o crescimento econômico do país. A ver.
É um cenário externo complicado para os emergentes em geral. E nossas fragilidades fiscais complicam ainda mais esse quadro, deixando o país mais vulnerável aos desenvolvimentos esperados para o cenário internacional em 2025.
Talvez isso explique um grande mistério de 2024: por que levou tanto tempo para que os preços dos ativos, como refletido nas taxas de câmbio e de juros de mercado, por exemplo, espelhassem as preocupações com a insustentabilidade do quadro fiscal, que, como apontamos acima, vinham desde o começo do ano, pelo menos. O fato é que os ventos externos mudaram, demandando reações muito mais contundentes no front fiscal.
Sem estas, o Banco Central não conseguirá, sozinho, reverter esse quadro. Sem dúvida, a decisão e o Comunicado do Copom foram muito adequados. A inflação corrente está subindo e a percepção dos agentes econômicos sobre o anúncio fiscal afetou de forma significativa toda a trajetória futura para a inflação nos próximos anos.
Após muitos meses de certa leniência com o quadro fiscal, os agentes de mercado estão extremamente céticos com relação à política fiscal, não esperando melhora estrutural e com receio de riscos crescentes, tanto do lado das receitas quanto das despesas, e até de dificuldades de cumprimento do limite de despesas do arcabouço. Mas mesmo que este seja respeitado, como há despesas que não entram no cálculo do arcabouço, o governo deve continuar registrando déficit primário pelo menos nos próximos dois anos.
A verdade é que, como perdemos uma oportunidade de assegurar a sustentabilidade fiscal, a taxa de juros deve subir muito mais. Até quanto a Selic pode se elevar vai depender de se haverá ou não novas medidas de controle de gastos. Com a decisão, acertada, do Copom e a clareza sobre os motivos de tal decisão, o Banco Central consegue apenas dar uma oportunidade para o Executivo e o Legislativo compreenderem a gravidade do quadro fiscal.
Conforme temos destacado, uma política fiscal expansionista em uma economia sem ociosidade, com um setor público deficitário e uma dívida pública elevada e crescendo com rapidez, tem efeitos líquidos deletérios: mais inflação, taxa de juros real mais elevada e mais risco na economia. Vamos colher menos crescimento, menos receitas, uma piora significativa do custo de financiamento do governo e mais dívida pública. Não há tempo a perder e não há atalhos. Negar que o problema existe não o fará desaparecer.
Este é o Sumário do Boletim Macro FGV IBRE de dezembro de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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